Título: Tombamento não atrapalha a segurança
Autor: Mader, Helena; Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 02/02/2013, Brasil, p. 8

Normas de uso das edificações do Plano Piloto permitem a alteração de espaços para a abertura de portas e a ampliação de escadas

O tombamento do Plano Piloto e as normas de uso e gabarito do Distrito Federal não impedem a adequação de casas noturnas às regras de segurança em casos de emergência. Apesar das restrições impostas pela arquitetura de Brasília, especialistas em preservação da ordem urbanística garantem que há maneiras alternativas de estar em dia com a legislação para evitar tragédias como a da boate Kiss, que matou 236 pessoas em Santa Maria (RS).

De acordo com o superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) do Distrito Federal, José Leme Galvão Júnior, as restrições impostas pelo tombamento do plano urbanístico do Plano Piloto limitam-se às dimensões gerais dos imóveis. “Fazer alterações internas ou na fachada do prédio não tem problema. O empresário pode abrir quantas saídas e colocar quantas escadas quiser”, explica.

Isso, claro, depende da configuração dos prédios em que os negócios são instalados. A Asa Sul e a Asa Norte, por exemplo, têm tipologias diferentes de quadras comerciais. Na parte Sul, os blocos não apresentam subsolos e todas as lojas contam com frente e fundos, o que possibilitaria a todos a instalação de portas de emergência. Já a parte Norte tem blocos com quatro fachadas e três pavimentos: subsolo, térreo e primeiro andar. Essa característica dificulta a abertura de saídas alternativas. A legislação também não impede o uso dos diversos recursos de segurança contra incêndio. O tombamento não restringe, por exemplo, a utilização de equipamentos como escadas de emergência, rampas e sistemas de ventilação. “Todos os dispositivos são adaptáveis, mas são caros e, às vezes, as pessoas preferem encontrar meios mais baratos, que nem sempre estão de acordo com a norma”, comenta Galvão.

No caso do Velvet Pub, o modelo arquitetônico do bloco na 102 Norte impede que o estabelecimento mantenha mais de uma saída, segundo o sócio da casa Gustavo Guimarães. “Aqui é um quadrado. Estamos cercados por lojas, só temos fachada. A gente não tinha como fazer uma segunda porta”, explica o dono do espaço. Para cumprir com as exigências do Corpo de Bombeiros, o local mantém uma porta de entrada e saída com 1,6 metro, possibilitando a passagem de até três pessoas ao mesmo tempo. Agora, Gustavo pretende ampliar a casa noturna e garantir mais segurança aos frequentadores. “Depois de dois anos, conseguimos alugar a loja ao lado. Vamos fazer mais uma escada para o subsolo, além de outra porta”, diz.

Reformas Duplicar o espaço foi também a maneira encontrada pela empresária Juliana Andrade, dona do bar e restaurante Balaio Café, para solucionar o problema das saídas de emergência no comércio, localizado na 201 Norte. Com o aluguel de duas salas comerciais, ela conseguiu construir mais um acesso ao subsolo do estabelecimento, onde há apresentações de bandas e DJs para cerca de 200 pessoas.

Além da entrada principal, a casa mantém porta e escada de emergência nos fundos da pista de dança. Em caso de incêndio no subterrâneo, os frequentadores têm duas alternativas para chegar ao térreo, onde fica o salão. “A área permite uma saída rápida das pessoas. As portas de cima são largas, dão grande vazão”, explica a dona do espaço, que funciona há sete anos na Asa Norte.

Para Paulo José Leite Farias, titular da 4ª Promotoria de Defesa da Ordem Urbanística do Ministério Público do DF e Territórios, o problema de muitos estabelecimentos não é a norma, e sim a escolha de espaços errados para determinadas atividades. As boates e os pubs de Brasília acabam funcionando em locais inadequados, e com isso desrespeitam o zoneamento urbano. Segundo o promotor, nenhum empresário consegue o licenciamento de boate, mas de bar e restaurante, setores que não contemplam os riscos e as mesmas exigências de casas noturnas. “Existe o desvirtuamento da atividade permitida na licença. Por isso é tão importante que a Agência de Fiscalização, o Corpo de Bombeiros e as administrações conversem entre si. É preciso que o documento esteja de acordo com a atividade praticada no mundo real”, afirma Leite.