O globo, n. 31761, 22/07/2020. País, p. 8
Foro privilegiado
Carolina Brígido
Paulo Capelli
Cleide Carvalho
Daniel Biasetto
22/07/2020
Serra é alvo de operação da PF, mas Toffoli impede buscas em gabinete no Senado
Uma ordem judicial para a Polícia Federal (PF) cumprir buscas ontem no gabinete do senador José Serra (PSDB-SP) expôs as dificuldades dentro do Judiciário para a implementação do fim do foro privilegiado. O juiz Marcelo Antonio Martin Vargas, da 1ª Zona Eleitoral de São Paulo, expediu o mandado, mas o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, suspendeu as buscas, atendendo a um pedido feito pelo Senado enquanto a PF aguardava autorização para entrar.
A operação deflagrada ontem foi a terceira fase da Lava-Jato na Justiça Eleitoral de São Paulo. O empresário José Seripieri Filho, fundador da Qualicorp, que administra planos de saúde, foi preso temporariamente, acusado de repassar R$ 5 milhões à campanha de Serra ao Senado em 2014, por meio de caixa dois.
Segundo as investigações, Serra teria recebido o valor em doações eleitorais não informadas à Justiça Federal em três parcelas — uma de R$ 3 milhões e duas de R$ 1 milhão cada. Agentes da Polícia Federal fizeram buscas em endereços do senador em São Paulo e no apartamento funcional dele, em Brasília. No início do mês, Serra também tinha sido alvo de buscas por decisão da Justiça Federal de São Paulo em outro processo, no qual foi denunciado por lavagem de dinheiro.
Além do fundador da Qualicorp, foram presos temporariamente o publicitário Mino Mazzamati, do Titans Grupo, e Arthur Azevedo Filho, dono de uma gráfica. A quarta prisão é de Rosa Maria Garcia, que também estaria por trás de uma das empresas que atuaram nos repasses.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEMAP), atuou diretamente para evitar as buscas no gabinete do colega. Ele inclusive falou ao telefone com o delegado da PF que aguardava dentro do Senado para cumprir a ordem judicial. A Mesa Diretora da Casa entrou com um mandado de segurança no STF para impedir as buscas.
Na decisão, Toffoli afirmou que havia “extrema amplitude” na ordem judicial. De acordo com o ministro, ao determinar a apreensão de “computadores e quaisquer outros tipos de meio magnético ou digital de armazenamento de dados”, o mandado trouxe “risco potencial” de serem coletados “documentos relacionados ao desempenho da atual atividade do congressista, o que, neste primeiro exame, pode implicar na competência constitucional da Corte para analisar a medida”.
“A decisão da autoridade reclamada pode conduzir à apreensão de documentos relacionados ao desempenho da atividade parlamentar do Senador da República, que não guardam identidade com o objeto da investigação”, escreveu Toffoli, ao conceder a liminar.
JURISPRUDÊNCIA
A decisão tem respaldo em julgamento recente do plenário da Corte. Em junho do ano passado, os ministros concordaram que um juiz de primeira instância pode autorizar operações em ambientes onde circulam autoridades com direito ao foro privilegiado, como o Congresso. Mas não para casos em que a investigação tenha parlamentares na mira. As medidas só podem ser adotadas se servidores forem os alvos.
Entre os ministros do STF, há concordância sobre a impossibilidade de um juiz de primeira instância determinar busca e apreensão contra um parlamentar. Há até quem tenha posição ainda mais rígida.Alexandre de Moraes deu a entender, no julgamento do ano passado, que ordens da primeira instância seriam totalmente inválidas no Congresso, mesmo sem ser diretamente contra parlamentares.
Serra lamentou a“espetacular ização”d as investigações e afirmou, em nota, que a nova operação foi abusiva e baseada em fatos até então desconhecidos por ele. Disse que não foi ouvido e que jamais recebeu vantagens indevidas em seus 40 anos de vida pública.
A defesa de Seriperi Filho afirmou ser “injustificável” sua prisão temporária. “Os fatos investigados ocorreram em 2014, há seis anos portanto, não havendo qualquer motivo que justificasse uma medida tão extremada”, afirmou o advogado Celso Vilardi. Ele ressalta ainda que Seriperi seria acusado de ter feito “mero pedido de doação” a Serra.
A Qualicorp afirmou em nota que “a nova administração da empresa está colaborando com as autoridades públicas competentes.”
“A decisão da autoridade reclamada pode conduzir à apreensão de documentos relacionados ao desempenho da atividade parlamentar do Senador da República, que não guardam identidade com o objeto da investigação”
Dias Toffoli, presidente do STF, em liminar