O globo, n. 31760, 21/07/2020. País, p. 7
Fundeb: Governo cede e texto deve ir a voto hoje
Paula Ferreira
Natália Portinari
21/07/2020
Parte que cabe à União na composição do fundo de financiamento da educação básica deve aumentar: proposta da gestão Bolsonaro sofreu críticas e foi reformulada por parlamentares
Após apresentar uma proposta sobre o Fundeb (fundo responsável pelo financiamento da educação básica) que sofreu várias críticas, o governo admitiu ontem que poderá ceder em diversos pontos.
Parlamentares debateram o tema ontem com o ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo. O grupo costura uma sugestão de aumentar a complementação da União de 20% para 23%, de forma escalonada, e resguardar cinco pontos percentuais para ampliar vagas na educação infantil e não para programa de transferência de renda, como queria o governo inicialmente. Atualmente, a complementação do governo ao Fundeb é de 10%.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e a relatora da proposta, Professora Dorinha Seabra (DEM-TO), participaram da reunião. Os deputados descartaram o modelo proposto pelo Executivo de vouchers para financiar vagas de educação infantil na iniciativa privada.
Também está fora do debate a proposta do governo que o novo Fundeb só tivesse efeitos em 2022, deixando um vácuo no próximo ano. A relatora também rejeitou a inclusão de um teto de 70% para uso de recursos do fundo no pagamento de pessoal.
A proposta negociada será submetida ao ministro da Economia, Paulo Guedes, e ao presidente Jair Bolsonaro, mas deve ser formalizada hoje. O governo tentou adiar a votação, mas os deputados não aceitaram. O debate foi aberto formalmente na noite de ontem no plenário da Câmara.
O acordo envolve o aporte previsto para o primeiro ano de vigência do fundo. O relatório previa aumento da contribuição da União em 2,5 pontos percentuais no primeiro ano. O governo tentou reduzir a 1,8 ponto percentual, mas fechou-se um acordo em 2 pontos percentuais.
EDUCAÇÃO INFANTIL
A deputada Tabata Amaral (PDT-SP) participa das negociações e diz que o Congresso não aceitará “retrocesso”:
—O governo se dispôs a dialogar e falar de avanços e não de retrocessos, porque sabia que perderia no voto. Essa é uma votação muito difícil para o governo querer testar uma base (na Câmara).
Dorinha Seabra destacou que o governo pediu prioridade à educação infantil e que isso será contemplado.
— O próprio governo demonstra preocupação para ampliação na área de cobertura (da educação infantil). Hoje, temos cerca de 6 milhões de crianças na educação infantil que não têm vaga. Estamos tentando construir uma prioridade da primeira infância, mas logicamente ajudando estados na melhoria do atendimento no âmbito do ensino médio — afirmou a relatora, em entrevista à CNN Brasil.
A primeira conversa com Ramos aconteceu ontem pela manhã. Logo depois, em reunião de líderes da Câmara, o grupo mais ligado ao governo, liderado por Arthur Lira (PP-AL), defendeu que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) só poderia ser votada em meio à pandemia se houvesse consenso. O argumento foi rebatido por Maia. Para evitar a derrota, o governo cedeu em uma nova reunião, na qual se construiu uma minuta do acordo.
Maia descartou ontem a ideia do Fundeb só vigorar em 2022 e disse não haver problema em analisar as propostas do governo, mesmo elas chegando só às vésperas da votação.
—É bom que o governo esteja participando. Foi um ano e meio sem participação do governo. O texto está muito consolidado, tem muito apoio, mas isso não significa que a gente não deva ouvir o governo —disse.
Ontem à noite, vinte governadores divulgaram uma carta em apoio ao relatório de Dorinha dizendo que trata-se de “proposta derivada de amplo e democrático processo de discussão” e que “permite aos entes federativos avançar nos aspectos fundamentais da matéria: acesso, qualidade e valorização dos profissionais de educação”.
O QUE DEFENDEM A CAMARA E O GOVERNO SOBRE O NOVO FUNDEB
Vigência
Como a atual vigência do Fundeb termina este ano, o texto da Câmara prevê que o novo fundo, junto de seus novos efeitos financeiros e distributivos, tenha início já em 2021. Já o governo quer que os novos gastos previstos pelas regras do novo Fundeb só tenham início em 2022, o que gera um vácuo no financiamento da educação básica durante o ano que vem.
Pagamento de inativos
O texto da relatora na Câmara proíbe o uso de verbas para o pagamento de aposentados e pensionistas de estados e prefeituras. Já a proposta do governo permite o uso dos recursos do fundo para o pagamento de inativos.
Transferência de renda
A proposta elaborada pela Câmara não prevê utilização de verbas do Fundeb em programas de transferência de renda, mas apenas para o financiamento da educação. Já a versão do governo prevê que metade dos 10% adicionais da contribuição da União — hoje o governo federal já é responsável por 10% do valor arrecadado pelo fundo — vá para iniciativas deste tipo, voltadas a crianças em idade escolar em situação de pobreza ou extrema pobreza. Críticos argumentam que esta é uma forma de criar um programa de assistência social com recursos que seriam da educação.
A proposta elaborada pela Câmara não prevê utilização de verbas do Fundeb em programas de transferência de renda, mas apenas para o financiamento da educação. Já a versão do governo prevê que metade dos 10% adicionais da contribuição da União — hoje o governo federal já é responsável por 10% do valor arrecadado pelo fundo — vá para iniciativas deste tipo, voltadas a crianças em idade escolar em situação de pobreza ou extrema pobreza. Críticos argumentam que esta é uma forma de criar um programa de assistência social com recursos que seriam da educação.
Vouchers em creches
O texto da Câmara não prevê a utilização de recursos do novo Fundeb para financiar entidades privadas de ensino. Já a proposta do governo prevê o oferecimento de vouchers para crianças que não conseguirem vagas em estabelecimentos públicos ou conveniados. O governo argumenta que essa é uma medida para “assegurar o acesso à educação infantil”.
Critérios de distribuição
Pela proposta da Câmara, dos dez pontos percentuais a mais que a União aportará, 7,5% serão distribuídos às redes públicas de ensino, municipais, estaduais ou distritais, que não alcançarem o valor mínimo por aluno definido pelo governo federal. E 2,5 pontos percentuais irão para redes que melhorarem indicadores educacionais e de gestão. Já o governo quer que apenas 2,5 pontos percentuais sejam distribuídos às redes que não conseguirem garantir o investimento mínimo por aluno. A regra para redes que alcançarem melhoria nos indicadores continua igual. Outros cinco pontos percentuais vão para o programa de transferência de renda.
Teto para pagamento de profissionais
De acordo com o texto preparado pela relatora na Câmara, um mínimo de 70% dos recursos do fundo devem ser utilizados para o pagamento de profissionais da educação básica. A proposta do governo, por sua vez, quer transformar o piso em teto: no máximo 70% dos recursos do novo Fundeb poderão ser utilizados para pagar profissionais da educação.