O globo, n. 31760, 21/07/2020. Sociedade, p. 10
Três vacinas dão passo importante
Rafael Garcia
21/07/2020
Produtos ainda em teste geraram boa resposta imune em voluntários
Três grupos de pesquisa trabalhando em vacinas contra a Covid-19 divulgaram ontem resultados promissores, mostrando que os produtos que desenvolvem foram capazes de gerar resposta imune em voluntários. Não é, ainda, uma comprovação de eficácia, mas a notícia gerou expectativa otimista com os testes clínicos que estão em andamento.
Uma das vacinas que demonstraram boa imunogenicidade é a criada pela Universidade de Oxford em parceria com a farmacêutica AstraZeneca. Em estudo publicado ontem na revista The Lancet, cientistas relataram que ela é segura, tem poucos efeitos colaterais e estimulou tanto a produção de anticorpos quanto a de células do sistema imune contra o novo coronavírus.
Esse imunizante está sendo testado no Brasil em parceria com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e o Instituto D’Or, e já está em fase 3, que avalia a eficácia do produto em voluntários humanos.
Outra vacina com resultados parciais animadores foi a desenvolvida pela CanSino Biologics e pela unidade de pesquisa militar da China, também relatando boa segurança e imunogenicidade em outro artigo na Lancet. O exército chinês já começou a usar o imunizante em voluntários.
A terceira vacina a apresentar bom perfil de resposta imune e segurança foi a desenvolvida pela empresa alemã BioNTech com a multinacional Pfizer.
Nos três casos relatados ontem, cientistas demonstraram entusiasmo.
— Acreditamos que os resultados indicam que o sistema imunológico se lembrará do vírus, ou seja, que nossa vacina protegerá as pessoas por período prolongado — disse Andrew Pollard, da Universidade de Oxford, líder do estudo sobre a vacina em parceria com a AstraZeneca.
—Precisamos de mais pesquisas antes de confirmar se essa fórmula protege efetivamente contra o Sars-CoV-2 e quanto tempo dura a imunidade.
Um ponto positivo é que a vacina provocou uma resposta de linfócitos T (células do sistema imune) 14 dias após a vacinação, e uma resposta de anticorpos (proteínas de ataque do sistema imune) após 28 dias.
A resposta imune foi mais forte nos participantes que receberam duas doses da vacina, indicando que a vacinação em duas etapas pode ser boa estratégia.
Na comunidade científica, cientistas receberam tanto o resultado de Oxford quanto os da CanSino e da Pfizer com cautela.
— É preciso olhar para esses resultados sem histeria. São resultados de testes de fase 1/2, e só saberemos da eficácia de fato com os resultados da fase 3 — disse Natália Pasternak, pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e colunista do GLOBO.
— Ainda vamos conviver muito tempo com o vírus.
163 PESQUISAS
Pouco mais de seis meses após o surto de Covid-19 ter se tornado oficialmente uma pandemia, o planeta já tem 163 iniciativas de desenvolvimento de vacinas contra o coronavírus, segundo um cenário mapeado pela OMS (Organização Mundial da Saúde).
Além da vacina de Oxford, só duas outras já chegaram à fase 3. São elas a vacina de RNA da empresa de biotecnologia americana Moderna e a vacina da chinesa Sinovac, que desembarcou ontem no Brasil.
Apesar do avanço rápido de um número pequeno de produtos nos testes, projetos em estágios mais iniciais continuam em andamento.
Jorge Kalil, imunologista que lidera uma iniciativa na USP ainda em estágio préclínico, afirma que seu projeto mira uma “segunda geração de vacinas”, com foco maior na imunidade de tipo celular e não em anticorpos, o alvo prioritário das vacinas que avançaram mais rápido.
—Por sorte, existe uma diversidade muito grande nas iniciativas de pesquisa, e tem cientista pensando nas mais diferentes opções — afirma o cientista.
— Tomara que haja várias que sejam boas. Com o tempo, vão ficar uma ou duas, e aquelas que vão ficar são aquelas que se demonstrarem mais eficazes e oferecerem proteção por mais tempo.
No Brasil, a UFMG também desenvolve vacina em estágio pré-clínico, e ICBUSP e Butantan têm projetos em planejamento.