Título: Atentado aos EUA
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 02/02/2013, Mundo, p. 18

Homem-bomba se explode diante da embaixada americana em Ancara e mata dois. Governo culpa facção marxista e abre investigação

A primeira impressão que o advogado Murat Çakir teve era a de que um tremor tinha acabado de acontecer. “Parecia um pequeno terremoto. As janelas sacudiram. Eu estava tomando café e escutei um som que se assemelhava ao do trovão antes da chuva”, contou ao Correio o turco, que mora a apenas 500m da Embaixada dos Estados Unidos, em Ancara, capital da Turquia. Passava das 13h15 (9h15 em Brasília) quando o extremista suicida Ecevit Sanli, de 30 anos, acionou os explosivos no momento em que era monitorado pelo aparelho de raio X da representação diplomática, no setor de concessão de vistos. A detonação abriu um buraco na parede, matou dois guardas e feriu várias pessoas, entre elas, a jornalista Didem Tuncay — até o fechamento desta edição, ela corria risco de morte. “Condenamos com firmeza o atentado terrorista”, afirmou Jay Carney, porta-voz da Casa Branca. “Nós trabalhamos com as autoridades turcas para investigar esse evento e fazer com que os responsáveis prestem contas à Justiça. (…) Um atentado suicida no perímetro de uma embaixada é, por definição, um ato terrorista.”

O primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, disse à rede de tevê Haberturk que Ecevit integrava o grupo esquerdista proscrito Frente Revolucionária de Libertação Popular (DHKP/C). “Ele explodiu-se depois de atravessar (a entrada de funcionários) e morreu. Uma marca de nascença sobre sua cabeça comprova (a identidade), mas testes de DNA serão realizados para que haja uma certeza. Está claro que ele é um membro da DHKP/C. Ele já havia realizado atentados antes”, comentou. O premiê minimizou suspeitas de que a explosão tenha relação com a posição da Turquia sobre a guerra civil na Síria. “Eu não chego a essa conclusão. Vocês sabem que a DHKP/C fez outras tentativas antes, mas estamos dando passos contra o terrorismo.”

“Estamos tristes, perdemos um dos guardas turcos”, declarou à imprensa o embaixador norte-americano, Francis Ricciardone. “Nós nos sentimentos seguros graças à sua ação. Estamos ao lado de pessoas amigas (…) seguiremos combatendo o terrorismo juntos”, prometeu o diplomata, ao dirigir-se às autoridades turcas. Çakir contou que somente percebeu tratar-se de um atentado depois que ouviu as sirenes de viaturas da polícia e de ambulâncias, além de testemunhar a chegada de dezenas de cinegrafistas.

O advogado acredita que o ataque de ontem foi uma mensagem direcionada à Turquia e aos Estados Unidos. “A Síria e o Irã podem estar envolvidos, por causa do bombardeio israelense a um centro militar em território sírio (leia ao lado) e da influência da Turquia sobre Damasco”, opinou Çakir. Em entrevista por e-mail, o analista de segurança Hasan Selim Ozertem afirmou que, no mês passado, as autoridades turcas lançaram uma operação contra a DHKP/C em várias cidades, que resultou na detenção de 100 pessoas e na prisão de 38. “Esse ataque pode ser uma reação a essas prisões. A organização pode estar desejosa de enviar algum aviso aos atores internacionais”, admitiu.

Doença

De acordo com Ozertem, o extremista Ecevit Sanli chegou a ser preso, em 1997, acusado de atentados com foguetes contra Istambul. “Ele foi solto em 2002, após apresentar sintomas da síndrome de Wernicke Korsakoff (uma doença neurológica que causa confusão, amnésia e alucinações)”, disse. O especialista turco explica que a DHKP/C tem realizado atentados contra autoridades do país. Nos últimos seis meses, a facção matou três policiais. “Seus ataques envolvem de um a quatro militantes apenas. O grupo tem orientação anti-imperialista e já atingiu alvos norte-americanos durante a primeira Guerra do Golfo, na década de 1990”, disse Ozertem.

Ódio pelo Ocidente

A DHKP-C é uma organização marxista leninista que se opõe fortemente a qualquer influência dos Estados Unidos ou da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) sobre a política externa na Turquia. A facção também luta pela derrubada do governo turco, por considerá-lo um regime fascista, subjugado aos interesses do Ocidente. Seus ideais incluem a instalação de um governo marxista. Desde 2007, integra a lista de 12 grupos terroristas ativos elaborada pelo Diretório Geral para a Segurança. Fundada em 1978, fruto de um racha no grupo Dev-Yol (Caminho Revolucionário), a DHKP-C já matou dezenas de autoridades e soldados, além de mais de 80 civis. Em 2000, o grupo atraiu a atenção internacional ao organizar uma greve de fome nas prisões — mais de 60 membros morreram durante o protesto.