O globo, n. 31754, 15/07/2020. País, p. 6
Prisões na pandemia
André de Souza
15/07/2020
STF negou 84% dos pedidos de habeas corpus por risco de contrair Covid-19
A pandemia do novo coronavírus fez o Supremo Tribunal Federal (STF) analisar, desde março, uma enxurrada de habeas corpus. São detentos que tentam a liberdade, o benefício da prisão domiciliar ou apenas a progressão do regime, sob a justificativa de que na cadeia teriam um risco maior de contrair a Covid-19. Mas, até agora, o placar tem sido amplamente desfavorável à defesa. De 2.783 pedidos julgados até segunda-feira, 2.345 (o equivalente a 84,2%) foram negados, a exemplo do que ocorreu com o ex-deputado Nelson Meurer, que morreu vítima da doença no domingo.
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), à diferença do entendimento do Supremo na ampla maioria dos casos, o argumento da pandemia foi aceito pelo presidente da Corte, ministro João Otávio de Noronha, para conceder o benefício da prisão domiciliara Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolso naro(Re publicanos-RJ ), e investigado pelo esquema de “rachadinha” no gabinete do parlamentar na Alerj.
Nem todos os pedidos terminaram de tramitar no STF, o que abre possibilidade de mudança em algumas decisões. Mas, por enquanto, apenas 105 deles foram aceitos. Outros 273 continuam sem julgamento. Completa malista :39 casos em que houve desistência da defesa; 14 em que houve uma decisão favorável em outro tribunal e, por isso, o STF não precisou julgá-los; cinco casos enviados para análise em outros tribunais e dois com despachos com outros encaminhamentos.
Os motivos para negar um pedido são variados. Boa parte foi rejeitada por questões técnicas, sem a análise do mérito, ou seja, dos argumentos da defesa. Em outros casos, a solicitação foi analisada com mais profundidade, mas ainda assim negada após ministros avaliarem, por exemplo, que não havia risco maior ao preso no local onde está detido. Presídios podem favorecer a propagação do vírus por serem ambientes fechados em que é difícil manter o distanciamento social.
FACHIN LAMENTA MORTE
O STF mantém em sua página na internet um painel com dados das ações da Corte relacionadas à Covid-19. São 3.767, a maior parte habeas corpus. Em alguns casos, houve mais de um despacho. O ministro Marco Aurélio Mello, por exemplo, deu 14 decisões favoráveis à defesa, mas depois foi voto vencido nos julgamentos ocorridos na Primeira Turma do tribunal. Nesses casos, o levantamento do GLOBO desconsiderou a primeira decisão, e contabilizou apenas a última, que manteve a prisão.
Em alguns habeas corpus, depois da primeira decisão favorável, houve pedidos de extensão, ou seja, as defesas de outros presos tentaram “pegar carona” no mesmo processo. Esses casos adicionais também foram contabilizados. Em alguns deles, a decisão também foi favorável. Em outros, não.
O levantamento não inclui o caso do ex-deputado Nelson Meurer, uma vez que não houve habeas corpus solicitado pela defesa dele. Primeiro envolvido na Operação Lava-Jato a ser condenado e preso por ordem do STF, Meurer teve um pedido de prisão domiciliar negado em abril pelo relator dos processos da operação, ministro Edson Fachin, e depois pela Segunda Turma do tribunal. A tramitação ocorreu no âmbito da ação penal que levou à condenação dele, e não por meio de um habeas corpus.
O ex-parlamentar estava apenado desde 30 de outubro de 2019 na Penitenciária Estadual de Francisco Beltrão, no Paraná. O quadro de Meurer envolvia riscos diante da Covid-19: ele estava acometido por cardiopatia, era diabético, hipertenso e doente renal crônico. Em nota divulgada ontem, Fachin lamentou a morte do político, expressou “devido respeito ao luto” e “pêsames pelo falecimento”, mas reiterou os argumentos de sua decisão.
O texto diz que o ministro se pautou “na realidade apresentada pelo juízo corregedor de referida penitenciária, no sentido de que não se encontrava com ocupação superior à capacidade, destacando a existência de equipe de saúde lotada no estabelecimento” e afirma ainda que, à época do julgamento, não havia casos de coronavírus na penitenciária.
RECOMENDAÇÃO DO CNJ
Em razão da Covid-19, uma resolução de março do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) recomendou que os juízes avaliem, caso acaso, a possibilidade de revogação de prisões provisórias de mulheres gestantes; lactantes e mães ou pessoas responsáveis por criança de até 12 anos ou por pessoa com deficiência. A recomendação se estende a idosos, indígenas, pessoas com deficiência ou que sejam do grupo de risco.
O texto foi assinado pelo presidente do CNJ e do STF, ministro Dias Toffoli, e não possui caráter obrigatório. Mesmo em caso contrário, não alcançaria o Supremo, que não está submetido ao controle do colegiado.
Boletins emitidos pelo CNJ mostram que, até o dia 6 de julho, 5.965 detentos tinham sido infectados pelo coronavírus, dos quais 64 morreram. Em 8 de junho, havia 2.126 casos e 52 mortes. O Distrito Federal foi a unidade da federação com mais registros da doença (1.444), enquanto São Paulo teve maior número de mortes (15). Entre os servidores,foram 4.519 caso se 62 óbitos. São Paulo foi o estado com mais óbitos: 21. Já o Pará foi o que mas teve casos: 587.
No sistema socioeducativo, que recebe adolescentes, foram 437 casos confirmados até 6 de julho, sem nenhum óbito. Já entre os servidores, foram 1.378, com 14 mortes.