Título: Denúncia do caso Herzog na OEA
Autor: Medeiros, Étore
Fonte: Correio Braziliense, 23/01/2013, Política, p. 5

Comissão da Organização dos Estados Americanos aceita analisar o episódio. Objetivo de entidade autora da petição é definir a responsabilidade do Estado brasileiro na tortura e na morte do jornalista

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (Cidh), da Organização dos Estados Americanos (OEA), admitirá a petição apresentada contra o Estado brasileiro relativa ao caso do jornalista Vladimir Herzog, morto em 1975 nas dependências do Destacamento de Operações de Informações — Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), em São Paulo. O anúncio foi feito ontem, em São Paulo, pelo Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil), autor da petição que alega a responsabilidade do Estado pela detenção arbitrária, tortura e assassinato do jornalista, e por não haver investigado o episódio a fundo e responsabilizado penalmente os culpados. Também assinaram a demanda à OEA a Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos, o Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo e o Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo.

Durante o trâmite do processo, iniciado em 2009, o Estado brasileiro alegou já ter reconhecido formalmente a responsabilidade pela morte de Vladimir Herzog, indenizado monetariamente a viúva, Clarice Herzog, e ter tomado diversas iniciativas para preservar o direito à memória do jornalista, inclusive apoiado a criação do Instituto Vladimir Herzog, em 2009. Além disso, cita a impossibilidade de investigação do crime pelas restrições impostas pela Lei da Anistia, que eximiu de responsabilidade jurídica todos os indivíduos que cometeram crimes políticos entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979.

No relatório divulgado ontem, a Cidh demonstrou não ter sido convencida pelos argumentos oficiais, pois o assassinato de Vladimir Herzog por agentes da ditadura militar seria um crime de lesa-humanidade, portanto, imprescritível, e aos quais não se pode aplicar anistia. A comissão decidiu acolher a petição contra o Estado brasileiro por supostas violações à Declaração Americana sobre os Direitos e Deveres do Homem, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura. Em processos semelhantes de violações de direitos humanos envolvendo outros países, como Argentina, Uruguai e Peru, a existência de Leis de Anistia também não foi obstáculo para a atuação da Cidh.

Reparação Ivo Herzog, filho do jornalista e diretor do Instituto Vladimir Herzog, espera que o acolhimento da petição pelo órgão da OEA dê início a uma nova fase no tratamento dado aos crimes cometidos pelo Estado durante a ditadura militar. “Esperamos que essa possibilidade seja aberta também para outras famílias que perderam entes queridos no período da ditadura.” Ele comemora ainda a alteração do Atestado de Óbito do pai, solicitação feita pela família Herzog, à Comissão Nacional da Verdade. A “morte por asfixia mecânica”, expressão utilizada nos casos de suicídio por enforcamento, deve dar lugar a “morte decorrente de lesões e maus-tratos sofridos em dependência do II Exército–SP (Doi-Codi)”. “A Justiça já definiu a alteração, mas o novo Atestado de Óbito ainda não foi expedido, o que deve acontecer ainda esta semana”, afirma Ivo.

Em nota, os grupos responsáveis pela petição afirmaram esperar do Judiciário brasileiro uma nova interpretação da Lei de Anistia, de forma que seja possível a punição dos autores de crimes contra a humanidade cometidos durante a ditadura militar, além de adequar a norma aos parâmetros da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário. Será difícil, no entanto, mudar o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto. A Corte se posicionou em 2010 de forma contrária à revisão da lei, por sete votos a dois.

“Esperamos que essa possibilidade seja aberta também para outras famílias que perderam entes queridos no período da ditadura” Ivo Herzog, diretor do Instituto Vladimir Herzog, filho do jornalista morto na ditadura

Memória Enforcado na cela

Vladimir Herzog, croata de nascimento e brasileiro naturalizado, exercia o cargo de diretor do Departamento de Jornalismo da TV Cultura de São Paulo quando foi convocado a prestar esclarecimentos ao DOI-Codi sobre a suposta ligação com o Partido Comunista Brasileiro. Herzog compareceu voluntariamente ao órgão do Exército em 25 de outubro de 1975 e foi morto no mesmo dia, dentro das dependências militares.

A princípio, o Atestado de Óbito indicava que Herzog teria se enforcado com um cinto do uniforme de presidiário. De acordo com os testemunhos de Jorge Duque Estrada e Rodolfo Konder, jornalistas que estiveram presos no Doi-Codi no mesmo período que Herzog, ele teria prestado depoimento sob tortura e foi morto em seguida.

O legista responsável pelo diagnóstico, Henry Shibata, admitiu, em 1978, que havia determinado a causa da morte sem ao menos ter visto o corpo do jornalista. O crime provocou grande comoção na época, e o assassinato de Herzog permanece até hoje como uma das mais tristes lembranças da violência da ditadura militar.