O globo, n. 31748, 09/07/2020. País, p. 7
Ex-funcionários do Ibama denunciam diminuição da fiscalização ambiental
Aguirre Talento
09/07/2020
De acordo com relatos, órgão vem sofrendo pressões de Bolsonaro e de Salles; ministro é investigado por improbidade administrativa
As pressões públicas do presidente Jair Bolsonaro e do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, sobre a fiscalização ambiental do Ibama provocaram a redução das atividades de controle, de acordo com o depoimento de ex-coordenador demitido após os atritos com o governo federal.
Rene Luiz de Oliveira, que comandava a Coordenação Geral de Fiscalização Ambiental do Ibama, prestou depoimento ao Ministério Público Federal em investigação por improbidade administrativa contra Salles, que gerou o pedido de afastamento do ministro enviado à Justiça Federal nesta semana. Seu subordinado no órgão, Hugo Loss, que foi coordenador de operação e fiscalização, também foi ouvido pelos investigadores.
As 13 páginas do depoimento conjunto, env adas à Justiça Federal e obtidas pelo GLOBO, descrevem com detalhes as pressões do governo Bolsonaro para desmontar a fiscalização ambiental. Trata-sede mais uma área com indícios de interferências indevidas do presidente — já há um inquérito em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre interferências na Polícia Federal e uma investigação na primeira instância sobre pressões para mudar uma portaria do Exército de compra de armas e munições.
De acordo com o relato de Rene, a gestão Salles nomeou pessoas sem perfil de fiscalização para atuar nas divisões técnico-ambientais das superintendências estaduais do Ibama e deixou cargos em aberto, apenas com nomes interinos, o que foi sucateando a atividade ao longo do ano de 2019. Ele também afirma que houve cortes no orçamento e diminuição do efetivo de fiscais ambientais do órgão. Tudo isso teria contribuído para uma queda no número de autos de infração no ano passado e uma diminuição da atividade de fiscalização.
No depoimento, os ex-coordenadores citam um episódio de abril de 2019 como simbólico pela pressão pública exercida por Bolsonaro na atividade de fiscalização do órgão e que provocou receio para que os fiscais realizassem seus trabalhos. Na ocasião, o presidente gravou um vídeo com o senador Marcos Rogério (PDT-RO) fazendo críticas a uma ação de fiscalização do Ibama em Rondônia que destruiu maquinário usado no desmatamento, prática prevista em lei. No registro, Bolsonaro afirma que Salles determinou a abertura de processo administrativo para apurar o assunto e disse que a orientação do governo não era destruir maquinário.
PRESSÃO E RECEIO
Segundo Hugo Loss ,a pressão exercida por Bolso na rono episódio provocou “receio” nos funcionários do Ibama e eles paralisaram ações de destruição de maquinário nos meses seguintes, temendo represália das autoridades.
“Teve até servidor nosso que por pouco teve que se defender administrativamente por ter aplicado alei e destruído maquinário. Em 2019, a Dipro (Diretoria de Proteção Ambiental) chegou até a dizer pra gente que não era pra destruir. Teve também declarações em vídeo do Presidente da República que não podíamos destruir, que a destruição iria ser apurada. Aí agente ficou receoso. Tanto que a destruição praticamente parou em abril e só voltou ao normal em agosto de 2019, com acrise deflagrada como‘ dia do fogo’ na Amazônia”, afirmou Loss no depoimento.
Rene ressalva que a ordem para não destruir maquinário foi dada de maneira informal, sem nenhum documento oficializando a orientação.
De acordo com Rene, as declarações públicas de Bolsonaro e de Salles repercutiram muito dentro do Ibama: “Existem três formas de uma força ser aniquilada. A primeira é tirar dinheiro. A segunda é desestruturar de alguma forma, como não nomear cargos estratégicos ou nomear gente sem afinidade com a causa. A terceira é gerar constrangimento, fazer baixar a guarda de quem tá na linha de frente, no caso os fiscais. As declarações das autoridades criaram uma força antagônica que causa medo ou insatisfação, levando a um estágio de baixa autoestima e consequente baixa na produtividade”.
Responsável na ponta por comandar operações, Hugo Loss cita que realizavam, em abril deste ano, uma ação de combate ao desmatamento nas terras indígenas Ituna-Itatá, Apyterewa e Trincheira Bacajá, localizadas no Pará, quando houve movimentação de personagens investigados por envolvimento nesse desmatamento junto à Presidência da República e teve início uma pressão contrária à ação.
Loss afirma que a equipe envolvida na operação “começou a receber questionamentos”, sem citar de quem partia essa pressão. Segundo ele, a Funai e a Força Nacional, por exemplo, foram questionadas sobre as ações.
Por causa dessa ação, de acordo com o depoimento, o governo acabou exonerando o diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Olivaldi Azevedo. O episódio foi relatado por R ene :“Nase gunda-feiraà tarde, imediatamente depois da reportagem do ‘Fantástico’, o Olivaldi entrou em contato comigo para avisar que tinha sido chamado no ministério e que, dependendo da situação, depois gostaria de falar comigo. Aí ele me ligou por volta das 17h30, 18h, e pediu para nos encontrarmos. Fomos lá no Ibama e ele disse ‘a coisa ficou insustentável, estou saindo, fui exonerado’”. Rene e Loss contam que também saíram do órgão após o episódio.
SALLES REBATE AÇÃO
Na segunda-feira, após a ação do MPF de improbidade administrativa que pediu seu afastamento, Salles se pronunciou em nota por meio da sua assessoria de comunicação: “A ação de um grupo de procuradores traz posições com evidente viés político-ideológico em clara tentativa de interferir em políticas públicas do Governo Federal. As alegações são um apanhado de diversos outros processos já apreciados e negados pelo Poder Judiciário, uma vez que seus argumentos são improcedentes”.
Procurado para comentar o teor dos depoimentos, o Ministério do Meio Ambiente não se manifestou.