O globo, n. 31748, 09/07/2020. Economia, p. 18

 

FGTS pode perder R$ 43 bi com medidas de estímulo

Geralda Doca

09/07/2020

 

 

Recursos do Fundo estão sendo usados para incentivar a economia, e Conselho Curador já trabalha com a necessidade de reduzir o orçamento para as áreas de habitação e saneamento básico em 2021

 O u­so dos re­cur­sos do FGTS pa­ra es­ti­mu­lar a eco­no­mia, co­mo a am­pli­a­ção dos sa­ques e as me­di­das pa­ra con­ter a crise cau­sa­da pe­la pan­de­mia, terão im­pac­to de R$ 43 bi­lhões no Fundo dos tra­ba­lha­do­res em 2020. Di­an­te do qua­dro, o Con­se­lho Cu­ra­dor do FGTS já tra­ba­lha com a ne­ces­si­da­de de re­du­zir o or­ça­men­to pa­ra as áre­as de ha­bi­ta­ção e sa­ne­a­men­to bá­si­co em 2021. O or­ça­men­to global des­te ano está pro­je­ta­do em R$ 77 bi­lhões.

Além dis­so, o Con­se­lho pas­sou a vi­gi­ar de per­to as pres­sões do Exe­cu­ti­vo e do Con­gres­so so­bre o FGTS. Téc­ni­cos do De­par­ta­men­to do FGTS, li­ga­do ao Mi­nis­té­rio da Eco­no­mia, fo­ram pe­gos de surpresa na tra­mi­ta­ção da me­di­da pro­vi­só­ria de so­cor­ro às empresas aé­re­as na Câ­ma­ra dos De­pu­ta­dos, que abriu a pos­si­bi­li­da­de especial de sa­que pa­ra os tra­ba­lha­do­res do se­tor. O pro­je­to de lei que sus­pen­de o pa­ga­men­to das pres­ta­ções com re­cur­sos do FGTS, du­ran­te a pan­de­mia, é ou­tro mo­ti­vo de pre­o­cu­pa­ção. A pro­pos­ta tem pe­di­do de ur­gên­cia na Câ­ma­ra.

O FGTS é a prin­ci­pal fon­te de fi­nan­ci­a­men­to da ha­bi­ta­ção de bai­xa ren­da no país e das obras de sa­ne­a­men­to bá­si­co de pre­fei­tu­ras e es­ta­dos, além de pro­je­tos de in­fra­es­tru­tu­ra e mo­bi­li­da­de ur­ba­na.

Se­gun­do a re­pre­sen­tan­te da Con­fe­de­ra­ção Na­ci­o­nal da In­dús­tria (CNI) no Con­se­lho Cu­ra­dor do FGTS, Maria Hen­ri­que­ta Aran­tes, uma re­du­ção no or­ça­men­to do FGTS tem efei­tos pro­por­ci­o­nais nos in­ves­ti­men­tos em ha­bi­ta­ção pa­ra abai­xa ren­da, sa­ne­a­men­to e obras de mo­bi­li­da­de ur­ba­na. Ela lem­bra que, por lei, 60% dos re­cur­sos do Fundo são apli­ca­dos em ha­bi­ta­ção de in­te­res­ses oci aleo res­tan­te é di­vi­di­do­ en­tre as ou­tras du­as áre­as, de acordo com di­re­tri­zes do Mi­nis­té­rio do De­sen­vol­vi­men­to Re­gi­o­nal (MDR).

IN­VES­TI­MEN­TO EM CADEIA

Ape­sar da crise na eco­no­mia, as ope­ra­ções com re­cur­sos do FGTS pa­ra ha­bi­ta­ção, so­bre­tu­do no pro­gra­ma Mi­nha Ca­sa Mi­nha Vida, e pa­ra sa­ne­a­men­to es­tão aci­ma do re­gis­tra­do no ano pas­sa­do, se­gun­do da­dos da Cai­xa Econô­mi­ca Fe­de­ral, agen­te fi­nan­cei­ro do Fundo. No ca­so do sa­ne­a­men­to, dos R$ 4 bi­lhões pre­vis­tos, R$ 2,865 bi­lhões fo­ram em­pres­ta­dos ou es­tão em fa­se de con­tra­ta­ção.

Pa­ra Hen­ri­que­ta, o país vai con­ti­nu­ar de­pen­den­do do FGTS pa­ra ala­van­car pro­je­tos de sa­ne­a­men­to até que o no­vo marco re­gu­la­tó­rio do se­tor, apro­va­do re­cen­te­men­te pe­lo Con­gres­so, ga­nhe fô­le­go — o que, se­gun­do es­pe­ci­a­lis­tas, só de­ve ocor­rer a par­tir de 2023.

O pre­si­den­te da Câ­ma­ra Bra­si­lei­ra da In­dús­tria da Cons­tru­ção Ci­vil (Cbic), Jo­sé Carlos Martins, diz que re­du­zir o or­ça­men­to de ha­bi­ta­ção e sa­ne­a­men­to em 2021 obri­ga­ria ose tor­da cons­tru­ção a pi sar­no frei ono momento de re­to­ma­da da eco­no­mia:

— O Brasil pre­ci­sa de­ci­dir se quer ge­rar em­pre­go. O re­cur­so in­ves­ti­do na cons­tru­ção ci­vil ir­ri­ga 97 “tor­nei­ri­nhas”, que são os se­to­res en­vol­vi­dos na cadeia.

O or­ça­men­to do FGTS pa­ra 2020, de R$ 77,9 bi­lhões, tem R$ 65,5 bi­lhões des­ti­na­dos à ha­bi­ta­ção pa­ra fa­mí­li­as de bai­xa ren­da, que es­tão man­ti­dos por en­quan­to. Pa­ra is­so, se­rá pre­ci­so fa­zer re­a­lo­ca­ção de ver­bas de áre­as com rit­mo menor de con­tra­ta­ções.

Da­dos do Con­se­lho Cu­ra­dor mos­tram ain­da que o FGTS tem cer­ca de R$ 80 bi­lhões apli­ca­dos em tí­tu­los do Te­sou­ro Na­ci­o­nal — o que per­mi­te co­brir a ne­ces­si­da­de mais ime­di­a­ta por re­cur­sos.

O uso do di­nhei­ro do tra­ba­lha­dor pa­ra aju­dar o governo a im­pul­si­o­nar a eco­no­mia to­mou for­ma em 2016, quando o ex-pre­si­den­te Michel Te­mer anun­ci­ou o sa­que emer­gen­ci­al das con­tas ina­ti­vas. Já em me­a­dos do ano pas­sa­do, o atu­al governo au­to­ri­zou um no­vo sa­que de con­tas ati­vas e ina­ti­vas. Ago­ra, está em mar­cha uma no­va ro­da­da de re­ti­ra­da, de até R$ 1.045 por tra­ba­lha­dor. Há ain­da uma no­va a mo­da­li­da­de de aces­so aos re­cur­sos, que acontece na da­ta de ani­ver­sá­rio do tra­ba­lhador.

MAIS SA­QUES COM DE­MIS­SÕES

O eco­no­mis­ta Clau­dio Fris­ch­tak, da In­ter B Con­sul­to­ria, de­fen­de que o papel do FGTS se­ja re­pen­sa­do por­que o “co­ber­tor é cur­to”, e o país vai sair da crise mais fra­gi­li­za­do do pon­to de vis­ta fis­cal.

—Os go­ver­nos têm re­cor­ri­do ao FGTS pa­ra tur­bi­na­ra eco­no­mia, e acre­di­to que as re­ti­ra­das te­nham ajudado um pou­co. Mas não exis­te ba­la de pra­ta so­bre o uso ade­qua­do dos re­cur­sos, e a solução pre­ci­sa pas­sar pe­lo Con­gres­so.

O au­men­to dos sa­ques de­vi­do a de­mis­sões agra­va o qua­dro de re­du­ção de re­cur­sos no Fundo. Com acri­se econô­mi­ca pro­vo­ca­da pe­la pan­de­mia, hou­ve um sal­to. Em ja­nei­ro, fo­ram R$ 5,7 bi­lhões; já em maio, R$ 9,6 bi­lhões.

Pro­cu­ra­do, o Mi­nis­té­rio da Eco­no­mia, que di­ri­ge o Con­se­lho Cu­ra­dor, con­fir­mou que exis­tem vá­ri­os fa­to­res com po­ten­ci­al pa­ra im­pac­tar o FGTS:

“São al­te­ra­ções nor­ma­ti­vas, de­ci­sões ju­di­ci­ais e mu­dan­ças rá­pi­dasn adi­nâ­mi­ca do mer­ca­do de tra­ba­lho que tra­zem in­cer­te­zas ao Fundo. Nãoé pos­sí­vel de­fi­nir va­lor exa­to do im­pac­to con­jun­to des­sasv ariá­veis, pois mui­tas ain­da es­tão in­de­fi­ni­das e em dis­cus­são”, dis­se o mi­nis­té­rio, em nota.