O globo, n. 31747, 08/07/2020. País, p. 12
Presidente usa cloroquina
Elisa Martins
Gustavo Maia
08/07/2020
Medicos descartam tratamento: "é uma decisão pessoal"
Horas depois de informar que contraiu a Covid-19, o presidente Jair Bolsonaro divulgou um vídeo, ontem, no qual aparece tomando um comprimido de hidroxicloquina contra a doença. O tratamento, que o presidente diz ter iniciado mesmo antes do diagnóstico, é visto com reserva por vários especialistas, e foi desaconselhado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Na gravação, Bolsonaro diz saber que nenhum remédio “tem a sua eficácia cientificamente comprovada”, mas se aponta como um exemplo do sucesso da substância.
— Tô me sentindo muito bem. Tava mais ou menos domingo, mal segunda-feira, hoje, terça, tô muito melhor do que sábado. Então, com toda a certeza, tá dando certo —afirmou, tomando o remédio e bebendo um copo de água. — Eu confio na hidroxicloroquina. E você? —diz o presidente.
Mesmo antes do diagnóstico positivo, Bolsonaro afirmou que estava tomando cloroquina, o que gerou críticas.
— É uma decisão pessoal dele. Mas as melhores recomendações internacionais e das sociedades médicas brasileiras não indicam hidroxicloroquina nem cloroquina para tratar nenhuma forma da Covid-19 — diz a pneumologista Margareth Dalcolmo, da Fiocruz. — (Bolsonaro) é um paciente que tem todas as condições de ser acompanhado da melhor forma possível e evoluir bem. E melhorando, que é o esperado, provavelmente não terá nenhuma relação com a cloroquina.
O médico intensivista Ederlon Rezende faz coro:
—Não há evidências científicas que suportem esse uso. Quem usa a droga acredita que ela traga benefícios uma vez feito o diagnóstico. O uso profilático, de quem ainda não tem o diagnóstico, faz menos sentido ainda.
Os próximos dias serão decisivos para o quadro clínico do presidente Jair Bolsonaro, diagnosticado com Covid-19. O período inicial da doença é considerado crucial para determinar a gravidade de um caso. Bolsonaro, de 65 anos e com histórico de cirurgias, é parte do grupo de risco. Mas médicos ouvidos pelo GLOBO dizem que o perfil aparentemente estável de saúde e a ausência de fatores que poderiam agravar o quadro, como tabagismo e diabetes, de acordo com as informações dos médicos que acompanham o presidente, contariam a favor para uma evolução sem complicações.
— O período de maior intensidade da inflamação provocada pela doença gira em torno de oito a doze dias. É a janela de maior expectativa, de maior risco, e também quando se espera que o paciente passe bem e respire aliviado. A complicação mais grave é a pneumonia, que pode ser moderada ou crítica — explica Ederlon Rezende.
Segundo o especialista, a evolução do quadro de Bolsonaro é “absolutamente imprevisível”. É fato, porém, que pessoas do chamado grupo de risco devem ter mais cautela. A idade do presidente, 65 anos, exige atenção.
A favor da recuperação do presidente contam um perfil aparentemente estável de saúde, apesar das intervenções cirúrgicas que ele passou após a agressão a faca na campanha em 2018, e a falta de comorbidades, como diz Dalcolmo.
— Embora pertença a um grupo que deve ser olhado com atenção, pela idade e pelas intervenções cirúrgicas anteriores, até onde sabemos o presidente não é fumante, não é diabético, nem tem doenças de imunidade celular. Isso aumenta as chances de que evolua bem— diz a médica e pesquisadora da Fiocruz.