O globo, n. 31745, 06/07/2020. Opinião, p. 2

 

Câmara precisa votar restrição do foro privilegiado, já aprovada no Senado

06/07/2020

 

 

Nesta semana a Câmara dos Deputados completa 1.100 dias de tramitação do projeto de mudança na legislação para restringir o foro privilegiado de autoridades em casos de crimes comuns.

O texto limita o foro privilegiado, nessas situações, apenas ao presidente, vice-presidente da República, chefe do Judiciário, e aos presidentes da Câmara e do Senado. Todos os agentes públicos hoje beneficiados pelo foro passariam a responder a processos criminais na primeira instância da Justiça comum.

Acabaria o privilégio do foro por prerrogativa de função para uma longa lista de servidores, que inclui deputados, senadores, ministros de estado, governadores, prefeitos, ministros de tribunais superiores, desembargadores, embaixadores, comandantes das Forças Armadas, integrantes de tribunais regionais federais, juízes federais, membros do Ministério Público, procurador-geral da República e integrantes dos conselhos de Justiça e do MP.

É notável que essa Proposta de Emenda Constitucional (nº 333) tenha sido aprovada pelo Senado no dia 31 de maio de 2017, isto é, há mais de três anos. Ela começou a tramitar na Câmara 48 horas depois. Desde fevereiro do ano passado permanece “pronta para apreciação em plenário”.

Certamente, não é uma obra legislativa perfeita, até porque isso não existe, e o melhor exemplo é a resiliente Constituição de 1988. No entanto, é uma iniciativa meritória na medida em que sinaliza o fim da impunidade pela metodologia da aposta na prescrição das ações penais no STF e na Justiça estadual.

O foro privilegiado é um dos maiores problemas do Supremo. Há pouco tempo, o ministro Luís Roberto Barroso apresentou uma síntese dos efeitos no congestionamento da corte constitucional: o prazo médio para recebimento de uma denúncia no Supremo ultrapassa 600 dias. Por coincidência, os deputados já levam quase o dobro do tempo para decidir sobre uma lei já aprovada pelos senadores.

O Supremo tem atuado para impedir a manipulação de jurisdição com recorrente uso do foro especial. Ainda assim, permanece um vácuo legislativo no qual prosperam tentativas de manobras protelatórias, como se vê no caso do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), que reivindicou o privilégio no Tribunal de Justiça do Estado.

Na Justiça, demora é sinônimo de impunidade. Na política, a indecisão é uma forma de decidir.