O globo, n. 31745, 06/07/2020. Economia, p. 13

 

Com consumo e impostos

Marcello Corrêa

06/07/2020

 

 

Auxílio emergencial deve conter queda do PIB

 O au­xí­lio emer­gen­ci­al, que po­de in­je­tar até R$ 300 bi­lhões na eco­no­mia, tem efei­tos que vão além da ma­nu­ten­ção da ren­da dos tra­ba­lha­do­res que per­de­ram o em­pre­go na pan­de­mia. Es­pe­ci­a­lis­tas ava­li­am que os re­cur­sos po­dem re­du­zir em 27% a que­da do Pro­du­to In­ter­no Bru­to (PIB) e ali­vi­ar o cai­xa do go­ver­no, já que R$ 75 bi­lhões de­vem vol­tar aos co­fres pú­bli­cos por meio de ar­re­ca­da­ção de im­pos­tos.

O eco­no­mis­ta-che­fe da MB As­so­ci­a­dos, Ser­gio Va­le, cal­cu­la que, sem o pro­gra­ma dos R$ 600, a eco­no­mia po­de­ria ter um tom­bo de 2,5 pon­tos per­cen­tu­ais mai­or. Co­mo o mer­ca­do pro­je­ta re­ces­são de 6,5% es­te ano, sem o au­xí­lio, a re­tra­ção che­ga­ria a 9%, co­mo es­ti­ma o Fun­do Mo­ne­tá­rio Na­ci­o­nal (FMI).

—O au­xí­lio é um dos ele­men­tos que aju­dam a ex­pli­car uma que­da me­nor do PIB. O re­cuo de 9% do FMI aca­ba pa­re­cen­do um pou­co for­te nes­sas con­di­ções —diz Va­le.

O com­po­nen­te que vai fa­zer o PIB cair me­nos se­rá o con­su­mo das fa­mí­li­as, que res­pon­de por 64,5% da eco­no­mia. Va­le diz que, su­pon­do que to­do o benefício se­ja gas­to, adi­an­do o pa­ga­men­to de dí­vi­das, o con­su­mo cai­ria 3,7% em vez dos 7,6% pre­vis­tos.

Na ar­re­ca­da­ção de im­pos­tos, Pe­dro Sch­nei­der, eco­no­mis­ta do Itaú, pre­vê re­tor­no de 30% dos R$ 254 bi­lhões que o go­ver­no es­ti­ma gas­tar com o benefício, já con­tan­do a pror­ro­ga­ção dos R$ 600 por mais dois me­ses, anun­ci­a­da se­ma­na pas­sa­da. Con­si­de­ran­do pa­ga­men­to de dí­vi­das ou pou­pan­ça com o au­xí­lio, e o res­tan­te sen­do gas­to, en­tra­ri­am R$ 75 bi­lhões em im­pos­tos no cai­xa do go­ver­no. A car­ga tri­bu­tá­ria cor­res­pon­de a 33,5% do PIB.

— Um mês de au­xi­lio cus­ta R$ 65 mi­lhões. O Bol­sa Fa­mí­lia cus­ta R$ 33 bi­lhões por ano. Mui­to mais di­nhei­ro es­tá sen­do co­lo­ca­do na eco­no­mia. Is­so tem re­per­cus­são na ati­vi­da­de econô­mi­ca e na ar­re­ca­da­ção — afir­ma Sch­nei­der.

CUS­TO FIS­CAL

Es­pe­ci­a­lis­tas aler­tam, no en­tan­to, que man­ter o pro­gra­ma por mui­to mais tem­po te­ria im­pac­to nas con­tas pú­bli­cas, que já es­ta­vam no ver­me­lho an­tes da cri­se pro­vo­ca­da pe­lo no­vo co­ro­na­ví­rus.

Sch­nei­der afir­ma que o Itaú re­vi­sou a pre­vi­são de dé­fi­cit pri­má­rio (re­cei­tas do go­ver­no me­nos as des­pe­sas, an­tes do pa­ga­men­to de ju­ros) na úl­ti­ma sex­ta-fei­ra, exa­ta­men­te por pre­ver a ma­nu­ten­ção da aju­da por mais me­ses. A es­ti­ma­ti­va de rom­bo au­men­tou de 10,2% pa­ra 11% do PIB.

—O go­ver­no es­tá gas­tan­do, e is­so vai ser im­por­tan­te pa­ra ati­vi­da­de. Nos­sa pre­o­cu­pa­ção é o dia se­guin­te, ca­ber no te­to de gas­tos (re­gra fis­cal que im­pe­de que as des­pe­sas cres­çam mais que a in­fla­ção do ano an­te­ri­or) —aler­ta Sch­nei­der.

O Ins­ti­tu­to Fis­cal In­de­pen­den­te (IFI), li­ga­do ao Se­na­do, pre­vê que o au­xí­lio in­je­ta­ria ao to­do R$ 309 bi­lhões na eco­no­mia se hou­ves­se mais três par­ce­las de R$ 600.

—O benefício não re­sol­ve o pro­ble­ma, mas im­pul­si­o­na a ati­vi­da­de e ge­ra al­gum re­tor­no na ar­re­ca­da­ção. Da­dos de ICMS mos­tram qu­e­das me­no­res, por cau­sa des­se ti­po de me­di­da, prin­ci­pal­men­te em bens de pri­mei­ra ne­ces­si­da­de. Há que­da me­nor do que te­ria sem o au­xí­lio —diz Felipe Sal­to, di­re­tor exe­cu­ti­vo do IFI.

Ape­sar das frau­des, gran­de par­te do au­xí­lio es­tá in­do pa­ra as fa­mí­li­as de ren­da mais bai­xa, nas qu­ais a des­ti­na­ção do di­nhei­ro pa­ra o con­su­mo é mais ime­di­a­ta.

Es­tu­do do Ins­ti­tu­to de Pes­qui­sas Econô­mi­ca Apli­ca­da (Ipea) mos­tra que o au­xí­lio emer­gen­ci­al con­se­guiu re­com­por mais de 100% da ren­da­do­tra­ba­lho per­di­da en­tre as fa­mí­li­as mais po­bres. Nes­ses la­res, a pro­por­ção dos que re­ce­be­ram au­xí­lio emer­gen­ci­al che­gou per­to de 50%; en­tre os ri­cos, apar­ce­la cai pa­ra 3,35%.

—Ame­ni­zou aque­da­da ren­da das fa­mí­li­as, prin­ci­pal­men­te das mais po­bres. O au­xí­lio re­compôs tu­do ou foi até mai­or do que elas re­ce­bi­am —afir­ma San­dro Sac­chet de Car­va­lho, au­tor do es­tu­do.

Foi o ca­so do ven­de­dor ambulante Re­na­to Sou­za, de 41 anos, que fa­tu­ra­va en­tre R$ 1.000 e R $1.500 an­tes da pan­de­mia. Ele já re­ce­beu as du­as pri­mei­ras par­ce­las do au­xí­lio de R $600. Amu lhe ré ca­das­tra­da no Bol­sa Fa­mí­lia e, co­mo tem uma fi­lha, pas­sou a re­ce­ber R$ 1.200 de benefício.

— O va­lor de R$ 600 não é mui­to. Só de aluguel eu pa­go R $500, en­tão, não so­bra na­da. Com o da mi­nha es­po­sa, pa­ga­mos as ou­tras con­tas.

Sou­za ven­dia seus pro­du­tos no Lar­go do En­can­ta­do, na Zo­na Nor­te do Rio, mas, com as me­di­das de dis­tan­ci­a­men­to so­ci­al pa­ra con­ter a pan­de­mia, não con­se­guiu mais tra­ba­lhar:

—Eu po­de­ria fi­car o dia in­tei­ro ali que não fa­ria R$ 50. Sou pri­vi­le­gi­a­do por­que, na mi­nha ca­sa, du­as pes­so­as re­ce­be­ram o au­xí­lio. Não sei co­mo fa­ria sem es­se di­nhei­ro. Vo­cê não vi­ve o mês to­do com R$ 600, ain­da mais com uma cri­an­ça.

QUE­DA ME­NOR NA REN­DA

O di­re­tor da FGV So­ci­al, Mar­ce­lo Ne­ri, cha­ma a aten­ção, con­tu­do, pa­ra as mu­dan­ças na ma­nei­ra de cal­cu­lar o im­pac­to dos re­cur­sos in­je­ta­dos na eco­no­mia. Com o co­mér­cio e os ser­vi­ços par­ci­al­men­te pa­ra­dos, não há on­de con­su­mir:

— Sa­be­mos que o au­xí­lio é bas­tan­te pró-po­bre, mas a cer­te­za que es­se di­nhei­ro vai pa­ra o con­su­mo não es­tá tão ga­ran­ti­da co­mo an­tes.

A con­sul­to­ria Ten­dên­ci­as pre­vê que a ren­da das fa­mí­li­as te­rá que­da de 2,3%, mui­to sus­ten­ta­da pe­las trans­fe­rên­ci­as do go­ver­no.

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Para o governo, benefício foi além da perda de renda

Marcello Corrêa

06/07/2020

 

 

Equipe econômica avalia que programa foi bem-sucedido e prepara reformulação de Bolsa Família para substituir ajuda de R$ 600

 O au­xí­lio emer­gen­ci­al foi mais que su­fi­ci­en­te pa­ra re­por as per­das de ren­da cau­sa­das pe­la cri­se do co­ro­na­ví­rus, se­gun­do no­ta téc­ni­ca do Mi­nis­té­rio da Eco­no­mia que de­ve ser di­vul­ga­da nos pró­xi­mos di­as. De acor­do com o es­tu­do, ba­se­a­do nos da­dos de maio, a mas­sa sa­la­ri­al te­ve que­da de R$ 35 bi­lhões, en­quan­to o benefício in­je­tou R$ 45 bi­lhões no mes­mo mês.

Os da­dos fa­zem par­te de um di­ag­nós­ti­co da equi­pe econô­mi­ca de que o benefício de R$ 600 e a me­di­da pro­vi­só­ria (MP) 936, que per­mi­tiu re­du­ção de jor­na­da e sus­pen­são de con­tra­tos — com com­pen­sa­ção de ren­da pa­ga pe­lo go­ver­no —fo­ram bem-su­ce­di­dos.

“A que­da da mas­sa de ren­di­men­tos foi mais do que com­pen­sa­da pe­lo vo­lu­me de re­cur­sos trans­fe­ri­dos do au­xí­lio emer­gen­ci­al em ter­mos agre­ga­dos. Se con­si­de­rar­mos os de­mais pro­gra­mas, co­mo o Benefício Emer­gen­ci­al - BEm (MP 936/20), es­sa com­pen­sa­ção foi ain­da mai­or”, diz tre­cho do do­cu­men­to.

Na ava­li­a­ção do sub­se­cre­tá­rio de Po­lí­ti­ca Ma­cro­e­conô­mi­ca do Mi­nis­té­rio da Eco­no­mia, Vla­di­mir Kuhl Te­les, as im­por­tan­tes pa­ra ga­ran­ti­ra so­bre­vi­vên­cia de em­pre­sas nes­se pe­río­do.

—Se es­sas em­pre­sas ti­ve­rem si­do sal­vas, a re­to­ma­da vai ser mui­to mais rá­pi­da. As po­lí­ti­cas fo­ram im­por­tan­tes pa­ra pro­te­ger os mais vul­ne­rá­veis, mas tam­bém pa­ra ga­ran­tir con­di­ções­me­lho­res pa­ra a re­to­ma­da pós-iso­la­men­to.

Ago­ra, a pre­o­cu­pa­ção da equi­pe econô­mi­ca, li­de­ra­da pe­lo mi­nis­tro Pau­lo Gu­e­des, é co­mo con­ti­nu­a­ra ga­ran­tir pro­te­ção so­ci­al aos be­ne­fi­ciá­ri­os no pós-pan­de­mia. Prin­ci­pal­men­te por­que o au­xí­lio tem si­do vis­to co­mo fa­vo­rá­vel à po­pu­la­ri­da­de do pre­si­den­te Jair Bol­so­na­ro pe­la ala po­lí­ti­ca.

A prin­ci­pal fren­te de atu­a­ção é o Ren­da Bra­sil, re­for­mu­la­ção do Bol­sa Fa­mí­lia que se­rá lan­ça­da após o fim do au­xí­lio emer­gen­ci­al. Tam­bém es­tá em ges­ta­ção um No­vo Mar­co do Tra­ba­lho, pa­ra in­cen­ti­var con­tra­ta­ções e a for­ma­li­za­ção de tra­ba­lha­do­res por con­ta pró­pria.

‘MAIS DO MES­MO’

Pa­ra o pre­si­den­te da Câ­ma­ra, Ro­dri­go Maia (DEM-RJ), o Ren­da Bra­sil é “mais do mes­mo”. Em en­tre­vis­ta on­tem à Glo­boNews, ele de­fen­deu que um no­vo pro­gra­ma so­ci­al de­ve ir além da trans­fe­rên­cia de ren­da.

—Acho que o Ren­da Bra­sil é mais do mes­mo. É uni­fi­car o que já exis­te de pro­gra­ma, am­pli­ar o va­lor mé­dio de R$ 180 pa­ra R$ 230, R$ 250, e man­ter is­so co­mo um pro­gra­ma de trans­fe­rên­cia de ren­da. Pre­ci­sa­mos ir além do pro­gra­ma de trans­fe­rên­cia de ren­da.

Maia afir­mou que é pre­ci­so que o no­vo ar­ca­bou­ço te­nha me­ca­nis­mos pa­ra ga­ran­tir a mo­bi­li­da­de so­ci­al.

—Pre­ci­sa­mos so­mar is­so a uma va­riá­vel em que a gen­te es­ti­mu­le a mo­bi­li­da­de so­ci­al das fa­mí­li­as.