O globo, n. 31744, 05/07/2020. País, p. 4

 

Novo tom do planalto

Naira Trindade

05/07/2020

 

 

Bol­so­na­ro se con­ven­ce e es­ca­la ti­me pa­ra abrir diá­lo­go com Po­de­res

BRA­SÍ­LIA Evo­ca­do pe­lo mi­nis­tro das Co­mu­ni­ca­ções, Fa­bio Fa­ria (PSD), na sua pos­se, o “ar­mis­tí­cio pa­trió­ti­co” co­me­çou an­tes de sua che­ga­da ao go­ver­no de Jair Bol­so­na­ro. O pre­si­den­te já ha­via en­vi­a­do emis­sá­ri­os pa­ra abrir fren­tes de diá­lo­go com os de­mais Po­de­res e de­ci­di­do re­du­zir as de­cla­ra­ções no cer­ca­di­nho do Pa­lá­cio da Al­vo­ra­da quan­do, na­que­la se­ma­na, o cli­ma es­quen­tou no Pla­nal­to. A pri­são da ex­tre­mis­ta Sa­ra Gi­ro­mi­ni, a que­bra do si­gi­lo fis­cal de 11 par­la­men­ta­res bol­so­na­ris­tas pe­lo Su­pre­mo Tri­bu­nal Fe­de­ral (STF) e a pri­são de Fa­brí­cio Qu­ei­roz, ex-as­ses­sor do se­na­dor Flá­vio Bol­so­na­ro (Re­pu­bli­ca­nos-RJ), ele­va­ram a ten­são do pre­si­den­te e seu en­tor­no. No ti­me escalado pa­ra cons­truir uma es­pé­cie de con­ci­li­a­ção com os ou­tros Po­de­res es­ta­vam os mi­nis­tros da Se­cre­ta­ria Ge­ral­da Pre­si­dên­cia, Jor­ge Oli­vei­ra; da De­fe­sa, Fer­nan­doA­ze­ve­do e Sil­va; da Jus­ti­ça, An­dré Men­don­ça; da Ad­vo­ca­cia Ge­ral da União, Jo­sé Le­vi do Ama­ral, da Se­cre­ta­ria de Go­ver­no, Luiz Edu­ar­do Ra­mos, e tam­bém o en­tão de­pu­ta­do fe­de­ral Fa­bio Fa­ria (PSD-RN), que de­pois veio a se tor­nar mi­nis­tro. Fi­lho“ze­ro um” de Bol­so­na­ro, Flá­vio tam­bém atu­ou pa­ra tran­qui­li­zar o pai. Seu pa­pel, se­gun­do ali­a­dos do se­na­dor, foi ode sa­li­en­ta­ra Bol­so na ro­que as acu­sa­ções não ti­nham re­la­ção com o go­ver­no.

Nos pri­mei­ros di­as de ju­nho, a equi­pe saiu em cam­po pa­ra, de for­ma dis­cre­ta, dar iní­cio a uma ro­da­da de reu­niões. Jor­ge Oli­vei­ra, An­dré Men­don­ça, Fer­nan­do Aze­ve­do e Luiz Edu­ar­do Ra­mos vi­si­ta­ram in­di­vi­du­al­men­te mi­nis­tros do Su­pre­mo e tam­bém do Tri­bu­nal de Con­tas da União (TCU). O pró­prio Bol­so­na­ro con­vi­dou o mi­nis­tro Au­gus­to Nar­des, do TCU, pa­ra um ca­fé em seu ga­bi­ne­te no Pla­nal­to. Ar­ti­cu­la­dor po­lí­ti­co do go­ver­no, Ra­mos al­mo­çou com os pre­si­den­tes da Câ­ma­ra e do Se­na­do. E Fa­bio Fa­bia aju­dou a dis­ten­si­o­na­ra re­la­ção com Ro­dri­go Maia (DEM-RJ), de quem é mui­to ami­go, e com o pre­si­den­te do STF, Di­as Tof­fo­li, com quem man­tém boa re­la­ção. Mais ex­pe­ri­en­te do ti­me, Fer­nan­do Aze­ve­do e Sil­va se apro­vei­tou da vi­vên­cia acu­mu­la­da em um pe­río­do con­tur­ba­do da po­lí­ti­ca bra­si­lei­ra pa­ra aju­da­ra con­ven­cer Bol­so na ro­so breu ma mu­dan­ça de ati­tu­de. Ele foi o che­fe da Aju­dân­cia de Or­dens do en­tão pre­si­den­te Fer­nan­do Col­lor de Mel­lo, de 1990 até sua re­nún­cia, em 1992, pro­vo­ca­da por um pe­di­do de im­pe­a­ch­ment. Ape­di­do do co­man­dan­te do Exér­ci­to na épo­ca, Aze­ve­do e Sil­va cum­priu a mis­são de acom­pa­nhar Col­lor até o seu úl­ti­mo dia no go­ver­no. Co­mo uma som­bra sem­pre ao la­do do pre­si­den­te, o ho­je mi­nis­tro da De­fe­sa as­sis­tiua to­dos os pas­sos da que­da e pre­sen­ci­ou reu­niões im­por­tan­tes.

A ex­pe­ri­ên­cia des­se tem­po aju­dou Aze­ve­do e Sil­va a le­va­ra Bol­so na ro­as pon­de­ra­ções par ali dar­com mo­men­tos di­fí­ceis do atu­al go­ver­no. O mi­li­tar é um de­fen­sor do diá­lo­go. A in­ter­lo­cu­to­res, diz sem­pre apos­tar na boa con­ver­sa pa­ra cons­truir pon­tes e dis­sol­ver pro­ble­mas. Se­gun­do mi­nis­tros do Pla­nal­to, seu per­fil con­ci­li­a­dor en­con­tra en­dos­so nos co­le­gas Jor­ge Oli­vei­ra e An­dré Men­don­ça, com per­so­na­li­da­des con­si­de­ra­das pa­re­ci­das. Jor­ge her­dou do pai, Jor­ge de Oli­vei­ra Fran­cis­co, ex-as­ses­sor de Bol­so­na­ro na Câ­ma­ra, a tran­qui­li­da­de da fa­la e a voz su­a­ve ca­paz de di­zer ver­da­des sem ma­go­ar o pre­si­den­te. Pa­ra um in­te­gran­te do go­ver­no, de­pois dos fi­lhos de Bol­so­na­ro, só Jor­ge con­se­gue ter um diá­lo­go mais du­ro e sin­ce­ro “sem ro­dei­os” com Bol­so­na­ro. Se­gun­do ali­a­dos, seu pai, Fran­cis­co, era um dos pou­cos com in­fluên­cia so­bre o man­da­tá­rio.

No úl­ti­mo dia 17, Bol­so­na­ro avi­sou aos au­xi­li­a­res que não mais da­ria as de­cla­ra­ções diá­ri­as a apoi­a­do­res no cer­ca­di­nho do Pa­lá­cio do Al­vo­ra­da. As­ses­so­res no ga­bi­ne­te pre­si­den­ci­al fi­ca ra­mem fes­ta. Fi­nal­men­te,o pre­si­den­tes econv en­ce­ra­dos ris­cos e dos pre­juí­zos cau­sa­dos pe­las fa­las. O mi­nis­tro do Ga­bi­ne­te de Se­gu­ran­ça Ins­ti­tu­ci­o­nal, Au­gus­to He­le­no, vi­brou. Ele sem­pre ar­gu­men­tou so­bre os ris­cos do pre­si­den­tes eex­por­frequ en­te men­te­nol o ca­le, se­gun­do ali­a­dos, jáha vi aten­ta­dos em su­ces­so re­du­zir su­as pa­ra­das lá. Um mi­nis­tro im­por­tan­te re­su­me os mo­ti­vos da mu­dan­ça :“e le­se con­ven­ceu ”. Ori­en­ta­ções sem­pre che­ga­ram de vá­ri­os “ato­res”, mas o que mu­dou foi a con­vic­ção do pre­si­den­te. Bol­so­na­ro, que an­tes apos­ta­va no ra­di­ca­lis­mo pa­ra man­ter a ba­se aque­ci­da, deu mos­tras de que apos­ta­rá num ano­va es­tra­té­gia pa­ra acal­mar os âni­mos que co­me­ça­ram afi­car acir­ra­dos de­mais.

 MU­DAN­ÇAS

Em bus­ca da pa­ci­fi­ca­ção, pri­mei­ro, Bol­so­na­ro re­sol­veu mu­da­r a in­ter­lo­cu­ção co­mo Con­gres­so e cha­mou os pre­si­den­tes de ­par­ti­dos pa­ra “reu­niões de cor­te­si­as” no Pla­nal­to. De­pois, abriu es­pa­ços pa­ra que os par­ti­dos fi­zes­sem no­vas in­di­ca­ções em es­ta­tais e pre­si­dên­ci­as de ban­cos ofi­ci­ais. Ape­sar das de­cla­ra­ções em con­trá­rio, pa­ra aten­der apoi­a­do­res das re­des so­ci­ais, as ações se­gui­am um no­vo ri­to que per­mi­ti­ria mon­tar uma ba­se mais con­sis­ten­te na Câ­ma­ra e no Se­na­do. Ou­tro re­ca­do cla­ro veio após um gru­po dis­pa­rar fo­gos con­tra o Su­pre­mo e o en­tão mi­nis­tro da Edu­ca­ção, Abraham Wein­traub, par­ti­ci­par de ma­ni­fes­ta­ção con­tra a Cor­te. Ali, Bol­so­na­ro de­ci­diu de­mi­tir Wein­traub e si­na­li­zou que en­tre­ga­ria a ca­be­ça de um au­xi­li­ar que apre­ci­a­va pa­ra sal­var o res­to. Em re­la­ção ao Le­gis­la­ti­vo, fez afa­gos aos pre­si­den­tes da Câ­ma­ra e do Se­na­do es­ta se­ma­na e as­si­nou a pror­ro­ga­ção por mais dois me­ses do au­xí­lio-emer­gen­ci­al, tal co­mo apro­va­do pe­lo Con­gres­so. No go­ver­no, as apos­tas ago­ra são pe­la ma­nu­ten­ção da tré­gua en­tre os Po­de­res. Há um te mo­rem re­la­ção ao pro­lon­ga­men­to dos inqué­ri­tos so­bre a su­pos­ta ten­ta­ti­va de in­ter­fe­rên­cia na Po­lí­cia Fe­de­ral e da in­ves­ti­ga­ção so­bre fa­ke news, que po­dem de­ses­ta­bi­li­zar o atu­al cli­ma harmô­ni­co. Po­rém, ali­a­dos es­pe­ram que o no­vo com­por­ta­men­to do pre­si­den­te e a de­ci­são de par­ti­ci­par de agen­das pú­bli­cas de inau­gu­ra­ções aju­dem a con­ser­var o am­bi­en­te pa­ci­fi­ca­do.

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Ola­vis­tas per­dem for­ça nas re­des com mu­dan­ça

Gustavo Scmhitt

Sérgio Roxo

05/07/2020

 

 

Pu­bli­ca­ções de per­fis ali­nha­dos à ala ide­o­ló­gi­ca ob­ser­va­ram uma que­da de 38% no nú­me­ro de in­te­ra­ções no úl­ti­mo mês

O tom mo­de­ra­do ado­ta­do pe­lo pre­si­den­te Jair Bolso­naro na­s últi­mas se­ma­nas aba­loua su­a­re de­de apoio noTwit ter, em es­pe­ci­al os per­fis de se­gui­do­res do ideó­lo­go Ola­vo de Car­va­lho. Uma aná­li­se das pu­bli­ca­ções de no­ve dos prin­ci­pais in­flu­en­ci­a­do­res re­a­li­za­da pe­la con­sul­to­ria Ar­qui­me­des mos­trou uma que­da de 38% no nú­me­ro de re­pu­bli­ca­ções e cur­ti­das re­ce­bi­das—as in­te­ra­ções—en­tre a pri­mei­ra e quar­ta se­mana­ de ju­nho. Na pri­mei­ra se­ma­na do mês pas­sa­do, as pu­bli­ca­ções fei­tas por es­sas con­tas ana­li­sa­das ti­ve­ram 11,4 mi­lhões de in­te­ra­ções. Hou­ve uma que­da pa­ra 8,3 mi­lhões na se­gun­da se­ma­na de­pois de o pre­si­den­te ter que­bra­do a ro­ti­na de par­ti­ci­par da ma­ni­fes­ta­ções de seus apoi­a­do­res aos domingos na fren­te do Pa­lá­cio do Pla­nal­to e co­man­dar uma reu­nião de seu con­se­lho de mi­nis­tros de for­ma só­bria.

Na ter­cei­ra se­ma­na, o nú­me­ro su­biu um pou­co, pa­ra 9,1 mi­lhões A al­ta foi pu­xa­da pe­las in­te­ra­ções ocor­ri­das no dia 17, quan­do Bol­so­na­ro fez a úl­ti­ma de su­as de­cla­ra­ções em tom de ame­a­ça. Em con­ver­sa no cer­ca­di­nho de sim­pa­ti­zan­tes no Pa­lá­cio da Al­vo­ra­da, ao co­men­tar a que­bra de si­gi­lo ban­cá­rio de 11 par­la­men­ta­res de sua ba­se no inqué­ri­to que apu­ra a re­a­li­za­ção de atos an­ti­de­mo­crá­ti­cos, dis­se que não se­ria o “pri­mei­ro a chu­tar o pau da bar­ra­ca” e “eles es­tão abu­san­do, tá?”. Tam­bém afir­mou que es­tá “che­gan­do a ho­ra de tu­do ser pos­to no seu lu­gar”.

 SI­LÊN­CIO PÓS-QU­EI­ROZ

No dia se­guin­te, ocor­reu a pri­são de Fa­brí­cio Qu­ei­roz. A par­tir daí, Bol­so­na­ro mo­de­rou su­as pa­la­vras e ati­tu­des. Na úl­ti­ma se­ma­na do mês, já com a no­va pos­tu­ra con­so­li­da­da, as in­te­ra­ções dos pos­tu­ras dos no­ve in­flu­en­ci­a­do­res caí­ram pa­ra 7 mi­lhões. —À me­di­da que o Bol­so­na­ro não po­le­mi­za, o gru­po per­de o fio con­du­tor da nar­ra­ti­va nas re­des e en­con­tra di­fi­cul­da­de em se man­ter co­e­so — afir­ma Pe­dro Bruz­zi, di­re­tor da Ar­qui­me­des. Fo­ram ana­li­sa­das as pu­bli­ca­ções fei­tas pe­los you­tu­bers Ber­nar­do Küs­ter, Al­lan dos San­tos, Pau­la Ma­ri­sa e Le­an­dro Rus­chel, pe­lo pro­cu­ra­dor Ail­ton Be­ne­di­to, pe­los per­fis @ta­o­quei1 e @isen­to­es1 e pe­los de­pu­ta­dos Car­la Zam­bel­li (PSL-SP) e Edu­ar­do

Bol­so­na­ro (PSL-SP). A Ar­qui­me­des tam­bém cons­ta­tou que as men­ções ge­rais ao no­me de Bol­so­na­ro caí­ram 27% no mês de ju­nho em re­la­ção a maio, de 28,7 mi­lhões pa­ra 20,4 mi­lhões. Sem as su­as fa­las pa­ra pau­tar o de­ba­te, Bol­so­na­ro viu os in­flu­en­ci­a­do­res de sua re­de se em­pe­nha­rem em co­bran­ças ao go­ver­no, mui­tos des­con­ten­tes com o tom mais ins­ti­tu­ci­o­nal ado­ta­do. O you­tu­ber ca­tó­li­co Ber­nar­do Küs­ter foi um dos mais crí­ti­cos. Co­brou o pre­si­den­te em ví­deo no mês pas­sa­do e dei­xou cla­ra sua con­tra­ri­e­da­de com a que­da de Abraham Wein­traub, que ti­nha afi­ni­da­de com os ola­vis­tas, do Mi­nis­té­rio da Edu­ca­ção. — Bol­so­na­ro, não adi­an­ta gri­tar “aca­bou por­ra” e não fa­zer na­da. Vo­cê san­gra e mos­tra fra­que­za pa­ra os ini­mi­gos. Um dos seus mi­nis­tros mais ali­nha­dos, que foi car­re­ga­do nos bra­ços do po­vo quan­do foi de­por na PF, es­te mi­nis­tro deixa o go­ver­no por­que não foi fei­to na­da. No co­me­ço de ju­nho, o pró­prio Ola­vo ha­via xin­ga­do Bol­so­na­ro em ví­deo. Na pos­ta­gem, ele ain­da ame­a­çou: — Con­ti­nue ina­ti­vo, con­ti­nue co­var­de, eu der­ru­bo es­sa mer­da des­se seu go­ver­no Pa­ra Bru­zi, po­rém, as pos­ta­gens po­dem ter co­bran­ças, mas es­tão lon­ge de in­di­ca­rem um ca­mi­nho de rup­tu­ra. — Não há ne­nhum si­nal de rom­pi­men­to.