O globo, n. 31744, 05/07/2020. Sociedade, p. 15
Síndrome pós-Covid-19: recuperados relatam dor e fadiga física profunda
Ana Lucia Azevedo
05/07/2020
Encontrados em outros países, sintomas podem se manifestar até em alguns pacientes com quadros leves, mas são transitórios
Brasileiros começam a descobrir que o coronavírus é capaz de transformar tarefas corriqueiras, como subir uma escada, em obstáculos intransponíveis, e caminhadas em maratonas.
São "recuperados" da pandemia, mas manifestam uma condição que alguns médicos chamam de síndrome pós Covid-19. Uma epidemia silenciosa de consequências, paralela à do próprio vírus e já relatada em outros países. Ela pode acometer não só aqueles que contraíram Covid-19 grave, mas quem teve quadros leves e moderados. Agora, parte dessas pessoas sente sintomas como fadiga física e mental profunda, dores, dificuldades para respirar, fraqueza muscular, dormência, dificuldade de concentração, alterações na pele, inchaços e dores. São sintomas inexplicáveis e, às vezes, incapacitantes. E constituem distúrbios que exames podem não mostrar, mas que não são "coisa da cabeça de hipocondríacos", explica o neurologista Gabriel de Freitas, pesquisador do Instituto D'Orde Pesquisae Ensino (IDOR) e da Universidade Federal Fluminense (UFF). Integrante de um grupo de pesquisa liderado pelo IDOR para investigar sequelas neurológicas da Covid-19 grave, ele tem visto chegarem também pacientes com um quadro semelhante ao da chamada síndrome da fadiga crônica. Esta é uma condição difusa e ainda mal compreendida, ques e sabe ser associada a distúrbios no sistema nervoso central. E pode acometer, por exemplo, pessoas que sofreram infecções virais, como a de Epstein-Barr, e também a da Sars, em 2003.
São "recuperados" da pandemia, mas manifestam uma condição que alguns médicos chamam de síndrome pós Covid-19. Uma epidemia silenciosa de consequências, paralela à do próprio vírus e já relatada em outros países. Ela pode acometer não só aqueles que contraíram Covid-19 grave, mas quem teve quadros leves e moderados. Agora, parte dessas pessoas sente sintomas como fadiga física e mental profunda, dores, dificuldades para respirar, fraqueza muscular, dormência, dificuldade de concentração, alterações na pele, inchaços e dores. São sintomas inexplicáveis e, às vezes, incapacitantes. E constituem distúrbios que exames podem não mostrar, mas que não são "coisa da cabeça de hipocondríacos", explica o neurologista Gabriel de Freitas, pesquisador do Instituto D'Orde Pesquisae Ensino (IDOR) e da Universidade Federal Fluminense (UFF). Integrante de um grupo de pesquisa liderado pelo IDOR para investigar sequelas neurológicas da Covid-19 grave, ele tem visto chegarem também pacientes com um quadro semelhante ao da chamada síndrome da fadiga crônica. Esta é uma condição difusa e ainda mal compreendida, ques e sabe ser associada a distúrbios no sistema nervoso central. E pode acometer, por exemplo, pessoas que sofreram infecções virais, como a de Epstein-Barr, e também a da Sars, em 2003.
— Tenho visto pacientes pós-Covid com fadiga crônica e dores neuropáticas. Não sabemos porque acontece, quais pacientes são mais vulneráveis e qual o percentual de pessoas que tiveram Covid-19 é mais suscetível. Ma sela existe e podese torna rum problema para muita gente —explica Freitas.
MULHERES JOVENS
Chamou a atenção do neurologista a procura por atendimento de mulheres jovens, de até 50 anos, que tiveram casos moderados e leves de Covid-19 e agora sofrem com os sintomas de fadiga crônica. Muitas se desesperam porque os sintomas não são mensuráveis por exames de sangue e imagem.
— Não são pacientes com histórico de depressão, tampouco hipocondríacas. É um problema real com alto impacto na qualidade de vida — frisa Freitas, cujo grupo de investigação de sequelas neurológicas da Covid-19 no IDOR planeja incluir a fadiga após três meses de doença. Depressão é algo que nunca houve na vida da arquiteta Márcia Amorim, de 45 anos. Ela costumava curar as dores do dia adia em caminhadas. Em janeiro, se preparava para subir uma montanha da Serra dos Órgãos. Mas veio o coronavírus, e Márcia ago rase desafia a subira escada do prédio onde mora, pois mal consegue se arrastar da porta do apartamento no Jardim Botânico até o elevador.
Após contrair uma forma "leve" de Covid-19 em maio, pouco mais que uma "gripezinha", ela submergiu numa fadiga que parece sem fim. Passa os dias afundada no sofá, extremamente cansada, com dores e, por vezes, falta de ar. Márcia já fez dois testes sorológicos, um PCR, mas sem rastro do Sars-CoV-2. Tampouco seus exames de sangue e imagem mostram alterações. Mas isso, literalmente, não afaz se sentir melhor. A pediatra Rosana Andrade Flintz, que trabalha na UTI infantil do Hospital Universitário Pedro Ernesto, sobreviveu à Covid-19 grave. Ela tem 47 anos, não tinha qualquer comorbidade, e ainda assim passou12 dias internada e mUTI e precisou ser intubada. Teve alta há um mês e voltou a trabalhar. Mas sua vida nem de longe regressou ao normal. Sente um cansaço muito grande. — Fazer uma caminhada cansa demais. Sinto dores pelo corpo, que incomodam até para dormir. Amassar uma banana se tornou uma dificuldade. Isso dá ideia do que sinto. Ouço outras pessoas que tiveram Covid-19 relatarem problemas parecidos —diz Rosana.
Um dos maiores especialistas do país em coronavírus, Eurico Arruda, professor titular de virologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, se preocupa com o avanço da pandemia no país e diz que casos de sequelas eram esperados.
— As pessoas não vão sair ilesas. Esse vírus mata os linfócitos T CD4 —frisa Arruda. Ele se refere às células que funcionam como maestros do sistema imunológico e também são atacadas pelo HIV. Ao passo que o causador da Aids provoca uma doença crônica, o Sars-CoV-2 leva a uma infecção aguda. Embora temporária, ela pode ser grave. São os linfócitos CD4 que organizam toda a resposta do organismo ao ataque do coronavírus. — Se você quer acabar com a orquestra, dá um tiro no maestro. É o que o SarsCoV-2 faz. A pessoa se recupera, mas levará um tempo.
TRANSTORNO AO COTIDIANO
Arruda acredita que a chamada síndrome da fadiga crônica, que pode acometer pessoas que tiveram infecções virais, será transitória. Porém, representa um transtorno, capaz de afetar os aspectos mais básicos da vida de uma pessoa — hábitos cotidianos, relações pessoais e trabalho.
— A Covid-19 tem um impacto perverso nas relações de trabalho. Muitas pessoas são negativas em testes porque eles ainda falham, tiveram o quadro clínico da doença, se recuperaram, mas agora sofrem suas sequelas e se desesperam para provar que estão sofrendo o que os exames não mostram. Estamos começando a ver também outros tipos de sequelas neurológicas, cardiológicas, renais. Só vamos colocar o dedo nessas feridas depois, estamos no início —alerta ele. A neurocientista Fernanda De Felice frisa que as sequelas neurológicas podem ser amplas e que há relatos de casos de falha de memória, delírios e dificuldades cognitivas. A cientista da UFRJ e da Universidade Queen's (Canadá) integra grupo de pesquisa que, junto com o IDOR, foi o primeiro a alertar, em abril, sobre o risco de sequelas neurológicas da Covid-19 na revista Trends in Neurosciences. Para alento dos que apresentam esses sintomas, Gabriel de Freitas diz que eles desaparecem em médio prazo e que existem tratamentos que podem ajudar a aliviá-los, como certos antivirais, antidepressivos e estimulantes.