O globo, n. 31744, 05/07/2020. Economia, p. 30
Novo ativismo de consumidores pressiona Facebook
Janaína Figueiredo
Glauce Cavalcanti
Leandro Prazeres
05/07/2020
Boicote de anunciantes reflete tentativa de preservar a imagem das marcas junto aos clientes. Para especialistas, movimento afetará outras redes sociais e é resultado de um novo consumo engajado, que cobra ética das empresas
O boicote publicitário crescente contra o Facebook é um movimento que veio para ficar e deve atingir com força outras mídias sociais, avaliam especialistas em consumo. Neste mês de julho, centenas de marcas suspenderam seus anúncios na rede social, após pressão da campanha "Stop Hate for Profit" (Pare o ódio pelo lucro, em tradução livre), que cobra do Facebook ações efetivas para evitar a disseminação de discursos de ódio e informações falsas na sua plataforma. A tendência é puxada pelo cada vez mais consolidado ativismo do consumidor, que começou pelo viés ambiental e se estendeu a questões como gênero, raça, desigualdade e outras. Na opinião de Carlos Pellon, do IAG, a Escola de Negócios da PUC-Rio, há cerca de cinco anos começou a crescer a cobrança sobre o posicionamento das marcas em relação a temas em discussão na sociedade e na política. Existe, frisa Pellon, uma preocupação muito grande sobre como as empresas se relacionam com o resto da sociedade:
—O que estamos vendo em relação ao Facebook não surpreende porque já vínhamos percebendo mudanças. O que chama a atenção agora é a força do movimento e a capacidade de continuar se expandido sem limites. Para ele, outras redes sociais, como o Instagram (que pertence ao Facebook), a popular Tik Tok e o Pinterest também podem ser afetadas. — Pode se instalar uma opinião de que quem não participa (do boicote) está a favor do discurso do ódio, ou da posição do Facebook. Pode começar a pegar mal. Antes, o elemento central considerado por uma marca para decidir onde anunciar era o nível de audiência de veículos de comunicação ou redes sociais. Isso mudou, aponta Fábio Gomes, sociólogo e diretor-presidente do Instituto Renoma, especializado em reputação de marcas. Para ele, a adesão das empresas ao boicote é uma bandeira comunicativa: —Não se trata somente de um pedido de que providências sejam tomadas, é uma bandeira. Se não houver uma guinada (por parte das redes sociais), isso pode virar uma tendência firme. Para Larissa Koruki, da ONG Akatu, que trabalha com temáticas de consumo consciente, esse movimento de pressão dos consumidores vem crescendo desde 2018: — Não é algo passageiro nem uma surpresa. Masa expec ta tivaé que esse tipo de ação aumente e se consolide como tendência firme. Hoje, a intenção de compra do consumidor aumenta se ele percebe que a marca, a empresa, trata bem as pessoas e pensa no bem-estar social. Uma lista de centenas de marcas, com gigantes globais como Unilever e Coca-Cola, aderiu ao movimento, suspendendo anúncios em redes sociais como Facebook. As grandes empresas respondem por fatia pequenada receita publicitária doFa cebo ok— estimas eque os cem maiores anunciantestenham peso de só 6% da arrecadação com anúncios. Masa saída deles representa um golpe de imagem na rede social, avaliam especialistas.
PESO DOS PEQUENOS
De outro lado, pequenos anunciantes, que respondem pela maior parte da receita publicitária do Facebook, dependem da plataforma para impulsionar suas vendas. Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, deve se reunir com ativistas na próxima semana. Mas, segundo relatos de Zuckerberg aseus funcionários nos últimos dias, obtidos pelo site The Information, especializado em informações sobre empresas de tecnologia, o executivo não estaria disposto a mudar as práticas da plataforma e não via impacto financeiro relevante no boicote. Uma das demandas das organizações à frente do boicote é que oF acebo okp asse a contar comum especialista em direitos civis no quadro de executivos que comandam a companhia, reportou oTheWall Street Journal ontem. O Sleeping Giants é uma das entidades que organizam a campanha "Stop Hate for Profit". O grupo ficou famoso nos últimos anos por denunciar sites de fake news e que disseminam discursos de ódio, cobrando dos anunciantes que retirem a publicidade dessas plataformas. O perfil no Brasil do Sleeping Giants afirma que o objetivo da campanha é cobrar das plataformas filtros para mitigar a presença e a monetização (o ganho financeiro) de conteúdos falsos e que disseminem o ódio, que podem afetar a democracia em vários países. Segundo o grupo, "a desinformação chegou ao ponto de ser levada como um negócio, as pessoas ganham muito dinheiro ao propagar conteúdo mentiroso ou preconceituoso nas redes" e, por isso, as plataformas precisam coibir essas práticas ."Liberdade de expressão não pode ser confundi dacoma disseminação de ódio ou mentiras", afirma o Sleeping Giants Brasil. A Associação Brasileira de Publicidade (Abap) afirmou, em nota, que "em um momento em que a sociedade repele fake news e canais que alimentam o ódio e o racismo, a Abap reafirma seu posicionamento de uma comunicação que respeite as garantias constitucionais de liberdade de expressão e de liberdade de imprensa". Em nota, o Facebook informou que revisa e atualiza regularmente suas políticas. E que investe em inteligência artificial para remover discurso de ódio de forma proativa. Também disse que seguirá em busca de novas ferramentas, tecnologias e políticas para seguir nessa direção.