Título: Muitas denúncias, poucas punições
Autor: Rodrigues, Gizella; Alves, Renato
Fonte: Correio Braziliense, 03/02/2013, Cidades, p. 23

O Conselho Regional de Medicina abriu, nos últimos três anos, 1.072 investigações contra médicos no Distrito Federal. Entre 2011 e 2012, apenas dois profissionais acabaram com o registro cassado por causa de falhas cometidas no trabalho

O Conselho Regional de Medicina (CRM) do Distrito Federal recebe praticamente uma denúncia por dia contra médicos que atendem em hospitais públicos e particulares da capital do país. No ano passado, a entidade abriu 330 sindicâncias para investigar queixas feitas contra esses profissionais — foram 1.072 feitas nos últimos três anos. As punições, porém, não seguem o mesmo ritmo das denúncias. Poucas resultam em Processo Ético Profissional e menos ainda acabam em punição. Nos últimos dois anos, apenas dois médicos tiveram o registro cassado.

Se condenado pelo CRM, além da pena máxima (a cassação), o médico está sujeito a receber uma advertência ou uma censura confidencial, a censura pública e a suspensão do exercício profissional por até 30 dias (leia ilustração). Mas a entidade nem sequer divulga a quantidade de especialistas que chegaram a ser punidos depois das investigações internas. Uma fonte ouvida pelo Correio disse que raros casos terminam em cassação. “A tendência do conselho, se não for um flagrante, é abrandar, infelizmente. Eu não me lembro de nenhum caso desses no ano passado”, contou.

Desde a última terça-feira, a reportagem pede para o CRM divulgar o número de denúncias recebidas e qual foi o andamento das investigações. Mas, depois de três dias do primeiro contato, a entidade, por meio da assessoria de imprensa, encaminhou uma nota na qual diz que “a finalidade desta autarquia é disciplinar o exercício médico, cabendo-lhe zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho ético do profissional”. Segundo o CRM, os 1.072 casos foram apurados, apesar de o conselho não informar o resultado das investigações.

Apenas nas últimas duas semanas, cinco casos de supostos erros médicos vieram à tona no DF. Em um deles, Rafaela Luiza Formiga de Morais, de 1 ano e sete meses, morreu após receber uma suposta superdosagem de adrenalina, no Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib), onde deu entrada em 20 de janeiro, com alergia e vermelhidão pelo corpo. Os demais casos revelados recentemente envolvem quatro pacientes mortos após operações feitas por Sérgio Puttini. O médico é acusado de cometer série de erros em procedimentos de vesícula, refluxo e esôfago de Barret em hospitais particulares de Taguatinga, entre 2000 e 2012.

Os casos mais novos são investigados pelo MP na esfera criminal. Em 2012, a Promotoria de Defesa dos Usuários dos Serviços de Saúde (Pró-Vida) recebeu 103 denúncias de erros cometidos por médicos, dentistas, enfermeiros e auxiliares. Dessas, 58 acabaram arquivadas; 45 estão em investigação; e nove profissionais respondem a processos na Justiça. Os dados, no entanto, não incluem as queixas feitas diretamente à polícia. Segundo Diaulas Ribeiro, em 2012, a Pró-Vida investigou pelo menos 300 casos de falhas. “Mas 70% do que chega aqui não é crime. Muitas vezes, a família tem certeza que é, mas apenas 30% dos processos são levados para a frente”, explica.

Doloso x culposo Quando vence o corporativismo e chega ao Judiciário, porém, o processo esbarra em um novo empecilho. Algumas vezes, o MP entende que o médico assumiu o risco de matar ou de lesionar o paciente (o dolo eventual) e o denuncia por crime doloso. Mas a tendência dos juízes é desclassificar o crime para culposo, que tem punição mais leve. Se condenado à pena máxima, o acusado pega de um ano e quatro meses a quatro anos de prisão, que acaba convertida em prestação de serviços. “É até natural que o Judiciário tenha uma visão mais branda do que o MP. O juiz não está ali para perseguir o réu. Ele é o contraponto”, diz Diaulas Ribeiro. “Mas também há muita falta de conhecimentos técnicos por parte do juiz”, ressalta.

Para os conselhos que representam os médicos, a falha sempre é um crime culposo, causado por negligência, imprudência ou imperícia. “Nenhum médico tem intenção de matar, a não ser que ele seja psicopata”, defende o corregedor do Conselho Federal de Medicina, José Vinagre.

Da decisão dos CRMs, tanto o paciente quanto o médico podem recorrer ao Conselho Federal de Medicina (CFM). Casos de cassação são analisados automaticamente pela entidade. Em 2012, ela recebeu recursos de 468 processos do Brasil e 508 sofreram análises. Desses, 48 acabaram extintos por causa de questões burocráticas e 460 foram, de fato, julgados. O CFM, no entanto, não informou o resultado desses julgamentos com a alegação de que a área técnica não conseguiu levantar os números.