Título: Vitória e traições
Autor: Lyra, Paulo de Tarso ; Almeida, Amanda
Fonte: Correio Braziliense, 05/02/2013, Política, p. 2/3
Henrique Eduardo Alves é eleito presidente da Câmara com o apoio de 54,5% dos colegas, mas votação fica abaixo do esperado pelos aliados
O acordo fechado entre PT e PMDB em 2011 para dividir a presidência da Câmara foi confirmado sem atropelos com a eleição de Henrique Eduardo Alves (RN). Em um plenário quase completo — quórum de 497 dos 513 deputados —, o peemedebista recebeu 271 votos contra 165 de Júlio Delgado (PSB-MG), 47 de Rose de Freitas (PMDB-ES) e 11 de Chico Alencar (PSol-RJ). Embora vitorioso em primeiro turno, e com discurso recheado de promessas aos próprios colegas, como o orçamento impositivo e a distribuição de relatorias, Henrique obteve apenas 22 votos a mais que o mínimo necessário para forçar uma segunda rodada de votações contra Delgado.
De acordo com integrantes do próprio partido, a votação de Henrique mostra um grau de traição muito grande. Com um apoio amplo da maioria dos partidos da Casa, a estimativa era de que o presidente eleito se aproximasse dos 350 votos, sobretudo diante do alto quórum de presentes.
Por outro lado, surpreendeu a votação de Júlio Delgado. Os 165 votos do socialista são um avanço entre as candidaturas dissidentes. Há dois anos, Sandro Mabel (PMDB-GO, na época no PR) recebeu 106 votos na disputa contra o petista Marco Maia (RS), que venceu a eleição. Integrantes do QG de Henrique não descartam que petistas, insatisfeitos com a hegemonia do PMDB nas duas Casas, tenham votado em Júlio Delgado.
Henrique Alves (PMDB-RN) ganhou, sobretudo, com o aval do Palácio do Planalto. A presidente Dilma Rousseff, em nome da governabilidade na segunda metade de seu mandato — e de olho na campanha pela reeleição em 2014 — concordou com a vitória do PMDB nas duas Casas do Congresso. O primeiro discurso do novo presidente da Câmara — a exemplo do que já fizera Renan Calheiros (PMDB-AL) na sexta no Senado — incluiu palavras de confronto com o Planalto.
O novo comandante da Câmara prometeu, por exemplo, criar uma comissão especial para estudar as propostas de criação de um orçamento impositivo — aquele que obriga que o governo federal execute os recursos aprovados pelo Congresso, incluindo as emendas parlamentares. “As pessoas não entendem a importância das emendas individuais. São elas que permitem que levemos recursos e obras para as pessoas mais pobres”, declarou.
Vetos Henrique também assegurou que a Câmara, em um trabalho conjunto com o Senado, não vai permitir que se acumulem mais os vetos presidenciais sem apreciação. “O ministro Luiz Fux (Supremo Tribunal Federal) acertou no conteúdo, mas errou na forma. Não é mais possível que deixemos de votar um Orçamento por causa de mais de 3 mil vetos sem apreciação ao longos dos últimos 12 anos”, declarou.
No discurso proferido já como presidente da Câmara, ele continuou com o mesmo tom. “É este parlamento que quer discutir o pacto federativo, decidir a questão do FPE (Fundo de Participação dos Estados), resolver a questão dos royalties, uma riqueza nacional, com justiça e equilíbrio”, resumiu Henrique.
Pouco depois, na saída do plenário, Henrique assegurou ao Correio que não busca uma pauta de enfrentamento com o governo. “Eu apenas expus uma pauta própria do Congresso. Pode ficar certo que farei tudo negociado com o governo da minha querida presidente Dilma”, minimizou ele.
Uma revista apócrifa, com um conjunto de denúncias contra Henrique, foi distribuída ontem pela manhã. Em seu discurso, o presidente eleito afirmou que “eram uma coisa menor, fogo amigo ou inimigo, labaredas insuficientes para chamuscar quem tem um alicerce sólido construído ao longo de 42 anos dentro desta Casa”.
O segundo colocado na eleição fez um discurso duro contra a tese da candidatura única na Casa, afirmando que este processo impede o debate de ideias. “Entramos para disputar contra um jogo de cartas marcadas”, afirmou Delgado. Ele causou desconforto entre os eleitores de Henrique ao, de maneira velada, tangenciar denúncias de corrupção no parlamento.
Rose de Freitas (PMDB-ES) também se queixou da “ditadura da candidatura única”, afirmando que ninguém a convidou para qualquer debate na bancada do seu partido. “Não fui chamada dentro do PMDB para participar de uma eleição, de uma escolha ou, pelo menos, telefonar e dizer: pretende ser candidata? Se pretende, se inscreva.”
“Avalizar o predomínio do PMDB, no Senado e na Câmara, é um perigo para a democracia brasileira”, disse Chico Alencar (PSol-RJ), sobre a vitória de Henrique na Câmara e de Renan Calheiros no Senado.