O globo, n. 31767, 28/07/2020. País, p. 8

 

Itamaraty pediu à Embaixada dos EUA visto para Weintraub

Leandro Prazeres

28/07/2020

 

 

Pedido usou dados de passaporte diplomático; investigado, ex-ministro disse precisar deixar o Brasil com urgência

 O Itamaraty pediu à Embaixada dos Estados Unidos um visto de entrada no país para Abraham Weintraub usando os dados do passaporte diplomático que ele havia recebido por ser ministro da Educação. Documentos disponibilizados via Lei de Acesso à Informação (LAI) mostram que Weintraub informou que queria deixar o país com a “brevidade possível”. Também por meio da LAI, o Ministério das Relações Exteriores disse que não há registro de devolução do passaporte do ex-ministro, o que reforça a suspeita de que ele utilizou o documento para entrar nos Estados Unidos, em junho.

A solicitação foi feita no mesmo dia (18 de junho) em que Weintraub anunciou a saída do cargo que lhe conferia o direito ao passaporte diplomático. Os documentos foram liberados pelo Itamaraty em resposta a dois pedidos de acesso à informação e estão disponíveis no repositório de pedidos da Controladoria-Geral da União (CGU). Não há informação, porém, se o visto foi concedido pelo governo norte-americano. Caso tenha sido aprovado, o processo entre a solicitação e a concessão da permissão de entrada durou pouco mais de 24 horas.

De acordo com as informações, Weintraub pediu a intervenção do Itamaraty para que conseguisse entrar nos Estados Unidos. No dia 18 de junho, segundo o órgão, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, foi informado por Weintraub sobre sua indicação, feita pelo Ministério da Economia, ao cargo de diretor executivo do Banco Mundial, em Washington.

A comunicação ocorreu, segundo o Itamaraty, no mesmo dia em que Weintraub anunciou sua saída do Ministério da Educação, em um vídeo publicado nas redes sociais, ao lado do presidente Jair Bolsonaro. Na gravação, Weintraub disse que, nos “próximos dias”, faria a transição do cargo para o futuro novo ministro, mas viajou no dia seguinte.

A Ernesto Araújo, o ex-ministro afirmou que gostaria de deixar o Brasil rapidamente. “O senhor Weintraub limitou-se a indicar a intenção de viajar a Washington com a brevidade possível”, diz a resposta enviada pelo Itamaraty.

Ainda no dia 18,o ministério enviou um pedido de visto para a Embaixada dos Estados Unidos no Brasil. O documento mostra que o tipo de passaporte informado no pedido do visto foi o “diplomático”.

O Itamaraty argumentou que a viagem de Weintraub era necessária para ele “assumir o cargo de diretor executivo do Banco Mundial em Washington”. Mais de um mês depois, porém, Weintraub ainda não assumiu a vaga. É preciso que a indicação feita pelo governo brasileiro seja votada por um grupo de nove países. Em resposta ao pedido feito via Lei de Acesso, o Itamaraty afirmou que a requisição é um “procedimento habitual em casos de designação de representantes do governo brasileiro junto a organismos internacionais”.

ALVO DE INVESTIGAÇÃO

Em um pedido de informação feitopeloGLOBO,oItamaraty disse que não há registros de que Weintraub tenha devolvido seu passaporte diplomático. A viagem de Weintraub aos Estados Unidos logo após o anúncio de sua saída do ministério e a possibilidade de ele ter usado o passaporte diplomático para deixar o país foram alvo de críticas de partidos de oposição e são objeto de um pedido de investigação feito pelo Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União.

Weintraub anunciou sua saída do ministério no dia 18, viajou aos Estados Unidos no dia 19, mas sua exoneração só foi publicada no Diário Oficial da União no dia 20. Após a repercussão negativa, o governo publicou uma nova portaria, desta vez, indicando que a sua exoneração teria validade desde o dia 19.

As suspeitas são de que ele usou o passaporte diplomático para driblar as restrições impostas pelo governo do presidente Donald Trump, que havia proibido a entrada de viajantes oriundos do Brasil por conta da epidemia do novo coronavírus. A determinação previa algumas exceções como diplomatas, funcionários governamentais e funcionários de organizações internacionais em visita temporária aos Estados Unidos para fins governamentais. Tecnicamente, porém, Weintraub ainda não era funcionário de organização internacional no momento em que entrou nos Estados Unidos.

Weintraub é alvo do inquérito das fake news, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). A situação à frente do ministério ficou insustentável depois da divulgação do vídeo da reunião ministerial em que ele chamou ministros da Corte de “vagabundos” e defendeu que fossem presos.

Procurados, Itamaraty e Embaixada dos Estados Unidos não se manifestaram.