Título: Violência e falta de vagas fecham lojas
Autor: Amorim, Diego ; Furquim, Gabriella
Fonte: Correio Braziliense, 05/02/2013, Cidades, p. 21

Diante da escalada do crack e da dificuldade que os clientes enfrentam para estacionar, vendas no comércio das entrequadras e da W3 perdem força. Na Asa Norte, 18,68% dos pontos estão desativados, enquanto na Sul o percentual é de 8,27%

Pelo projeto original de Brasília, as entrequadras deveriam servir como comércio de vizinhança para atender a população do Plano Piloto. Ali, os moradores encontrariam de tudo um pouco e teriam atendidas as necessidades básicas de consumo. Mas o rápido crescimento da capital fez muita coisa não sair como planejado. A dificuldade em estacionar, a insegurança e os preços dos imóveis têm expulsado clientes e empresários das comerciais das asas Sul e Norte.

Levantamento inédito da Associação Comercial do Distrito Federal (ACDF), obtido com exclusividade pelo Correio, comprova uma percepção que incomoda o setor produtivo e chama a atenção dos próprios frequentadores das entrequadras: o número considerável de lojas fechadas. Na Asa Norte, 18,68% dos 3.876 pontos estão desativados, incluindo estabelecimentos à venda, para alugar ou em reforma. Do lado sul, o percentual é de 8,27%, em um universo de 2.467.

Os dados serão usados pelos comerciantes para sustentar a necessidade de resgatar a força econômica desses espaços. "A situação é assustadora. As comerciais estão morrendo aos poucos", comenta o presidente da ACDF, Cleber Pires. De todas as 117 quadras — visitadas nos dois últimos meses do ano passado —, somente 11,96% têm todas as lojas ocupadas: 11 na Asa Sul e três na Asa Norte. Há ruas em que a inatividade alcança quase metade dos imóveis comerciais.

A falta de espaço para parar o carro e a violência, na avaliação da ACDF, justificam o atual cenário. "O valor do ponto é o menor dos problemas. Se houver movimento e cliente comprar, não existe aluguel caro", diz Pires. Ele defende mais policiamento nas ruas e a implantação de um sistema de cobrança de estacionamento para reverter a situação e aumentar o fluxo de consumidores. "Alguma coisa precisa ser feita", insiste.

Há 25 anos, Abel José Caetano, 41, trabalha em um quiosque na 116 Norte, onde 40 lojas estão desativadas. "Nunca foi tão vazio. Antigamente, tinham bares e restaurantes que funcionavam até tarde. Agora, depois que escurece não fica mais nada aberto. Todo mundo fecha com medo", conta ele, para quem o motivo da debandada é a violência. "Aqui virou quase uma cracolândia. Muitos usuários de drogas intimidam comerciantes e frequentadores", conta.

Quem pode pagar mais caro por um ponto em shoppings da cidade o faz em busca de segurança e, consequentemente, mais clientes. Gerente do bar ao lado do quiosque de Abel, Oseny Paiva, 33 anos, reforça a preocupação dos comerciantes. "Os moradores de rua importunam os consumidores, seguem eles até o carro. A gente tenta ajudar, ficar de olho. Mas isso afasta muitas pessoas. A sorte é que nosso café tem muitos frequentadores cativos que vêm aqui há anos", conta o funcionário do local há 11 anos.

Mesmo nas quadras mais movimentadas, lojistas percebem diminuição do movimento. "Caiu para muito menos da metade nos últimos anos. Antes, o estabelecimento sempre estava cheio. Hoje, aparece meia dúzia de pessoas durante o dia", compara Edelberto Neuhauss, 49 anos, vendedor de uma ótica na 305 Sul, onde apenas uma loja está para alugar. Regina de Fátima, 48, comerciante da mesma quadra, acredita que a rua só sobrevive porque se especializou nos segmentos de roupas e calçados.

Ruas temáticas

O fenômeno das ruas temáticas revelam o potencial das entrequadras e dão sobrevida a muitas delas. Na comercial da 302 Sul, por exemplo, conhecida como Rua das Farmácias, não há espaço livre. A quadra reúne 59 lojas, quase todas de medicamentos e produtos médicos e terapêuticos. "Aqui, todos os dias tem movimento. Mesmo sem vagas de estacionamento, vive cheio. As pessoas sabem que só encontram certas coisas aqui", percebe Aroldo Júnior, 31 anos, vendedor.

Em meio a tantas queixas, alguns representantes do comércio local não veem crise no número de estabelecimentos fechados. "Até nos shoppings, a rotatividade está bem grande. A retração é generalizada", defende o presidente do Sindicato do Comércio Varejista do DF (Sindivarejista-DF), Antônio Augusto de Moraes. O presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Distrito Federal (Fecomércio-DF), Adelmir Santana, pondera que o fim do ano, quando a pesquisa foi realizada, geralmente apresenta um movimento natural de abertura e fechamento de lojas.

Para saber mais

Diáspora lucrativa

Muitos comerciantes têm optado por instalar os estabelecimentos em centros comerciais de regiões administrativas como Taguatinga, Ceilândia, Sobradinho, Samambaia e Gama. O aumento da população e do poder de compra da chamada nova classe média nessas localidades criaram polos de consumo onde o custo operacional tem se aproximado cada vez mais do observado no Plano Piloto. E, ao contrário das entrequadras das asas Sul e Norte, as principais ruas de cidades do DF apresentam um movimento intenso de possíveis clientes durante o dia. Grandes redes de calçados e magazines, por exemplo, já perceberam o surgimento de nichos comerciais nos arredores da capital federal. (