Correio braziliense, n. 20905, 18/08/2020. Mundo, p. 12

 

Lukashenko emite sinais controversos

18/08/2020

 

 

O autocrata da Bielorrússia, Alexander Lukashenko, foi recebido com fortes vaias ao visitar a fábrica de tratores MZKT, na capital, Minsk. Aos gritos de “Fora!”, o presidente não escondeu a irritação ao fim do pronunciamento ante milhares de trabalhadores que cruzaram os braços. “Obrigado, já disse tudo o que queria dizer. Podem dizer ‘fora’”, declarou. “Nunca farei algo sob pressão. Até que me matem, não haverá eleições”, acrescentou, em tom desafiador.

De acordo com a agência de notícias Belta, Lukashenko admitiu, pouco depois, que estaria disposto a partilhar o poder e a mudar a Constituição. No entanto, avisou que não tomará essas decisões sob pressão dos manifestantes. Os movimentos paredistas ganharam intensidade, após funcionários de várias fábricas de Minsk aderirem à convocação de uma greve geral da oposição. Enquanto isso, a candidata opositora nas eleições, Svetlana Tikhanovskaya, divulgou vídeo a partir da Lituânia no qual se diz pronta a “assumir (suas) responsabilidades”.

Opositores de Lukashenko afirmaram ao Correio que não confiam em um recuo do líder em direção à democracia. “Lukashenko não se vê fora do poder. Ele é um autocrata que fala a autoridades e a subordinados a partir de uma posição de força. Trata-se de um político que desenvolveu essa maneiora de falar e de agir durante 26 anos na Presidência”, disse Ales Baliatski, fundador do Centro de Direitos Humanos Viasna, em Minsk. Para o ativista, o presidente bielorrusso está pronto para esconder os oponentes na prisão e se esqueceu de como dialogar com o cidadão comum. “Ele não desistirá do poder sob nenhuma condição.” Baliatski espera que os assessores de Lukashenko vislumbrem o mundo com “olhos mais realistas”. “O problema é que ao redor dele existe gente com sangue nas mãos. Isso é perigoso.”

Andrej Vitushka, médico e ativista da oposição em Minsk, disse que considera “altamente improvável” que Lukanshenko aceite a realização de novas eleições. “Isso seria ir contra a natureza dele”l explicou. “Lukashenko defende um referendo sobre a Constituição antes da transferência do poder. Não se trata de uma meta fácil, porque a Comissão Eleitoral Central é absolutamente controlada por ele. E ninguém sabe o que é a nova Constituição”, destacou. “A Bielorrússia somente encontrará paz e estabilidade após negociações entre autoridades em Bielorrússia, União Europeia, China e Lukashenko. Não temos pessoas armadas para vencer a batalha por meio da força. Também será preciso uma pressão constante das ruas, com greves e protestos.”

Na semana passada, a professora Yana Bobrovskaya, 27 anos, passou três dias em uma prisão, sem comida, sem papel higiênico e sem absorvente. A opositora foi detida durante protesto contra Lukashenko. Ela também põe em xeque qualquer movimento do autocrata em direção à democracia. “Ele não aceitará abandonar o cargo. O presidente tenta, por todos os meios, manter-se no poder. O povo não o apoia. Lukashenko está pronto para fazer promessas”, disse ao Correio. (RC)

Eu acho...

“Lukashenko está pronto a obedecer Vladimir Putin, a entregar a Bielorrússia às mãos do Império Russo, mas não a recuar. Mas a comitiva de Lukashenko está retrocedendo. As grandes fábricas estão em greve. Os operários têm apenas demandas políticas: a renúncia do presidente; a punição dos policiais criminosos, que espancaram e dispararam contra o povo; novas eleições justas.”

Ales Baliatiski, fundador do Centro de Direitos Humanos Viasna, sediado em Minsk

“Eleições justas e transparentes podem ocorrer, sim. Mas, depois da morte de Lukashenko ou após ele fugir do país. Um fascismo aberto começou em meu país. Garotas e homens são espancados, detidos sem razão. Os tribunais são uma falácia. Fui presa ilegalmente. Por três dias, eu e 19 pessoas fomos colocados numa cela para seis. Havia baratas e outros insetos ali. À noite, os prisioneiros homens eram retirados das celas e espancados. Eu perdi 5kg em três dias.”

Yana Bobrovskaya, professora de matemática presa durante protesto e torturada em Minsk