Correio braziliense, n. 20906, 19/08/2020. Economia, p. 6

 

MP deve prorrogar auxílio emergencial

Jorge Vasconcellos 

Marina Barbosa 

Luiz Calcagno

19/08/2020

 

 

O governo federal avalia editar uma medida provisória para prorrogar novamente o auxílio emergencial. A ideia é estender o benefício até dezembro, mas com um valor inferior aos atuais R$ 600. A proposta pode ser apresentada na próxima semana, visto que a quinta (e até agora a última) parcela do auxílio já começou a ser paga. Lideranças partidárias, porém, defendem mais uma parcela de R$ 600 e duas de R$ 300.

A possibilidade ganhou força nos últimos dias porque o benefício tem sido o principal vetor por trás do processo de retomada econômica e também da melhora da avaliação do presidente Jair Bolsonaro. Além disso, o governo ainda não finalizou o projeto do Renda Brasil, programa que deve substituir o Bolsa Família e amparar os brasileiros de baixa renda hoje contemplados com o auxílio emergencial.

Porém, o ministro da Economia, Paulo Guedes, vem afirmando que “não tem dinheiro para ficar em R$ 600”.  Segundo os cálculos da equipe econômica, cada mês de auxílio emergencial custa R$ 51,5 bilhões.

A ideia do governo é, portanto, baixar o valor do benefício para cerca de R$ 300. Um valor intermediário entre os R$ 600 que são pagos atualmente e os R$ 190 do Bolsa Família, bem como acima dos R$ 200 que eram defendidos por Paulo Guedes no início da pandemia. É um valor que, segundo a equipe econômica, deve garantir uma transição segura do auxílio emergencial para o Renda Brasil, que deve pagar cerca de R$ 250 aos brasileiros de baixa renda.

Para fazer essa redução, contudo, o governo precisa de autorização do Congresso. É que a lei que instituiu o auxílio emergencial só permite a prorrogação do auxílio por meio de decreto se o benefício for mantido em R$ 600, como aconteceu na primeira renovação, em junho.

O governo, portanto, deve apelar para uma medida provisória, já que as MPs têm vigência imediata e estão tramitando de forma acelerada no Congresso na pandemia. E a expectativa é que o assunto seja tratado com celeridade, já que a quinta parcela do auxílio começou a ser paga ontem.

Limites

Nos bastidores, Guedes não tem mostrado resistência à prorrogação, desde que o benefício se limite a este ano e não fique em R$ 600. Ele entende que o benefício tem sido importante para a economia e para a popularidade de Bolsonaro. Também acha que é melhor gastar nesse programa, que já se mostrou vantajoso, do que liberar recursos para obras públicas, que vêm sendo defendidas por ministros como Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional).

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), demonstrou preocupação com a implantação do Renda Brasil sem que se resolva a questão do teto de gastos. Segundo ele, o orçamento do programa virá de outros que terão de ser cancelados, e o governo precisa acelerar a articulação para decidir, com o parlamento, o que poderá ser suspenso.

“O parlamento tem responsabilidade. A gente sabe que a manutenção dos R$ 600 é muito difícil. A criação das condições para ter uma renda básica maior, atingindo pessoas acima do Bolsa Família, vai ter um custo extra dentro do teto de gastos. A coisa mais importante, no curto prazo, é a regulamentação dos gatilhos do teto”, disse Maia, durante coletiva de imprensa.

O líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), disse que a questão do auxílio emergencial é uma das principais preocupações do ministro Paulo Guedes. Na visão do parlamentar, uma prorrogação com valor reduzido poderia ser a solução.

“O governo sabe que não pode fazer uma interrupção abrupta do auxílio, pois ainda, estamos com a economia impactada pela pandemia. Obviamente existem sugestões, propostas que vão surgir, mas não há ainda uma posição de governo. É natural que aconteça a prorrogação; talvez uma prorrogação com redução pode ser uma solução, mas isso está ainda análise pelo governo”, disse o líder ao Correio.

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Beneficio vai a 100% da renda 

Israel Medeiros 

19/08/2020

 

 

O auxílio emergencial de R$ 600 representa quase a totalidade da renda entre a população mais pobre do país. É o que apontou um levantamento da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Ele revela que o benefício, aprovado em março deste ano, tem um peso maior para aqueles com menor renda. Isso significa que uma eventual redução ou interrupção causaria sérios impactos sociais. De acordo com dados atualizados ontem pela Caixa Econômica Federal (CEF), já foram pagos, nas cinco parcelas do auxílio emergencial, cerca de R$ 161 bilhões para 66,4 milhões de brasileiros.

Para Daniel Duque, pesquisador da área de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), responsável pelo estudo, mesmo que haja um aumento relevante no orçamento do Bolsa Família após o fim do auxílio, a diferença causará grandes perdas para as camadas mais vulneráveis da população, que dependerá mais da recuperação do mercado de trabalho.

O estudo dividiu a população brasileira em decis, com base na renda. “Entre os 21 milhões que representam os mais pobres, o auxílio corresponde quase à totalidade da renda. No segundo decil, representa cerca de dois terços; já no terceiro, é pouco maior que um terço”, revelou.

Segundo Duque, cerca de 80% dos 21 milhões mais pobres são contemplados pelo Bolsa Família. “Quando o auxílio acabar, eles vão voltar a receber apenas o Bolsa Família. Não vejo como aumentar o orçamento do Bolsa Família para o Renda Brasil. É triste, não será possível minimizar a perda da renda”, disse ele.

Atualmente, o Bolsa Família é concedido a famílias em situação de extrema pobreza. O valor pago no benefício básico é de R$ 89,00 mensais. O programa também possui benefício variável, levando em consideração a existência de menores de idade na família.

Para Carlos Alberto Ramos, do Departamento de Economia da UnB, o momento ideal para o fim do auxílio seria quando a economia voltasse a crescer para algo próximo do que era antes da crise. “Agora, há duas questões: retirar o benefício tem um custo político muito grande. O segundo ponto é que o auxílio já está sendo estudado como uma junção de outros benefícios em um pacote. Isso transformaria a logística dos benefícios.”

Para Ramos, a criação do Renda Brasil não terá grandes impactos. O ponto principal, segundo ele, diz respeito àqueles que foram “descobertos” pelo auxílio emergencial, que não recebiam nenhum outro tipo de benefício, mesmo sendo de baixa renda. “Trocar para o Renda Brasil é um nome de fantasia, é politicagem. Agora, o problema que está sendo debatido é reformatar os programas sociais. A pandemia mostrou que existem muitas pessoas que não estão em nenhum registro. Foi uma oportunidade para juntar tudo e fazer uma reformatação. Nessa discussão, algumas coisas são interessantes e outras são mais polêmicas.”

Para o economista, o auxílio emergencial foi eficiente, pois permitiu avanços em transferência de renda e assistência aos mais necessitados. “O auxílio foi muito eficiente. Em alguns países, há situações de caos político. No contexto brasileiro, a pandemia foi péssima em número de mortes. Por outro lado, há um conhecimento muito importante sobre transferência de renda. Esse know how foi utilizado para reduzir a crise econômica e social, permitiu diminuir os impactos.”