O globo, n. 31768, 29/07/2020. País, p. 8

 

Blindagem

Bruno Góes

André de Souza

29/07/2020

 

 

Divergências sobre foro privilegiado levam Congresso a acionar STF

 O Congresso recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF), pela segunda vez em uma semana, para assegurara prerrogativa de foro a parlamentares atingidos por operações policiais. Ontem, a Câmara pediu à Corte a anulação de decisões de busca e apreensão nos gabinetes dos deputados Paulinho da Força (SD-SP) e Rejane Dias (PTPI). Na semana passada, o Senado conseguiu, por meio de uma decisão do presidente do STF, Dias Toffoli, impedir a entrada da Polícia Federal (PF) em suas dependências para cumprir mandado judicial no gabinete do senador José Serra( PSD B- SP ). Mesmo com a decisão do STF que assegura o foro privilegiado apenas nos casos vinculados ao mandato, diferenças de entendimento sobre o alcance do que foi definido têm aberto brechas para manifestações judiciais distintas.

Paulinho da Força e Rejane Dias são investigados em inquéritos distintos. Os dois tiveram material apreendido em sala funcional nas dependências do Congresso. Na segunda-feira, a deputada, mulher do governador do Piauí, Wellington Dias (PT), foi alvo de operação que investiga esquema de desvio de verbas no período em que foi secretária de Educação no estado. Já Paulinho da Força teve diligências determinadas pela Justiça no início do mês na operação “Dark Side”, que apura crimes eleitorais apontados pela delação de executivos e acionistas do Grupo J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista.

Em duas reclamações diferentes, a Câmara argumentou que “qualquer medida cautelar em desfavor de congressistas em sede de jurisdição penal somente pode ser determinada pelo Supremo Tribunal Federal”. Como as ações foram baseadas em pedidos de juízes de instâncias inferiores, a Casa considera as medidas ilegais.

Ainda de acordo com as petições, todo o material apreendido deve ser remetido ao Supremo. Além das duas ações, a Câmara também protocolou um pedido em julgamento no STF de uma ação direta de inconstitucionalidade sobre o tema. O Legislativo reiterou o mesmo entendimento, ou seja, quer que “toda e qualquer medida cautelar” nas dependências da Congresso só seja “decretada pelo Supremo Tribunal Federal”.

No caso de Rejane Dias, a ministra Rosa Weber, do STF, entendeu que a decisão sobre a busca e apreensão deveria ser delegada ao juiz de primeira instância. Já no de Paulinho da Força, sequer houve consulta ao STF.

O outro ruído institucional ocorreu há uma semana, quando, a pedido do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), Dias Toffoli suspendeu o cumprimento de mandados no gabinete de Serra, em uma investigação que apura se houve caixa dois na campanha dele em 2014.

O Supremo já decidiu, em maio de 2018, que o foro privilegiado de parlamentares vale apenas para possíveis crimes associados ao mandato e enquanto o parlamentar estiver no cargo. Assim, juízes de primeira instância começaram a receber vários inquéritos e ações abertos para investigar parlamentares.

Mas há decisões divergentes do Judiciário sobre medidas de busca e apreensão envolvendo espaços funcionais. A Câmara, então, pediu ao STF que fixe um entendimento geral sobre esses casos.

DIVERGÊNCIAS EM SÉRIE

Nos pedidos feitos ao STF, a Câmara cita uma decisão tomada em 2017, quando a Corte determinou que o Judiciário pode decretar medidas cautelares contra parlamentares. A decisão, no entanto, estipula que as medidas devem ser encaminhadas para deliberação final da Câmara ou do Senado, caso impossibilitem o exercício do mandato. Na época, a regra do foro ainda não tinha mudado.

As medidas cautelares analisadas pelo STF em 2017 são as listadas no artigo 319 do Código de Processo Penal, como o monitoramento eletrônico, o recolhimento domiciliar, a suspensão do exercício da função, e a proibição de frequentar um determinado local ou de manter contato com outras pessoas. Não há menção amandados de busca e apreensão. Mas, em 2019, em um recurso para suspendera operação contra a deputada Professora Rosa Neide (PTMT), a Câmara argumentou que mesmo abusca e apreensão deve ter autorização do STF, por afetar o exercício do mandato — a determinação havia partido da primeira instância. O ministro Alexandre de Moraes, na ocasião, suspendeu o inquérito contra a parlamentar.

Em junho de 2019, a Corte anulou provas da Operação Métis, autorizada por um juiz federa leque tinha como alvos policiais legislativos do Senado. Eles não têm foro privilegiado, mas o STF destacou a existência de indícios de envolvimento de parlamentares. Nesse julgamento, porém, a maioria dos ministros externou o entendimento de que o STF não tema exclusividade para analisar pedidos de busca e apreensão no Parlamento.

OUTRAS OPERAÇÕES NO CONGRESSO

Policiais na porta do Senado

Em meio à tentativa da PF de cumprir mandado de busca e apreensão no gabinete do senador José Serra (PSDB-SP), expedido pela Justiça Eleitoral, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), intercedeu junto à corporação para debelar a ação. Em outra frente, os mandados foram suspensos pelo STF.

Desvios no Sertão da Paraíba

Em dezembro do ano passado, a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão no gabinete do deputado José Wilson Santiago (PTB-PB), na Câmara. A ação fez parte da Operação Pés de Barro, que investiga desvios de recursos para obras de uma adutora no sertão da Paraíba.

Fraudes no Ministério do Trabalho

Durante a Operação Registro Espúrio, agentes da PF cumpriram mandados de busca e apreensão em julho de 2018 no gabinete do ex-deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP). A investigação apurava suposta organização criminosa integrada por políticos e servidores que teriam cometido fraudes no Ministério do Trabalho.

Pai e filho foram alvos

A PF cumpriu em setembro passado mandados no gabinete do senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), então líder do governo. Na mesma ação, foram cumpridos mandados no gabinete de seu filho, deputado Fernando Coelho Filho (DEM-PE). A ação apurou desvio em obras do Ministério da Integração no governo Dilma.

Bunker familiar baiano

Num desdobramento da operação que apreendeu, em setembro de 2017, R$ 51 milhões em dinheiro num apartamento em Salvador, a PF cumpriu mandados no gabinete do então deputado Lúcio Vieira Lima (MDB-BA), irmão do ex-ministro Geddel Vieira Lima. O ex-ministro foi condenado por lavagem e associação criminosa.

Cumprimento de mandados em dois gabinetes

A PF deflagrou em dezembro de 2017 operação contra os deputados Carlos Henrique Gaguim (DEM-TO) e Dulce Miranda (MDBTO), mulher do então governador do Tocantins, Marcelo Miranda (MDB). Mandados judiciais foram cumpridos nos gabinetes. A operação investigou desvios de verbas de pavimentação.