Correio braziliense, n. 20907, 20/08/2020. Mundo, p. 10

 

Sob ataque, Trump tenta impedir voto a distância

Rodrigo Craveiro 

20/08/2020

 

 

Enquanto se mantém sob fogo cerrado disparado pelos adversários — o antecessor Barack Obama chegou a afirmar que Donald Trump jamais levou o cargo a sério —, o presidente republicano intensifica guerra ao voto postal. O magnata decidiu processar o estado de Nova Jersey, depois que o governador Phil Murphy (democrata) anunciou o envio de cédulas a todos os eleitores registrados. “Tive uma reunião produtiva com o chefe de Operações e Logística do Serviço Postal dos Estados Unidos (USPS) sobre o modelo de voto pelos correios. Fui bem claro que precisamos que os correios tenham uma grande vitória nesta eleição, e ele prometeu cooperação”, afirmou Murphy, por meio do Twitter. Também pela rede social, Trump provocou os eleitores: “Se vocês podem protestar pessoalmente, vocês podem votar presencialmente!”. E criticou os próprios colegas de partido do Congresso: “Por que os republicanos estão permitindo que os democratas realizem audiências ridículas sobre os correios no sábado e na segunda-feira, bem antes e durante nossa convenção?”.

No penúltimo dia da Convenção Nacional Democrata, em Milwaukee (Wisconsin), o ex-presidente Barack Obama enviou um alerta aos Estados Unidos de que “a nossa democracia está em risco”. “Eu me sentei no Salão Oval da Casa Branca com os dois homens que concorrem à Presidência. Nunca esperei que meu sucessor abraçaria minha visão ou continuaria minhas políticas. Eu esperava, pelo bem deste país, que Donald Trump pudesse mostrar algum interesse em levar o trabalho a sério; que pudesse sentir o peso do cargo e descobrisse alguma reverência pela democracia, que foi colocada sob seus cuidados”, declarou Obama, em mensagem de vídeo gravada a partir do Museu da Revolução Americana, na Filadélfia.

De acordo com Obama, Trump não evoluiu no trabalho “porque não consegue”. O ex-líder democrata enumerou as consequências do fracasso da gestão republicana na Casa Branca: 170 mil norte-americanos mortos pela covid-19 e milhões de empregos perdidos. “Nossos piores impulsos vieram à tona; nossa reputação de orgulho em todo o mundo diminuiu drasticamente; nossas instituições democráticas estão ameaçadas como nunca”, disse.

Recém-escolhida como vice de Biden, a senadora Kamala Harris apresentou sua visão para uma nação mais inclusiva, em que todos sejam bem-vindos e tenham oportunidades iguais e proteção sob a lei. Derrotada em 2016 por Trump, a ex-secretária de Estado Hillary Clinton discursou, ao vivo, na noite de ontem, e instou os eleitores a não repetirem os erros de quatro anos atrás. “Esta não pode ser outra eleição do ‘poderia, seria, deveria’”, declarou.

Estratégia

Especialistas apostam que Trump antevê a iminência de um revés nas urnas e, por isso, tenta usar o voto a distância como argumento sobre possível fraude. Richard Lau, cientista político da Universidade Rutgers (Nova Jersey), acredita que o presidente está “terrificado” ante a possibilidade de derrota em 3 de novembro. “Não ficou claro, para mim, qual partido terá mais danos, caso o voto postal seja desencorajado. Acho que uma motivação maior é o fato de que as ações do presidente, de desestimular o voto a distância, permitirão a ele legitimar o resultado das eleições, mesmo em caso de derrota”, afirmou ao Correio.

O também cientista político Ross Baker, colega de Lau na mesma universidade, explica que, sempre que encontra oposição, o presidente toma as mesmas iniciativas de quando era apenas o dono das Organizações Trump: ele convoca os advogados e instaura um processo. “A ideia é intimidar o adversário, forçando-o a gastar dinheiro com despesas judiciais. Tais processos geralmente não levam a lugar nenhum”, disse à reportagem, ao comentar sobre a ação contra o estado de Nova Jersey. Segundo Baker, Trump incutiu na mente que o voto postal favorece os democratas. “Não existe nenhuma prova de que isso seja verdade. No entanto, ele acredita nisso.”

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Ele queria trocar Porto Rico pela Groenlândia 

20/08/2020

 

 

O presidente Donald Trump queria vender Porto Rico ou trocar esse território dos Estados Unidos pela Groenlândia, que pertence à Dinamarca, pois considera o local sujo e pobre, segundo um ex-funcionário do alto escalão do governo norte-americano. Miles Taylor, que era chefe de gabinete do Departamento de Segurança Interna, disse que Trump expressou essas opiniões enquanto o governo realizava operações de apoio, após dois furacões devastarem a ilha caribenha, em 2017.

Em entrevista à emissora MSNBC, Taylor afirmou que, pouco antes de uma viagem de funcionários do governo em 2018, o presidente — que falava com frequência sobre a aquisição da Groenlândia — sugeriu seriamente que ele poderia negociar Porto Rico. “Ele (Trump) nos disse não só ele queria comprar a Groenlândia, ele realmente disse que queria ver se poderíamos vender Porto Rico, se poderíamos trocar Porto Rico pela Groenlândia, porque, em suas palavras, Porto Rico era sujo e o povo era pobre”, contou Taylor.

O ex-funcionário não acha que os comentários de Trump fossem brincadeira e expressou sua reprovação às declarações, feitas em um momento em que os moradores da ilha passavam por uma situação difícil. “Estes são americanos. Não falamos sobre nossos companheiros americanos dessa maneira”, acrescentou. “E o fato de que o presidente dos Estados Unidos quisesse tomar um território dos EUA dos americanos e trocá-lo por um país estrangeiro é mais do que revoltante.”

Trump expressa há muito tempo desdém pela ilha de 3  milhões de habitantes, muitos dos quais vivem no continente, em especial na Flórida e em Nova York. “O presidente expressou profunda animosidade em relação ao povo portorriquenho nos bastidores”, disse Taylor, que deixou o Departamento de Segurança em 2019 e esta semana divulgou seu apoio ao democrata Joe Biden. “Como seu presidente, ele deveria tê-los apoiado, não tentar vendê-los a um país estrangeiro”, reforçou.

Na terça-feira, o presidente americano desqualificou Taylor no Twitter, dizendo que ele é um “ex-funcionário descontente”. A campanha do candidato democrata à Casa Branca, Joe Biden, reagiu destacando que estas revelações confirmam o que muitos sabiam. “A política pública de Trump com relação a Porto Rico pode se resumir a uma falta de respeito pela vida humana, à inação diante da tragédia e, com frequência, racismo e discriminação aberta ao povo do Porto Rico”, informou a campanha, por meio de um comunicado.

No ano passado, Trump cancelou uma visita à Dinamarca depois que a primeira-ministra, Mette Frederiksen, recusou sua proposta de comprar a Groenlândia, classificando-a como “absurda”. Na época, não houve menção a Porto Rico como parte do acordo sugerido.