Correio braziliense, n. 20908, 21/08/2020. Mundo, p. 11

 

Adversário de Putin em coma

21/08/2020

 

 

Principal voz crítica a Vladimir Putin na Rússia, Alexei Navalny foi vítima, ontem, de um envenenamento, segundo denunciaram aliados. O líder da oposição passou mal num voo de Tomsk, na Sibéria, a Moscou. O piloto fez um pouso de emergência em Omsk. Navalny foi internado na UTI de um hospital, em coma. No fim da noite, após mobilização de apoiadores, um avião-ambulância decolou da Alemanha para tirar o ativista do território russo e levá-lo ao país.

O governo russo mostrou-se disposto a cooperar com o traslado do opositor para o exterior. Mais cedo, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, desejou uma “pronta recuperação” a Navalny. “Sabemos que está em estado grave. Como a qualquer outro cidadão russo, desejamos uma pronta recuperação”, declarou.

Em entrevista à rádio Echo Moscou, Kira Yarmysh, porta-voz do ativista, disse que ele foi vítima de um “envenenamento intencional”. “Acreditamos que Alexei foi envenenado com algo misturado em seu chá. Essa foi a única coisa que ele bebeu pela manhã”, destacou, no Twitter.

Kira Yarmysh viajava com Navalny e assegurou que ele parecia estar “totalmente bem” pela manhã, em Tomsk. “Logo após a decolagem, perdeu a consciência”, relatou. Uma testemunha postou nas redes sociais uma foto do opositor bebendo em um copo de plástico em um café do aeroporto. A rede de televisão Ren divulgou um vídeo mostrando o advogado sendo transferido em uma maca para uma ambulância.

“Os médicos estão fazendo tudo o que podem, estão realmente lutando para salvar sua vida”, informou Anatoli Kalinitshenko, vice-diretor do hospital de Omsk, onde o opositor foi mantido com um respirador. O médico Anatoli Kalinitshenko especificou que o quadro clínico de Navalny era “estável” e enfatizou que era cedo para confirmar se houve envenenamento.

Aliados, porém, tinham pressa para retirá-lo do território russo. Sob o comando da organização Cinema for Peace, foi montada uma operação para levar Navalny para a Alemanha, aos moldes da colocada em prática, em 2018, para Piotr Verzilov, ativista do grupo de protesto Pussy Riot, outra suposta vítima de envenenamento.

Diretor jurídico da fundação anticorrupção dirigida por Navalny, Vyasheslav Gimadi, pediu a abertura de uma investigação por tentativa de homicídio de pessoa pública. “Não há dúvida de que Navalny foi envenenado por sua posição e atividades políticas”, opinou.

Nos últimos dias, Navalny intensificou as viagens pela Rússia para pedir votos aos candidatos da oposição nas eleições regionais a serem realizadas em cerca de 30 regiões no próximo mês. “O partido no poder tem muito dinheiro, só podemos contar com a ajuda de pessoas boas e honestas”, assinalou, anteontem, numa postagem no Instagram.

Antecedentes

Essa não é a primeira vez que a equipe de Navalny denuncia ataques contra ele. Em 2017, o advogado, de 44 anos, sofreu queimaduras em um olho quando jogaram um líquido desinfetante em seu rosto.

Em julho de 2019, quando cumpria uma breve pena de prisão,ele alegou ter sido envenenado com um “material químico desconhecido” e foi transferido para um hospital.  Na época, as autoridades russas afirmaram que ele teve uma “reação alérgica” e que não haviam encontrado “nenhuma substância tóxica” em seu organismo.

Nas duas últimas décadas, cinco casos de envenenamentos, alguns não comprovados oficialmente, tiveram grande repercussão internacional. O mais rumoroso, que culminou em uma crise diplomática entre Londres e Moscou, ocorreu em 2018. O ex-agente russo Serguei Skripal e a filha Yulia foram encontrados inconscientes em Salisbury, no sul da Inglaterra. Passaram meses hospitalizados. O governo britânico acusou a Rússia de envolvimento no episódio. O Kremlin negou.

Outros (supostos) alvos

Nos últimos 16 anos, pelo menos QUATRo casos confirmados e suspeitos de envenenamento, atribuídos a Moscou, ganharam repercussão.

Serguei Skripal

Em 4 de março de 2018, o ex-agente duplo russo Serguei Skripal e a filha Yulia foram encontrados inconscientes em um centro comercial de Salisbury, sul da Inglaterra, e hospitalizados em estado grave. Londres acusou Moscou de estar por trás de um envenenamento com uso de Novichok, agente nervoso fabricado no período soviético. O Kremlin rejeitou a acusação, dando início a uma crise diplomática. Pai e filha receberam alta meses depois. Uma mulher, porém, morreu ao passar a substância pensando se tratar de perfume.

Piotr Verzilov

Ativista do grupo de protesto Pussy Riot, Piotr Verzilov foi internado em um hospital moscovita em 14 de setembro de 2018. Em estado grave, rapidamente foi transferido para Berlim. As análises médicas na Alemanha sugeriram que se tratava “muito provavelmente de um caso de envenenamento”. Também ativista do Pssy Riot, Nadejda Tolokonnikova, mulher de Verzilov na época, houve uma tentativa de assassinato.

Alexander Litvinenko

O ex-agente do serviço secreto russo Alexander Litvinenko, opositor ao Kremlin no exílio, morreu, em 2006, envenenado com polônio-210, substância radioativa extremamente tóxica. Quase uma década depois, uma investigação britânica responsabilizou dois russos que tomaram chá com Litvinenko em um hotel. Moscou negou envolvimento.

Viktor Yushchenko

Em 2004, o candidato de oposição ucraniano Viktor Yushchenko, herói da Revolução Laranja, ficou gravemente doente em plena campanha para a  eleição presidencial, em que derrotou Viktor Yanukovitch, favorito de Moscou.

Médicos austríacos identificaram um envenenamento por dioxinas três meses depois. Seu rosto ficou deformado, com várias marcas similares às da varíola.