Valor econômico, v. 21, n. 5068, 19/08/2020. Política, p. A16

 

Supremo começa a julgar ação que questiona dossiê sobre antifascistas

Luísa Martins

 Isadora Peron

Renan Truffi

 Vandson Lima

19/08/2020

 

 

Acesso de senadores aos documentos terá regras para garantir confidencialidade

O Supremo Tribunal Federal (STF) começa a julgar hoje a ação do partido Rede Sustentabilidade que questiona a produção, pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, de um dossiê sobre servidores ligados a movimentos antifascistas.

No fim da tarde de ontem, o ministro responsável pela pasta, André Mendonça, reuniu-se com a ministra Cármen Lúcia para apresentar-lhe “relatórios de inteligência” sobre o tema. Os documentos também seriam entregues aos demais integrantes da Corte, conforme determinação da própria relatora, depois que ele alegou sigilo e se negou a anexá-los aos autos.

No Senado, também ontem, ficou definido que os parlamentares da Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI) que quiserem acessar os relatórios terão de comparecer à Casa pessoalmente para assinarem termo de confidencialidade, já que o conteúdo é secreto.

O julgamento sobre o tema é o primeiro item da pauta de hoje no plenário do Supremo. Cármen pediu urgência na apreciação do processo.

No despacho em que intimou o governo a se manifestar em até 48 horas, a ministra afirma que, se confirmada, a denúncia “escancara comportamento incompatível com os mais basilares princípios democráticos do Estado de Direito” e põe em risco “a rigorosa e intransponível observância dos preceitos fundamentais da Constituição”.

A Corte foi acionada depois que reportagem do UOL revelou a existência de um documento elaborado pela Secretaria de Operações Integradas (Seopi) contra 579 servidores federais e estaduais que teriam participado de protestos contra o presidente Jair Bolsonaro, de quem Mendonça é um fiel escudeiro.

Inicialmente sem negar ou confirmar a existência dos dossiês, o ministro da Justiça instalou uma sindicância para apurar o caso, demitiu o então diretor de Inteligência da Seopi, Gilson Libório, e nomeou para seu lugar o delegado Thiago Ferreira.

Depois, em depoimento prestado ao Congresso Nacional, disse que atividade de inteligência não significa investigação criminal e que a Seopi não produz dossiês “contra nenhum cidadão”, nem instaura “procedimentos de cunho inquisitorial”.

Na ação, o Rede solicita ao STF a “imediata suspensão da produção e disseminação de conhecimentos e informações de inteligência estatal produzidos sobre integrantes do ‘movimento antifascismo’ e professores universitários”. Outra demanda é a instauração, pela Polícia Federal (PF), de um inquérito que apure se o ministro ou seus subordinados incorreram em crime. O partido acusa o governo de tentar “abafar” as denúncias, depois que elas vieram à tona.

Em uma espécie de prévia do julgamento, em uma sessão repleta de recados ao governo federal, o Supremo limitou o poder da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) de requerer dados e estabeleceu medidas de rastreamento dos agentes que tiverem acesso a essas informações.

O plenário analisou o decreto de Bolsonaro que havia afrouxado os mecanismos de controle dos pedidos da Abin. O governo fixava que os 42 órgãos do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin) - entre eles a Polícia Federal (PF) e a Receita Federal - compartilhariam os dados de forma automática, sempre que fossem solicitados.

Por 10 a 1, os ministros decidiram determinar algumas diretrizes, como a comprovação expressa d o interesse público, “afastada qualquer possibilidade desses dados atenderem a interesses pessoais ou privados”.

O ministro Edson Fachin chegou a citar o suposto dossiê em seu voto, comparando-o com o Serviço Nacional de Informação (SNI), que operou durante a ditadura: “A ausência de protocolos claros de proteção de dados, somada à possibilidade de construção de dossiês contra servidores de oposição, preocupa quanto à limitação constitucional do serviço de inteligência.”