Correio braziliense, n. 20909, 22/08/2020. Ciência & Saúde, p. 12

 

Danos graves ao coração

22/08/2020

 

 

Um dos efeitos mais graves da covid-19 é o dano aos pulmões, o que torna a respiração difícil ou impossível para os pacientes em estado crítico. No entanto, existem evidências crescentes de que a doença também afeta o coração. Agora, há sinais de que a sequela cardíaca pode persistir mesmo após a recuperação e, em alguns casos, ser duradoura. Em um estudo de revisão publicado no Journal of Molecular and Cellular Cardiology, cientistas americanos examinaram mais de 100 pesquisas que relacionam a covid-19 e os  possíveis efeitos no coração. De acordo com o trabalho, assim como as sequelas pulmonares, as cardíacas podem persistir e, inclusive, piorar o prognóstico do paciente.

“Os danos cardíacos não afetam todos os pacientes, mas um em cada cinco internados com covid-19 terá o problema. Quando há lesão cardíaca, as pessoas correm um risco maior de precisar de ventiladores e de morrer. Além dos efeitos agudos, ainda precisamos aprender mais sobre as implicações de longo prazo do vírus no coração, depois que os pacientes se recuperam da doença”, afirma Kirk U. Knowlton, pesquisador do Instituto de Saúde do Coração de Salt Lake City, nos Estados Unidos, e líder do estudo.

Na revisão publicada, a equipe encontrou vários relatos de miocardite ou inflamação do músculo cardíaco que pode danificar o coração e afetar a capacidade do órgão de bombear sangue. Segundo Knowlton, há evidências consideráveis de que a infecção por Sars-CoV-2 causa danos ao órgão dos pacientes internados por meio de vários mecanismos, incluindo miocardite. No entanto, pouco se sabe sobre os efeitos do vírus no coração de infectados que não requerem hospitalização ou naqueles que não desenvolvem doença pulmonar significativa.

Segundo o pesquisador, além de miocardite, as manifestações cardiovasculares da covid-19 incluem um distúrbio trombótico ou de coagulação que pode se manifestar como trombose venosa profunda, embolia pulmonar, acidente vascular cerebral (AVC) e doença arterial periférica. Além disso, a trombose de vasos pequenos e médios pode contribuir para a lesão do coração.

Outros casos

Knowlton aponta que a ligação entre doenças cardíacas e vírus transmissíveis não é nova. Autópsias de pacientes que morreram durante a pandemia de gripe de 1918 encontraram danos ao coração, e 50% dos pacientes que morreram de poliomielite entre 1942 e 1951 tiveram miocardite, diz. O mesmo foi verificado em pessoas infectadas com caxumba e sarampo.

Porém, o pesquisador diz que ainda não se conhece bem o papel que o sistema imunológico ativado por vírus desempenha nos danos ao coração. “Muitos pacientes com doença grave experimentam uma tempestade de citocinas, em que o sistema imunológico entra em atividade, ataca as próprias células, causando falência de múltiplos órgãos”, afirma. “Esses ataques são uma das maneiras pelas quais acreditamos que o vírus pode causar danos ao coração e miocardite, embora a ligação não seja totalmente clara”.

Tratar a covid-19, diz Knowlton, “é encontrar um equilíbrio entre permitir que o sistema imunológico lute contra o vírus, mas não tanto a ponto de machucar o coração”. O pesquisador acredita que os tratamentos que desativam o Sars-CoV-2 o impediriam de se replicar pelo corpo, evitando resposta imunológica tão severa. “Precisamos de uma compreensão mais completa dos efeitos do vírus no coração em uma população mais ampla de infectados, não apenas nos hospitalizados”, acredita.