Correio braziliense, n. 20909, 22/08/2020. Cidades, p. 19

 

A solidariedade que nos move

Cibele Moreira 

22/08/2020

 

 

Separar um momento para ouvir e conversar com algum idoso que se sente solitário, ajudar pessoas em situação de vulnerabilidade ou prestar assistência profissional e social a quem precisa de amparo sem esperar nada em troca. A rede de solidariedade tem se fortalecido no Distrito Federal. De janeiro até agosto, o Portal do Voluntariado recebeu 3 mil novos cadastros em diversas ações, e a plataforma, atualmente, conta com mais de 26 mil inscritos. São pessoas que querem colocar em prática, por exemplo, o que aprenderam durante a faculdade e tem aqueles que se sentem realizados em fazer o bem. Por trás de cada gesto há uma história para contar e, no mês em que se comemora o Dia Nacional do Voluntariado, celebrado em 28 de agosto, o Correio traz relatos de brasilienses que encontraram na ação solidária um novo sentido de vida.

Com uma trajetória de 35 anos como voluntário no Lar dos Velhinhos Maria Madalena — localizado no Park Way —, o aposentado Nelson Sanchez Ventura, de 60 anos, carrega um baú de recordações vivenciadas na instituição. “São muitas histórias, algumas tristes outras engraçadas. Mas, que fazem a gente valorizar mais a nossa vida”, expõe ele, que encontrou no ato de ajudar o próximo um apoio para enfrentar situações difíceis, como a morte do irmão e a perda do emprego. “Foi um remédio para meus problemas perceber que existem pessoas enfrentando algo muito pior”, pontua.

Entre os casos que ele relembra com carinho, está a história de uma senhora que tinha uma carreira com alto poder aquisitivo e que foi acolhida pela instituição. “Ela era brava, brigava com os funcionários e não queria mais tomar banho nem sair do quarto. Todo o sábado eu passava no quarto dela, perguntava se ela estava bem, se queria um chá. E ela sempre recusava. Até que um dia, falei que um amigo dela tinha pedido para ir lá e ela cedeu um pouco. Começou a aceitar o chá e a conversar. Mas, esse processo durou meses. Então, ela me contou que se sentia culpada por uma tragédia que aconteceu na família. E eu falei que não era culpa dela, que não precisava se sentir daquela forma. Pouco tempo depois, a senhora faleceu. Ela só precisava tirar esse peso para descansar em paz”, relata Nelson.

De acordo com ele, a maioria dos idosos que são acolhidos pela instituição sofre com a carência de afeto. “Muitos ali não recebem visitas. A família os abandona e nunca mais retorna. Teve uma senhora que chegou a ligar para o filho, pedindo para buscá-la. Ela se arrumou toda e ninguém apareceu. É muito triste isso”, conta. Segundo o aposentado, as visitas dos voluntários equilibram um pouco essa situação. Com esse período de pandemia, as visitações tiveram que ser suspensas para resguardar a saúde dos atendidos. Para suprir essa demanda, e não deixá-los desassistidos, os voluntários fazem as visitas on-line. “Todo domingo participamos de uma videochamada com eles, com músicas, interação e oração. Tínhamos esses momentos pessoalmente, mas não podemos fazer dessa forma agora. E eles sentem falta, estamos tentando minimizar um pouco isso”, pontua Nelson.

Sem poder dar continuidade aos trabalhos sociais pessoalmente, dentro da instituição, e ainda parte do grupo de risco do novo coronavírus, o aposentado encontrou uma outra alternativa para ajudar mais pessoas durante a pandemia. “Eu e minha esposa estamos fazendo sopa para distribuir aos moradores em situação de rua. A gente não sai, meus filhos que distribuem as sopas. Alguns amigos começaram a doar agasalhos, cobertores também. E se criou uma corrente do bem”, explica.

Para ele, a principal mensagem sobre o ato de ser voluntário é “fazer ao próximo o que gostaria de fizessem com você”. E com esse pensamento, ele tem repassado o valor da solidariedade para as pessoas que o rodeia. “Tem muita gente querendo ajudar, mas as pessoas ficam com receio. Mas, é algo tão bom, no entanto, que exige disciplina também”, conta o morador da Asa Sul.

Doações

Moradora de Águas Claras, a empresária Haylla Junqueira, 30, começou a promover campanhas sociais há cinco anos. Ela contou que fazia parte de associação e participava dos trabalhos voluntários. No entanto, parte dos integrantes do grupo solidário saiu do DF e foi morar em outros estados e o projeto acabou. Ensinada a ajudar o próximo desde cedo, ela decidiu começar um novo. Com o apoio dos amigos, realiza ações o ano inteiro. “No início da pandemia, fizemos a campanha das máscaras. Em junho e julho foi a do agasalho. Agora, estamos fazendo doação de alimento. Eu sempre faço alguma ação social e mando para meus amigos. Quem tem interesse participa”, diz.

A arrecadação de agasalho ocorre o ano inteiro. A entrega, porém, é nos meses mais frios. Haylla tenta reunir o máximo de amigos para ter vários pontos de coleta distribuídos pelo DF. Com a pandemia, o grupo higieniza as roupas e depois leva para as pessoas em situação de vulnerabilidade. “O frio e a chuva são mais dolorosos. Quando acaba a campanha, eu ando com agasalhos no carro e distribuo por onde passo. O que a gente faz pelo próximo, o universo devolve. É muito bom poder contribuir com aqueles que precisam. Dá um sentimento de missão cumprida”, garante.

Para a artesã Tatiana de Fátima Alves, 40, a prática de voluntariado se enraizou quando ela morou fora do país. “Era comum no colégio onde eu estudava, aos finais de semana, a gente ajudar a comunidade local. Isso ficou marcado e até hoje, quando posso, busco fazer algo pelo outro”, relata. Com a pandemia, a moradora de Ceilândia resolveu produzir máscara de tecido para a população carente. No entanto, a produção precisou ser suspensa com o diagnóstico de câncer da mãe. “Eu me dediquei a cuidar dela, no processo ainda pegamos covid-19 no hospital e, atualmente, estamos em casa. Como ela ainda está acamada, parei a confecção das máscaras”, conta.Tatiana foi uma das indicadas para trabalhar como voluntária no hotel onde idosos, em situação de vulnerabilidade, estão hospedados. Mas, pela situação familiar, optou por não seguir com o projeto. “Assim que for possível, quero voltar com alguma atividade de voluntariado. É algo que gosto de fazer e que faz tanta diferença. Tento passar isso para a minha filha. Tem pessoas que necessitam da nossa ajuda, e não precisa de muito. Apenas boa vontade”, comenta.

Ela conta, também, que trabalhou como voluntária em três escolas públicas em Ceilândia. Uma com ensino infantil, auxiliando crianças com deficiência com trabalhos lúdicos. E nas outras duas, foram com alunos do ensino fundamental e médio, com aulas de reforço. “A experiência foi fantástica. Eu aprendi demais com eles”, afirma.

Com o objetivo de ajudar outras mulheres, a advogada Larissa Xavier oferece apoio jurídico para casos de violência doméstica. No fim do ano passado, ela participou de uma iniciativa social em Ceilândia, ao lado da Secretaria de Justiça e Cidadania. “Foi um dia inteiro que passamos lá. Muitas mulheres tiraram dúvida sobre pensão, divórcio e também sobre a violência doméstica”, conta. Além da ação, Larissa também atua em defesa de outras mulheres que não têm como pagar as custas advocatícias. Para ela, o trabalho voluntário é algo gratificante. “Todo mundo deveria ser voluntário, na sua área de atuação. Tem muita gente que precisa. E digo uma coisa, vale a pena”, ressalta.

O portal

No Portal do Voluntariado, cerca de 26.955 voluntários estão inscritos para participar de diversas ações e projetos. A plataforma coordenada pela Secretaria de Justiça e Cidadania faz o elo entre quem quer ajudar e quem precisa de ajuda, conectando os participantes com as iniciativas sociais. Com a pandemia, o perfil de auxílio às entidades mudou um pouco. As campanhas de doações de alimento e material de limpeza ganharam destaque.

De acordo com a pasta, o voluntariado no DF tem causado impactos positivos na manutenção das ações de assistência às pessoas em situação de vulnerabilidade. Além de possibilitar o primeiro contato na experiência profissional de um estudante. “Sabemos das dificuldades para conseguir o primeiro emprego, então o programa Voluntariado em Ação, da Sejus, surge como uma oportunidade de experiência profissional. Assim, o voluntário qualifica-se, adquire horas complementares para cursos e aperfeiçoa o currículo, o que ajuda a abrir portas para o mercado de trabalho, no Distrito Federal”, destaca a secretária de Justiça e Cidadania, Marcela Passamani.

Pela Secretaria de Saúde, até 1º de maio, foram contabilizados 421 voluntários na rede pública de saúde. A maioria é de enfermeiros que atuam dando assistência aos pacientes nos hospitais e unidades básicas de saúde (UBSs). A unidade que conta com mais voluntários é o Hospital Regional de Taguatinga, somando 119 pessoas.

421 Número de voluntários na rede pública de saúde

Frases

“Era comum no colégio onde eu estudava, aos finais de semana, a gente ajudar a comunidade local. Isso ficou marcado e até hoje, quando posso, busco fazer algo pelo outro”

Tatiana de Fátima Alves, artesã

“Todo mundo deveria ser voluntário, na sua área de atuação. Tem muita gente que precisa. E digo uma coisa, vale a pena”

Larissa Xavier, advogada