Valor econômico, v. 21, n. 5069, 20/08/2020. Brasil, p. A4

 

Setores de educação e saúde se unem para barrar proposta de reforma tributária

Beth Koike

20/08/2020

 

 

Representantes dos setores argumentam que elevação de tributos no setor privado levará migração para o SUS e para escolas públicas

Os setores privados de educação e saúde se juntaram para tentar barrar o projeto de reforma tributária proposto pelo governo federal Ambos os setores pagam hoje 3,65% de PIS e Cofins e, com a mudança, teriam que desembolsar 12% da receita em Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), o novo imposto do governo.

Caso a ideia vá adiante, a carga tributária efetiva das escolas e faculdades dobraria de 7% para 14%. Já no setor de saúde, o aumento seria de 9,3% para 21,20%, segundo dados levantados pela Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup) e CNSaúde.

Entre as várias alegações apresentadas pelas entidades, uma delas é que a elevação da carga tributária em saúde e educação ampliará os custos e, consequentemente, ocorrerá uma migração para o Sistema Único de Saúde (SUS) e para escolas públicas.

A projeção das entidades é que as mensalidades das escolas e faculdades aumentem até 17% e os planos de saúde, 15% - além do reajuste aplicado anualmente como repasse da inflação médica. Na visão dos representantes dos setores, seria um tiro no pé, uma vez que não são consumos que podem ser adiados. A legislação brasileira obriga que todas as crianças a partir de seis anos estejam na escola e o sistema de saúde no país é aberto a todos.

“O governo argumenta que podemos repassar os impostos para as mensalidades, mas não há mais espaço para isso”, disse Elizabeth Guedes, presidente Anup. “Os nossos setores são de mão de obra, não podemos importar professores e técnicos de saúde da China como faz a indústria com seus insumos”, complementou Fábio Cunha, diretor da associação das empresas de medicina diagnóstica (Abramed) e da Dasa, maior rede do segmento.

Na proposta da reforma tributária, as empresas poderão ter um crédito fiscal ao adquirirem material e insumos, o que tende a beneficiar a indústria, mas não as empresas de prestação de serviços. Em 85% dos países que adotam o IVA (Imposto sobre Valor Agregado), os setores de educação e saúde têm tratamento diferenciado. Nos países da OCDE, esse percentual sobe para 90%.

Elizabeth e Cunha questionam ainda que outros segmentos como operadoras de planos de saúde, bancos, instituições financeiras e parte do comércio terão alíquotas diferenciadas. “O governo [federal] está irredutível. O Congresso e Bernard Appy já entenderam que nossos setores são distintos”, disse a presidente da Anup, que é irmã de Paulo Guedes, ministro da Economia. Appy é um dos autores da proposta que unifica cinco tributos (os federais PIS, Cofins e IPI, além do estadual ICMS e do municipal ISS), em que se baseia a PEC 45, em tramitação na Câmara.

Questionada se Guedes não teria se sensibilizado com suas argumentações, uma vez que já atuou na área de educação, Elizabeth disse que o ministro foi fundador do Ibmec nos anos 1980, depois migrou para o mercado financeiro e que não entende de Prouni, programa que concede isenção fiscal às faculdades que concedem bolsas de estudos a alunos carentes.

O Prouni é um dos principais pleitos do setor. Hoje, o PIS e Cofins representam 44% do abatimento que as instituições de ensino têm ao conceder as bolsas. Com o fim desses dois impostos, não haveria vantagens às faculdades, que aos poucos tendem a deixar o programa que hoje atende cerca de 575 mil alunos.

“Um dos argumentos do governo é que escola privada é para ricos, mas não é verdade. Os mais pobres estudam em instituições particulares”, disse Rodrigo Capelato, diretor-executivo do Semesp, sindicato do setor. Ele estima que a mensalidade das faculdades terá um acréscimo de cerca de 10% e cerca de 160 mil alunos podem abandonar a faculdade no primeiro ano de reajuste. Nas projeções de Elizabeth, o aumento de preços deve reduzir a demanda em 8,3%, o que representa 405 mil matrículas no ensino superior.

Ela diz ainda que o setor privado de educação investe por ano R$ 225 bilhões e que parte desse gasto terá que ser absorvida pelo Estado se houver a mudança fiscal. “As nossas dores são as mesmas, parecidas. Estimo uma redução de 1 milhão de usuários de planos de saúde que vão migrar para o SUS”, disse o representante do setor de saúde.