Valor econômico, v. 21, n. 5069, 20/08/2020. Brasil, p. A12

 

Com aplicativo, Renda Brasil será plataforma de programas sociais

Fabio Murakawa

Matheus Schuch

20/08/2020

 

 

Ideia é que inicativa seja marca do governo Bolsonaro e se sobreponha ao Bolsa Família, mostrando ainda oferta de cursos e vagas

Por Fabio Murakawa e Matheus Schuch

O governo acelera a criação do Renda Brasil e planeja lançar um aplicativo para abrigar o programa, que o presidente Jair Bolsonaro quer transformar em uma marca social de sua gestão. Segundo fontes ouvidas pelo Valor, o que se pretende não é eliminar o Bolsa Família, mas fazer com que o Renda Brasil se sobreponha ao programa lançado em 2004 pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, engolindo-o e tornando-se algo maior.

Inicialmente, o Renda Brasil está sendo desenhado para ser uma plataforma reunindo vários programas assistenciais do governo. Isso inclui desde os programas de transferência de renda, como o Bolsa Família e o seguro defeso - e o auxílio emergencial, caso ele seja prorrogado -, até aqueles voltados à capacitação e ao emprego.

A ideia do aplicativo decorre da boa experiência com o auxílio emergencial, cujos recursos foram distribuídos por esse meio, aliviando a situação financeira de famílias vulneráveis atingidas pela crise do coronavírus.

Pela descrição feita ao Valor por técnicos do governo, o usuário fará um cadastro a partir do qual ele conseguirá se conectar com todas as oportunidades de políticas públicas oferecidas pelo governo.

Em uma das telas, o cidadão verá, “como se fosse uma conta corrente”, o valor recebido por ele em determinado período, com o extrato discriminado por benefício.

Em outras abas, haverá indicações de cursos em instituições públicas e oportunidades de trabalho, sempre voltadas para o público vulnerável - alvo tanto do Bolsa Família como do auxílio emergencial.

Em reuniões, o ministro Onyx Lorenzoni (Cidadania) tem demonstrado a preocupação de diferenciar o Renda Brasil do Bolsa Família, para que não pareça que houve simples troca de nome.

O programa está sendo acelerado para ser lançado em setembro ou outubro, evitando deixar um intervalo com o fim previsto do auxílio emergencial. E vem sendo amadurecido em conversas entre Onyx e o ministro da Economia, Paulo Guedes.

Avesso ao aumento dos gastos públicos, Guedes tem alegado a Bolsonaro que a alta da popularidade do presidente se deve mais ao auxílio emergencial do que a grandes obras e inaugurações - uma maneira de se contrapor à posição defendida por ministros como Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) e Tarcísio Freitas (Infraestrutura).

Se houver um volume de recursos maior em relação ao Bolsa Família, algo que ainda está em estudos, o montante será pequeno se comparado às dezenas de bilhões de reais demandadas pela ala mais “desenvolvimentista” do governo para construir estradas e fazer obras de saneamento.

Onyx quer ampliar a renda mensal de famílias de baixa renda. Hoje, aproximadamente 14,2 milhões de famílias recebem, em média, R$ 191,86. O novo cálculo não está fechado, mas uma das últimas propostas em análise previa aumento em torno de 20% no valor.

A Caixa deve participar da operação, mas não com tanto destaque quanto no auxílio emergencial. O protagonismo do presidente do banco ao longo do benefício, Pedro Guimarães, incomodou tanto Guedes quanto Onyx, segundo relatos.

Onyx pretende, além disso, também tornar mais rígidos os critérios de permanência no auxílio emergencial. Para isso, o programa poderá incluir “gatilhos de incentivo ao desenvolvimento das famílias”.  Alunos que apresentarem bom desempenho escolar, por exemplo, poderão garantir benefício maior aos familiares.

Outro item em gestação na Cidadania é a ligação do benefício assistencial a medidas de estímulo à entrada de jovens no mercado de trabalho, com acesso ao primeiro emprego. Dessa forma, a expectativa é diminuir progressivamente a dependência da ajuda governamental.

O governo chegou a estudar uma premiação a prefeituras que, após a implementação do Renda Brasil, adotassem medidas para reduzir o número de beneficiários no programa, mas as últimas discussões já excluíram essa previsão, por ajustes de Orçamento.

O Renda Brasil começou a ser construído no início do governo, pelo então ministro Osmar Terra. Quando estava quase pronto para lançamento, esbarrou na resistência do ministro da Economia, Paulo Guedes, em ampliar gastos na área social. Na época, nem sequer havia recursos para zerar a fila do Bolsa Família.

O cenário mudou radicalmente com a pandemia da covid-19 e o auxílio emergencial, que estendeu ajuda do governo a uma grande fatia da população. Isso foi responsável, segundo avaliação interna, por aumentar os índices de popularidade de Jair Bolsonaro.

A partir daí, Guedes admitiu a necessidade de garantir recursos para o programa, como forma de dar continuidade na assistência a parte da população beneficiada pelo auxílio da pandemia.

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Técnicos se apressam para lançar Pró-Brasil na semana que vem

Fabio Graner e Fabio Murakawa

20/08/2020

 

 

Embora esse prazo ainda possa ser adiado, a ideia que está mobilizando várias pastas é concluir nos próximos dias a formulação das carteiras de projetos

O governo corre para tentar lançar o Pró-Brasil na semana que vem. Embora esse prazo ainda possa ser adiado, caso algumas medidas não fiquem prontas, a ideia que está mobilizando técnicos de várias pastas é concluir nos próximos dias a formulação das carteiras de projetos e alguns textos legais a serem apresentados nos diferentes “eixos” que irão compor o programa.

O Pró-Brasil deve ser na prática um grande guarda-chuva de ações e sua apresentação seria uma espécie de relançamento do governo, após o foco dos últimos meses ter sido todo direcionado para medidas de combate ao coronavírus e seus efeitos econômicos e sociais. Até o Renda Brasil e a carteira verde-amarela (com o conceito de Imposto de Renda negativo) devem fazer parte dele, embora não se saiba em que estágio eles estarão quando a estratégia for lançada.

Os encontros da área técnica têm se intensificado e uma nova reunião para tratar do Pró-Brasil estava em andamento ao longo da tarde e início da noite desta quarta no Palácio do Planalto, para se chegar a uma percepção mais clara sobre a viabilidade de se lançar o programa já na semana que vem. A Casa Civil, comandada pelo ministro Braga Netto, tem feito a articulação com as diferentes áreas.

A ideia é que, após esse encontro, o projeto seja submetido ao presidente Jair Bolsonaro para aprovação final. A possibilidade de ele pedir novos ajustes está no radar dos técnicos.

O novo programa de governo nasceu como ideia em abril. E foi o vetor de uma forte crise interna na equipe ministerial de Jair Bolsonaro, opondo o ministro da Economia, Paulo Guedes, aos seus colegas Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) e Braga Netto e, em menor grau e mais rapidamente pacificado, Tarcísio de Freitas (Infraestrutura). O motivo da discórdia era como tratar os projetos de investimentos, dadas as restrições impostos pelo teto de gastos. Marinho, principalmente, queria driblar esses limites.

A discussão teve idas e vindas, gerou especulações sobre a possibilidade de saída de Guedes, mas o titular da Economia acabou, pelo menos por enquanto, ganhando a queda de braço e evitando um plano de investimentos que, para ele, repetiria o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) da era petista. As obras serão as que couberem no orçamento e muitas serão feitas por meio de concessões.

Na cerimônia do Pró-Brasil também há possibilidade de ser anunciada a renovação do auxílio emergencial até o fim do ano, em valores menores do que os R$ 600 atuais, ainda que ele não faça parte da estratégia. A conexão seria por conta do seu sucessor, o Renda Brasil, que pretende elevar o poderio e alcance do atual Bolsa Família, tornando-se uma marca a ser usada politicamente por Bolsonaro.

Além de obras, transferência de renda, medidas para emprego estão sendo mapeadas, sendo a carteira verde-amarela a principal delas. O governo colocará no pacote também a agenda de reformas, amplamente conhecida com medidas para melhorar a regulação de setores como o ferroviário, o energético e o de gás.

Nesse sentido, o novo pacto federativo também pode ser incluído. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) está sendo redesenhada pela Economia para permitir um acionamento mais rápido do teto de gastos e que ainda poderá incluir medidas para viabilizar o Renda Brasil (como o redirecionamento do abono salarial).