Correio braziliense, n. 20910, 23/08/2020. Saúde, p. 12

 

A busca por superanticorpos

Vilhena Soares 

23/08/2020

 

 

Quando o organismo dos seres vivos é surpreendido por um agente invasor, como vírus e bactérias, ele passa a produzir anticorpos. Em busca de terapias para enfermidades complexas, cientistas usam esses soldados como matéria-prima para o desenvolvimento de medicamentos mais eficazes. A estratégia tem surtido resultados positivos para cânceres e outros problemas de saúde. Agora, é investigada para combater a pandemia da covid-19. Nesse caso, pesquisadores apostam no uso de células do sangue de pessoas e de animais infectados pelo novo coronavírus para criar, em laboratório, um exército de defesa mais potente do que o natural.

A ideia de usar anticorpos para o desenvolvimento de medicamentos surgiu em 1975, mas somente nas últimas décadas as pesquisas com base nessa premissa ganharam força, principalmente na busca de tratamentos para doenças incuráveis. Júlio Cesar Lorenzi, pesquisador da Universidade de Rockefeller, nos Estados Unidos, é um dos cientistas que trabalham nessa área. “Eu e meu grupo buscamos, há anos, anticorpos humanos para serem usados contra o HIV. Selecionamos pacientes que responderam bem ao tratamento, escolhemos as células de defesa mais fortes ao vírus para cloná-las e testamos o uso desses anticorpos monoclonais em animais”, conta o especialista brasileiro.

O cientista detalha que, na pesquisa feita com o HIV, os testes em ratos foram positivos, e o próximo passo será repetir o experimento em cobaias maiores. O grupo de pesquisadores, porém, deu uma pausa no trabalho para se dedicar à busca por anticorpos para tratar a covid-19. “Com o problema da pandemia, vimos que era importante dar foco a essa enfermidade. Pela nossa experiência anterior e por essa técnica ser muito promissora, resolvemos usá-la. A premissa é a mesma: pegamos as células de defesa de pacientes aqui de Nova York que responderam bem ao vírus Sars-CoV-2 para testá-las em animais”, relata.

Lorenzi e seus parceiros de pesquisa encontraram dois anticorpos promissores em pacientes recuperados da covid-19. As células de defesa obtiveram resultados animadores no combate ao vírus Sars-CoV-2 em ratos. Agora, serão testadas em macacos. “Acreditamos que vamos conseguir divulgar os resultados em cerca de 30 dias, não posso dar detalhes, mas digo que estamos muito animados”, diz. “Acreditamos que esse tipo de tratamento vai ser muito importante porque, no melhor cenário, mesmo que tenhamos uma vacina, pode ser que ela não funcione em uma parcela da população. Além disso, remédios eficientes serão necessários”, diz.

Coquetel

Além do grupo de Lorenzi, outros pesquisadores e empresas médicas têm realizado pesquisas com anticorpos monoclonais para tratar a covid-19. Um dos projetos mais avançados pertence ao grupo farmacêutico americano Regeneron. No início de julho, a empresa anunciou que deu início à fase de ensaios clínicos de um coquetel de anticorpos para tratar o novo coronavírus. Os pesquisadores usam duas células de defesa: uma retirada de pacientes infectados e outra produzida totalmente em laboratório.

“A nossa estratégia consiste em usar essas moléculas que já respondem bem ao vírus, porque isso gera maior eficácia do medicamento. Os anticorpos têm as armas necessárias para lutar contra a infecção”, explica, em comunicado, George D. Yancopoulos, diretor científico da Regeneron. “Estamos realizando testes com segurança, e o mais rápido possível, para fornecer uma solução potencial para prevenir e tratar infecções por covid-19.”

Gesmar Rodrigues Silva Segundo, coordenador do Departamento Científico de Imunodeficiências da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai), explica que os anticorpos monoclonais têm sido muito explorados para a covid-19 porque sua estratégia de ação faz parte de uma nova tendência na área médica: a  terapia-alvo. “Ao usar um anticorpo que se manifestou no corpo de um paciente, ele vai agir diretamente naquele vírus. Você tem a chave para aquela fechadura. É o ideal. Muitas empresas usaram esse recurso para outras enfermidades e tiveram sucesso. Consequentemente, vão investir nela para a covid-19 também”, avalia.

O especialista ressalta que os testes com anticorpos monoclonais precisam avançar para que a eficácia da abordagem no combate ao novo coronavírus seja comprovada e para que os protocolos de uso sejam bem definidos. “Até agora, temos visto muitas notícias positivas, mas é prudente esperar e não comemorar antes da hora. Há grupos específicos, como crianças, idosos e pessoas com comorbidades, que precisamos saber se, neles, o efeito será o mesmo. Além disso, há o preço, esses medicamentos são bem caros”, afirma. “Somente com testes mais avançados, teremos como nos planejar melhor e saber de que forma esses anticorpos podem nos ajudar no combate à covid-19.”