Valor econômico, v. 21, n. 5070, 21/08/2020. Política, p. A6

 

STF determina que Justiça pare a produção de dossiês

Isadora Peron 

Luísa Martins

21/08/2020

 

 

Julgamento teve nove votos a favor da suspensão; único voto contrário foi de Marco Aurélio

O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou ontem, por 9 votos a 1, a suspensão de qualquer ato do Ministério da Justiça e Segurança Pública que tenha como objetivo produzir ou compartilhar dados sobre a vida pessoal de cidadãos, funcionários públicos e professores que fazem oposição ao governo federal.

A maioria dos ministros seguiu o voto da relatora Cármen Lúcia. O único a divergir foi Marco Aurélio Mello e o decano Celso de Mello, que está de licença médica, não participou do julgamento. Durante a sessão, parte dos ministros afirmou que o relatório começou a ser produzido antes de André Mendonça assumir a pasta. O ministro Edson Fachin apontou que houve um “pedido de busca no dia 24 de abril deste ano”, data em que Sergio Moro deixou a pasta. “Parece-me importante anotar que o relatório inicia com pedido de busca no dia 24 de abril deste ano, não me parece ser muito ao acaso esta data. Sabe-se, bastando folhear os periódicos, do dia 24 de abril deste ano, e portanto não era ainda ministro da Justiça o doutor André Mendonça.”

Em uma dura fala, o presidente do STF, Dias Toffoli, saiu em defesa de Mendonça, que, segundo ele, teve uma “atuação absolutamente correta” no episódio.

“Nós não podemos fazer injustiças com pessoas que dedicam a vida pública ao Estado brasileiro de maneira correta. Há muitas pessoas que, às vezes, aparecem na imprensa bem na foto, mas são péssimas na vida pública, criando fundos para administrarem, criando inimigos políticos para depois serem candidatos, e afastando as pessoas da vida pública e querendo galgar depois eleições futuras”, disse, sem citar o nome de Moro, mas apontando que para “bom entendedor, meia palavra basta”.

Em nota, a assessoria de imprensa do ex-ministro disse que ele desconhece “qualquer relatório de inteligência sobre movimentos antifascistas produzido durante a sua gestão”. “O relatório divulgado na imprensa seria de junho de 2020 e teria sido requisitado após a sua saída do ministério”, apontou.

De maneira geral, os magistrados afirmaram que há indícios de desvio de finalidade na produção do dossiê que listou quase 600 servidores públicos ligados a movimentos antifascistas. Assim, a Corte deferiu a liminar solicitada pelo partido Rede Sustentabilidade para impedir a produção de relatórios pelos órgãos de inteligência do governo, mas não atenderam o pedido para que a Polícia Federal (PF) abrisse um inquérito para apurar o caso.

No voto proferido anteontem, durante o início do julgamento, Cármen afirmou que relatórios sobre as escolhas políticas dos cidadãos remonta ao período da ditadura militar. A prática, segundo ela, “não é nova neste país, e não é menos triste termos que voltar a esse assunto quando se acreditava que era apenas uma fase negra de nossa história”.

Para Alexandre de Moraes, houve desvio de finalidade na produção do dossiê. “O que mais me preocupou é a tentativa de começar a ‘planilhar’ as preferências políticas e filosóficas de policiais, sem que eles tivessem praticado nenhuma atividade ilícita.”

Ele, que já comandou o Ministério da Justiça, também criticou a qualidade do relatório, dizendo que não se baseava em fatos, simplesmente em “aleivosias sobre pessoas”. “Está mais pra fofocaiada do que para relatório de inteligência, mas podia avançar no sentido mais profissional e mais perigoso”, disse.

Já Luís Roberto Barroso disse que, se o governo estivesse “verdadeiramente” preocupado com atos que pudessem representar risco à democracia, “talvez fosse o caso de monitorar os grupos fascistas e não os antifascistas”.

Único voto divergente, o ministro Marco Aurélio defendeu que a avaliação sobre o relatório deveria ser feita pelo Congresso, e não pelo STF. “Insiste-se em deslocar matéria estritamente política para o Supremo, provocando um desgaste incrível em termos de Poder Judiciário.”

Em nota, Mendonça afirmou que o julgamento de ontem reconheceu “a importância do regular exercício da atividade de inteligência como essencial para o Estado Democrático de Direito e a segurança dos cidadãos”. Ele também agradeceu a manifestação de ministros reconhecendo a sua “ integridade, transparência e isenção em relação ao episódio”.