O Estado de São Paulo, n.46266, 19/06/2020. Política, p.A4

 

Mandado de prisão cita embaraço a apuração e influência sobre milícias

Marcelo Godoy

Ricardo Galhardo

Fausto Macedo

Wilson Tosta

19/06/2020

 

 

Despacho do juiz Flávio Itabaiana afirma que o ex-assessor mantinha uma ‘complexa rotina’ para ocultar seu paradeiro

Prisão. Policiais deram voz de prisão a Queiroz em sua cama, na casa do advogado Frederick Wassef

O mandado de prisão preventiva cumprido ontem pela polícia contra Fabrício Queiroz, ex-assessor parlamentar do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), cita os crimes de embaraço a investigação de organização criminosa e lavagem de dinheiro. No despacho que autorizou a operação, o juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio, afirma que o ex-assessor mantinha “complexa rotina” para que não fosse localizado, tinha uma suposta “influência” sobre milicianos e dava conselhos a outros investigados.

Nos últimos meses, a movimentação de Queiroz foi monitorada por uma pessoa “com notório poder de mando”, segundo o magistrado. Apelidada de “Anjo”, essa pessoa deu nome à operação de ontem e não teve a identidade revelada pela Justiça. Itabaiana registrou, ainda, que há indícios de que a família de Queiroz recebia dinheiro de terceiros para se manter.

O ex-assessor foi detido no início da manhã em Atibaia (SP) em um imóvel que pertence ao advogado Frederick Wassef, que defende Flávio Bolsonaro no inquérito que investiga a prática de rachadinha no antigo gabinete do senador na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), e é próximo da família Bolsonaro.

Ao citar diálogos entre Queiroz e sua mulher, Márcia Oliveira de Aguiar em novembro de 2019, Itabaiana diz que o casal obedecia a alguém “sob o codinome ‘Anjo’”. “Ao perceber que o julgamento do STF sobre o uso de relatórios do Coaf em investigações criminais não lhes seria favorável, ‘Anjo’ manifestou a intenção de esconder toda a família do operador financeiro Fabrício Queiroz em São Paulo”, escreve o juiz. Itabaiana também autorizou a prisão de Márcia, que não tinha sido localizada até a conclusão desta edição .

A operação de ontem cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços ligados ao servidor da Alerj Matheus Azeredo Coutinho, às ex-funcionárias da Casa, Luiza Paes Souza e Alessandra Esteve Marins, que atualmente é assessora de Flávio no Senado, e ao advogado Luis Gustavo Botto Maia.

Miliciano. O juiz Itabaiana destacou o suposto envolvimento de Queiroz com milicianos do Rio, incluindo o capitão Adriano da Nóbrega, morto em fevereiro e apontado como líder do chamado “Escritório do Crime”. Informações do Ministério Público apontam que o miliciano teria repassado mais de R$400 mil para as contas de Queiroz. A mãe e a ex-mulher de Adriano trabalharam no antigo gabinete de Flávio na Alerj.

O juiz cita outros indícios de uma suposta influência de Queiroz sobre as milícias. Em mensagens trocadas com a mulher, o ex-assessor se compromete a “interceder pessoalmente” junto a milicianos em favor de um homem que pede sua ajuda após receber ameaças em Itanhangá, zona oeste carioca. Em um áudio, Queiroz diz que poderia intermediar o contato com a “cúpula de cima”.

O ex-assessor estava na casa havia pelo menos três meses, segundo pessoas que tiveram contato com ele. Apesar disso, nos últimos meses Wassef negou, em entrevistas à imprensa e em conversas reservadas com interlocutores, que mantinha contato com Queiroz .

O ex-assessor saiu de São Paulo, onde vivia desde o ano passado, para fazer duas cirurgias na Santa Casa de Bragança Paulista, a cerca de 25 quilômetros do local onde estava hospedado, segundo pessoas próximas. As cirurgias não têm relação com o câncer no intestino diagnosticado em 2018 e tratado no hospital Albert Einstein, em São Paulo, ainda de acordo com elas.

Queiroz é considerado por investigadores peça importante para esclarecer o suposto esquema de rachadinha. Segundo o MP, ele era o responsável por recolher parte dos salários de funcionários do gabinete e devolver ao chefe. Um das hipóteses é que o dinheiro era “lavado” numa loja de chocolates.