O Estado de São Paulo, n.46266, 19/06/2020. Política, p.A8

 

Polícia faz buscas em reduto político dos Bolsonaro

Ricardo Brandt

Fausto Macedo

Marcio Dolzan

19/06/2020

 

 

INVESTIGAÇÃO NO RIO. Agentes estavam atrás de Alessandra Marins, assessora de Flávio, em imóvel em Bento Ribeiro, no Rio, perto do comitê da família

A Operação Anjo, que ontem prendeu Fabrício Queiroz, fez buscas em Bento Ribeiro, bairro onde funciona o QG político de toda a família Bolsonaro, no subúrbio do Rio. Foi lá que o capitão reformado do Exército iniciou sua carreira política. Os policiais civis vasculharam um imóvel próximo em busca de celulares e documentos de Alessandra Esteves Marins, assessora parlamentar do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ).

Alessandra foi assessora de Flávio na Alerj e hoje está contratada por ele no Senado. Ela teria repassado parte dos salários para Queiroz, então chefe do gabinete de Flávio na Alerj. A assessora teve sigilo quebrado, por ordem da Justiça, em 2019. Alessandra não estava na residência – apesar de contratada pelo Senado, ela atua no Rio. O imóvel alvo das buscas fica bem perto do escritório que, oficialmente, é de Carlos Bolsonaro, vereador no Rio, mas que é usado por toda a família em campanhas.

A decisão judicial determinava que os agentes deveriam recolher telefones celulares, dispositivos eletrônicos e documentos que poderiam comprovar o repasse de valores para Queiroz. Ela não era alvo de prisão.

“Eles usaram uma marreta para quebrar a porta”, relatou, ao Estadão, um vizinho. Segundo ele, Alessandra raramente era vista no imóvel. “Faz mais de mês que ela não aparece.”

Parte da história política dos Bolsonaro está em Bento Ribeiro, bairro pobre distante da Barra da Tijuca – onde a família reside atualmente, em área nobre da zona oeste. Foi ali que o presidente iniciou a carreira política, em 1988, ao ser eleito vereador pelo Partido Democrata Cristão (PDC).

O bairro é vizinho à Vila Militar – região que tem a maior concentração de militares da América Latina –, onde está o 8.º Grupo de Artilharia de Campanha Paraquedista, local em que o presidente serviu seus últimos anos de farda.

Na reta final da campanha em 2018 e também logo após eleito, Bolsonaro foi a Bento Ribeiro: cortou cabelo no mesmo barbeiro a quem confia a missão há mais de 20 anos e visitou o escritório político da família. O imóvel pertence ao presidente e ele morou ali quando era casado com Rogéria Nantes Bolsonaro, a mãe de Flávio, Carlos e Eduardo.

Com valor declarado de R$ 40 mil, a casa 15 do loteamento formado a partir do número 30 da Rua Divisória é um sobrado com portão branco, com duas câmeras de segurança, localizado em uma região com uma forte presença de milícias.

Na eleição de 2018, o QG foi usado como “comitê de apoio” para as campanhas do presidente e dos filhos Flávio e Eduardo. É o local também para onde são enviados materiais de campanha ou de gabinetes da família.

Trata-se de uma máquina eleitoral que coloca em xeque o argumento do presidente de que não há relação entre as suas campanhas e estruturas políticas e a dos filhos. Antes de eleito presidente, ele teve em 30 anos de carreira política sete mandatos de deputado federal e um de vereador incompleto (1989-1990). E foi o responsável por eleger os três filhos parlamentares.

As investigações do Ministério Público sobre “rachadinha” e emprego de funcionário fantasma nos gabinetes dos filhos Flávio e Carlos, na Alerj e na Câmara do Rio, respectivamente, se aproximaram dessa máquina eleitoral.

A reportagem esteve em Bento Ribeiro, em duas ocasiões, no ano passado. Em uma delas, um funcionário atendeu, mas pediu para ligar para o gabinete de Carlos. Na frente do imóvel, havia um carro, que pertencia a Nelson Alves Rabello, tenente da reserva e ex-assessor do gabinete de Bolsonaro na Câmara, que trabalha atualmente no gabinete de Carlos. Rabello está entre os 94 alvos de quebra de sigilo decretada pela Justiça do Rio, nas investigações de “rachadinha” no gabinete de Flávio.

O Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção (Gaecc) aponta que Queiroz era um “operador financeiro” de Flávio. Homem de confiança da família Bolsonaro, Queiroz admitiu responsabilidade sobre a captação de parte dos salários dos assessores, sem conhecimento do ex-chefe. O valor seria para subcontratar outros, mas nunca foram identificadas tais contratações.

Ao todo, foram R$ 2 milhões identificados em 483 depósitos de outros assessores na conta de dele. No mesmo período, ele sacou R$ 2,9 milhões em espécie.

Resposta. O senador Flávio Bolsonaro nega irregularidades na Assembleia e diz ser alvo de investigação ilegal desde o início do caso, em 2019. Por meio de sua defesa, busca a anulação das apurações e de provas, como as quebras de sigilos fiscal, bancário e telefônico, com recursos no Tribunal de Justiça do Rio, no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF).

Movimentação

483

depósitos foram feitos por assessores de Flávio Bolsonaro na conta do seu então chefe de gabinete da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), Fabrício Queiroz, conforme investigações do Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção (Gaecc)