O Estado de São Paulo, n.46267, 20/06/2020. Política, p.A16

 

Para bolsonaristas, Weintraub tem de ‘fugir’ do País

Breno Pires

20/06/2020

 

 

Influenciadores dizem que cargo no Banco Mundial é estratégia para ex-ministro, alvo de inquérito no Supremo, não ser preso

Interlocutores do presidente Jair Bolsonaro indicaram nas redes sociais que a nomeação de Abraham Weintraub para o Banco Mundial não se trata de um prêmio de consolação, mas de uma estratégia do presidente para tirar o ex-ministro do País e evitar sua prisão pelo Supremo Tribunal Federal. Weintraub é investigado no inquérito das fake news, que tramita na Corte e já determinou ações contra vários alvos.

Procurado para comentar qual o objetivo do presidente com a indicação de Weintraub, o Palácio do Planalto não respondeu até a conclusão desta edição. Nas suas redes sociais, o ex-ministro disse ontem que precisa sair do País “o quanto antes”. Em entrevista à CNN Brasil, revelou o motivo. “A prioridade total é que eu saia do Brasil o quanto antes. Agora é evitar que me prendam, cadeião, e me matem”, disse ele.

O youtuber Bernardo Küster, um dos alvos do inquérito das fake news, foi o mais explícito, Num vídeo, afirmou que Weintraub vai exercer um cargo no exterior para “fugir” de ser preso pelo Supremo. “Estão articulando a prisão desse homem e a vida dele vai de complicar. O Supremo já sinalizou que não vai dar moleza para ele quando o mantiveram no inquérito das fake news. O entendimento de muitos é de que a prisão dele vai acontecer, ou ia acontecer, não sei, mais dia, menos dia, e ele, para preservar sua vida e de sua família, ele vai embora do Brasil para fugir dessa perseguição ditatorial que já se instalou no Brasil”, afirmou.

Küster explicitou a preocupação com a perda da prerrogativa de foro de Weintraub. “Imagina se ele perde o foro privilegiado, fica aqui no Brasil, é capaz de ele ser preso, sim. Acontece que ele vai exercer um cargo no exterior e sair do Brasil. Ele sai por causa de um comentário feito privadamente numa reunião ministerial”, disse num vídeo gravado pouco antes de a demissão ser anunciada.

O empresário Leandro Ruschel, que também integra a rede bolsonarista, é outro que relacionou a saída do ex-ministro do País ao processo no Supremo. “Vivemos em pleno regime de exceção. Quando um ministro precisa se exilar por algo que ele falou, imagine o que resta ao cidadão comum”, disse a seus 410 mil seguidores no Twitter. “Agora o Brasil tem

Sem foro. Como ex-ministro, Weintraub perde a prerrogativa de foro no Supremo Tribunal Federal. Com isso, investigações contra ele podem ser enviadas à primeira instância. No entanto, ele pode continuar sendo alvo do Supremo, ao menos por enquanto, no inquérito das fake news. Nesse caso, porque há pessoas com foro relacionadas, como deputados federais.

Weintraub é um dos alvos do inquérito das fake news por ter afirmado, em reunião ministerial, que os onze ministros do Supremo deveriam ser presos e se referido a eles como “vagabundos”. Dias depois, já investigado, repetiu que “já disse o que pensava desses vagabundos” num ato com apoiadores na Esplanada dos Ministérios. Ao determinar a liberação da gravação da reunião, o ministro Celso de Mello apontou para a “gravíssima aleivosia” feita por Weintraub em “um discurso contumelioso e aparentemente ofensivo ao patrimônio moral” dos ministros do Supremo. No entendimento do decano, as falas caracterizam possível delito contra a honra (como o crime de injúria).

O ministro demissionário tem afirmado que precisava preservar a segurança da sua família como uma das justificativas para deixar o País. A reportagem questionou a Polícia Federal, a Procuradoria-Geral da República, e o próprio Weintraub, por meio do Ministério da Educação, e não há informações até o momento de que o ex-ministro tenha pedido investigação sobre ameaças a si e a familiares. A PF e o MEC disseram que só Weintraub poderia responder. A PGR ainda não respondeu.

O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) protocolou ontem no Suprem oum pedido para que o passaporte do ex-ministro Weintraub seja apreendido para evitar que ele saia do país enquanto é investigado pela Corte.

A indicação de Abraham Weintraub para o Banco Mundial –Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (Bird) – atrapalhou os planos do ministro da Economia, Paulo Guedes, para o cargo e representa a segunda derrota dele no campo internacional nesta semana. O nome foi mal recebido por integrantes do banco e provocou reação no Brasil: uma carta contra a nomeação, com mais de 250 assinaturas de economistas, intelectuais, parlamentares e artistas foi encaminhada ao organismo internacional.

Segundo o Estadão/Broadcast apurou, Guedes queria que o atual diretor executivo do Fundo Monetário Internacional (FMI), Antônio Bevilaqua, acumulasse também a cadeira no Banco Mundial. Isso estava sendo discutido no início do ano, mas a questão acabou sendo colocada em espera por conta da pandemia do coronavírus.

Na quarta-feira, o governo brasileiro teve de apoiar a indicação, dos Estados Unidos, de um nome para a presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O Brasil queria indicar um nome do País para o cargo e vinha tentando o apoio dos EUA para isso, o que não se concretizou.

Agora, a pressão foi doméstica e, apesar de a diretoria executiva do Banco Mundial ser de indicação do ministro da Economia, Guedes teve de aceitar o nome do presidente Jair Bolsonaro. Segundo integrantes da pasta, porém, isso foi acolhido pelo ministro “com tranquilidade”.

Reação. Quinze instituições e 257 pessoas assinam o documento contra a indicação de Weintraub, entre elas, o ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero e os economistas Octavio de Barros, José Roberto Afonso e Laura Carvalho. Também subscrevem o cantor Chico Buarque e a socióloga Maria Alice Setubal, além de parlamentares de oposição.

A carta foi enviada para os embaixadores dos países no Brasil que são corepresentados e para a representação do Banco Mundial. O documento foi encaminhado para a representação do Banco Mundial em Brasília e para os embaixadores dos oito países que o Brasil representa no organismo. Enviamos essa carta para desaconselhar fortemente a indicação de Weintraub para essa importante posição e para informá-lo do potencial de causar danos irreparáveis à posição do seu País junto ao Banco Mundial”, afirma o texto.

Para Ricupero, a indicação de Weintraub é altamente prejudicial aos interesses brasileiros. “O Banco Mundial tem uma agenda comprometida com o meio ambiente, tribos indígenas, têm uma pauta progressista. Não vejo como um sujeito como esse pode trabalhar nesse ambiente”, afirmou. “Um homem que se autodefine como militante não vai representar o país imparcialmente”.

O ex-vice presidente do Banco Mundial Otaviano Canuto, que também ocupou o cargo de diretor executivo para o qual Weintraub foi indicado, disse ao Estadão que esse é um posto que exige “técnica e diplomacia”. “Todas as pessoas que ocuparam esse cargo construíram uma reputação de respeito que permitiu ao Brasil influenciar o banco além dos 4% do capital que essa cadeira representa”, afirmou.

Sem citar Weintraub, Canuto disse que o contrário também pode ocorrer: se o ocupante do cargo não for bem-sucedido, o Brasil pode perder influência e cair no ostracismo.

Desde a indicação, o governo vem ressaltando as experiências de Weintraub em bancos – ele foi economista-chefe do Banco Votorantim –, na academia e no setor público. A passagem de Weintraub pelo Votorantim gerou polêmica. Na quinta-feira, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse que ele “quebrou o banco”, o que Weintraub logo negou nas redes sociais. Em 2009, quando o ex-ministro estava na instituição, o Banco do Brasil comprou 49% do banco da família Ermírio de Moraes, depois do Votorantim ser atingido fortemente pela crise financeira do ano anterior.
- Cultura

O presidente Jair Bolsonaro nomeou o ator Mário Luís Frias como secretário especial de Cultura, no lugar de Regina Duarte. A nomeação foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União (DOU), ontem à noite. um ministro do governo que precisa buscar exílio para não ser preso por falar o que pensa”, afirmou o deputado Luis Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP), um dos mais próximos do presidente.