O globo, n. 31777, 07/08/2020. País, p. 4

 

Acordo quase geral

Aguirre Talento

Carolina Brígido

Leandro Prazeres

07/08/2020

 

 

Novas regras de leniência costuradas por Toffoli excluem Ministério Público

 Sem a participação da Procuradoria-Geralda República( PGR ), a Controladoria Geralda União( C GU ), a Advocacia-Geralda União (AGU) e o Tribunal de Contas da União (TCU) assinaram um termo com novas regras para acordos de leniência (a delação premiada de empresas) que abre brecha para excluir o Ministério Público Federal (MPF) das negociações.

A cerimônia ocorreu no Supremo Tribunal Federal (STF) e o presidente da Corte, Dias Toffoli, atuou como mediador do termo. Ele assinou o documento, mas como os acordos de leniência não passam pela Corte — e sim por instâncias inferiores do Judiciário —, seu gesto tem efeito apenas simbólico.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, havia pedido a Toffoli mais tempo para analisara minutada proposta e sugerir alterações, porque o texto desagradou ao MPF. Por isso, Aras não participou da cerimônia e não assinou o termo.

O documento estabelece que os acordos de leniência com as empresas suspeitas de ilegalidade serão negociados apenas pela AGU e pela CGU, eque oM PF receberia as provas entregues pelas empresas após o acordo ter sido assinado. A minuta foi revelada pelo GLOBO no último dia 31.

O objetivo da proposta é criar um “balcão único” para que empresas acusadas de cometer ilícitos façam um único acordo, coma participação de todos os órgãos, e não precisem fazer diversas negociações separadamente, como ocorre hoje. Na avaliação de fontes dos diversos órgãos, a proposta criaria um ambiente de maior segurança jurídica para os acordos de leniência. Contudo, a ausência do MPF na assinatura da proposta significa que a insegurança jurídica permanece, porque os procuradores poderão continua racionando judicialmente essas empresas.

Toffoli manteve o nome de Aras entre os signatários do acordo, mesmo sem o procurador-geral ter efetivamente assinado o documento. A assessoria de Toffoli informou que o PGR pode assinar o acordo posteriormente, caso deseje aderir. Isso, porém, inviabiliza que oM PF proponha alterações ao texto. A atual redação gerou duras críticas da LavaJato e de procuradores do Ministério Público Federal.

Em seu discurso, Toffoli não citou a ausência de Aras no acordo e elogiou o procurador-geral, afirmando que ele “reconhece a necessidade de atuação conjunta com outros órgãos, sem abrir mão do relevante papel do Ministério Público nos acordos de leniência”. E negou que a proposta retire poderes do MPF.

—E isso é importante ressaltar novamente: este acordo de cooperação não cria nem retira competências de nenhuma das instituições envolvidas. Essas competências decorrem da Constituição e da legislação —afirmou o presidente do STF.

Além de Toffoli, o termo teve assinatura dos ministros da Controladoria-Geral da União (CGU) Wagner do Rosário, da Advocacia-Geral da União (AGU) José Levi, do ministro da Justiça André Mendonça e do presidente do Tribunal de Contas da União (TCU) José Múcio Monteiro.

Aras aguardava que a 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, órgão responsável pela área de combate à corrupção, produzisse uma nota técnica com análise sobre a minuta e a sugestão de alterações. As primeiras sugestões feitas pelo MPF, que incluíam também a participação nesses acordos de órgãos como o Banco Central, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), foram ignoradas por Toffoli, que coordenou a redação da minuta.

INVESTIGAÇÕES EM RISCO

Os grandes acordos de leniência da Operação Lava-Jato, com companhias como o Grupo J&F e a Odebrecht, foram conduzidos inicialmente por procuradores do Ministério Público, para só depois terem a adesão de órgãos como a CGU. Na longa negociação com o MPF, a J&F, por exemplo, ofereceu inicialmente R$ 700 milhões, mas, no final, aceitou pagar R$ 10,3 bilhões de ressarcimento.

Pelas novas regras propostas,oM PF não conduzirá mais as negociações dos acordos de leniência. “Visando a incrementar-se a segurança jurídica e o trabalho integrado e coordenado das instituições, a Controladoria-Geral da União e a Advocacia-Geral da União conduzirão a negociação e a celebração dos acordos de leniência nos termos da lei nº 12.846, de 2013”, diz o texto.

Isso significa que procuradores responsáveis por investigar os crimes de uma empresa podem ficar fora da análise de quais fatos criminosos essa empresa está confessando no seu acordo.

De acordo coma minuta, qualquer investigação do MPF ou da Polícia Federal que constate o envolvimento de uma empresa em fatos ilícitos deveria ser enviada para conhecimento da CGU e da AGU. O texto estipula uma exceção: que o compartilhamento não seja feito caso coloque as investigações em risco. Ainda assim, na avaliação de investigadores, o novo modelo abrirá brecha para que o governo tenha informações de diversas investigações sigilosas em andamento pelo país.

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Aras: procuradores devem seguir diretrizes superiores

07/08/2020

 

 

Em evento, chefe do MPF afirmou que “independência funcional' de membros pode gerar sistema 'caótico' e 'anárquico' no órgão

 O procurador-geral da República Augusto Aras afirmou ontem, em uma live conduzida pelo Conselho Nacional do Ministério Público (C N MP ), que os procuradores do Ministério Público Federal “não podem rejeitar diretrizes” dos órgãos superiores da Procuradoria-Geralda República(PGR) eque um membro da instituição “não pode se sobrepor ao coletivo”. Disse ainda que a “independência individual” de procuradores, caso esteja em desacordo com as diretrizes, pode gerar um sistema “caótico” e “anárquico” dentro do Ministério Público.

Aras não citou especificamente a Operação Lava-Jato, massuas declarações reforçamos argumentos apresentados pela PGR ao Supremo Tribunal Federal para pedir acesso às bases dedados das forças tarefas do Rio, Curitiba e São Paulo. A PGR argumentou na ação que a instituição é pautada por sua unidade e que Aras, na condição de chefe do MPF, teria direito a acessar esses dados, mesmo sendo sigilosos.

— O membro, como uma unidade, como uma singularidade, não pode se sobrepor ao coletivo que é a instituição. A instituição tem órgãos superiores encarregados de definir as suas diretrizes e orientações. No entanto a Constituição reconhece nos membros um grande valor no que toca à sua convicção, e esse grande valor é a independência funcional —afirmou Aras.

Para o procurador-geral, a “independência funcional” serviria como “uma escusa de consciência” para que o membro do MP não seja obrigado a fazer algo com o que não concorde. Mas, segundo Aras, não poderia permitir que o procurador atue de forma contrária às diretrizes superiores.

—Um membro do Ministério Público não está obrigado a fazer aquilo que a sua consciência rejeita, mas não pode também rejeitar as orientações e diretrizes dos órgãos superiores, que exatamente por se encontrarem dentro de uma estrutura de uma organização prevista em leis complementares, ditas leis nacionais, não pode deixar de ser observado sob pena de nós superarmos a ideia da independência funcional, que existe para a função, e não para o indivíduo, — afirmou, justificando que a independência individual causaria um sistema “caótico” e “anárquico” internamente que “atenta contra a ideia da institucionalidade”.

A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) divulgou nota rebatendo as declarações de Aras e negou que a independência funcional levaria à anarquia, mas, pelo contrário, é ela “que permite aos membros do Ministério Público atuar de maneira correta, firme e destemida, apenas com obediência à lei e à sua consciência.”