Correio braziliense, n. 20912, 25/08/2020. Política, p. 2

 

Cálculos e riscos do megapacote social

Ingrid Soares 

Jorge Vasconcellos 

Luiz Calcagno

25/08/2020

 

 

O governo decidiu adiar o lançamento do Pró-Brasil, um megapacote de medidas sociais e econômicas, que estava previsto para hoje. A decisão foi tomada durante reunião, ontem, entre o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes. O motivo do adiamento é que o conjunto de medidas, que inclui o programa Renda Brasil, ainda não está concluído. A única iniciativa que será anunciada hoje é o programa Casa Verde e Amarela, que substituirá o Minha Casa Minha Vida, voltado à ampliação do acesso à moradia.

Uma das indefinições no megapacote envolve o valor do benefício do Renda Brasil, a nova versão do Bolsa Família. A quantia mensal aventada por Guedes ficaria em R$ 247, mas o presidente quer mais estudos para viabilizar um eventual aumento do valor da bolsa. Além dessa questão, outro fator que causou incômodo no Planalto foi o anúncio de Guedes sobre as medidas, na semana passada, sem esperar que Bolsonaro “batesse o martelo”.

Na esfera do Renda Brasil, a ideia é atender cerca de 21 milhões de famílias de baixa renda — as 14 milhões que já recebem o Bolsa Família e mais 6 ou 7 milhões de “invisíveis” que o governo encontrou com os cadastros do auxílio emergencial. Seria pago a essas famílias um benefício superior aos atuais R$ 190 do Bolsa Família, possivelmente entre R$ 200 e R$ 300.

O governo também discute a desoneração da folha de pagamentos das empresas para a faixa salarial de até um salário mínimo (hoje em R$ 1.045). Essa medida faz parte do que Guedes chama de “rampa de acesso” do Renda Brasil para o emprego formal.

Para sustentar uma despesa anual superior a R$ 50 bilhões (o Bolsa Família custa R$ 30 bilhões por ano), o governo estuda extinguir programas como o Abono Salarial, o Salário-Família e o Seguro Defeso (pago a pescadores durante o período em que a pesca é proibida).

O Programa Casa Verde e Amarela, a ser lançado hoje em substituição ao Minha Casa Minha Vida, prevê a construção de novas habitações para pelo menos 1 milhão de famílias. Também haverá regularização de áreas, para que as famílias possam ter titularidade dos imóveis.

No fim de semana, Paulo Guedes participou de uma reunião com parlamentares da frente ampla pela renda básica. Segundo o Correio apurou, o ministro passou má impressão. Ele teria dito que o programa é mais amplo que o Bolsa Família, e detalhado os planos do governo com o Renda Brasil, o auxílio para empregabilidade de informais e a desoneração de folha de pagamento. Mas não tinha números e valores a apresentar. O encontro ocorreu no sábado, quatro dias antes da data prevista para o anúncio do pacote.

Os parlamentares ficaram com a impressão de que não havia consenso sobre os valores dentro do governo, e a equipe econômica estava se movendo por pressão de Bolsonaro. Pressão advinda do receio de o auxílio emergencial acabar e deixar desamparados milhões de beneficiários do auxílio emergencial. Seria um desgaste político que o governo, em fase de popularidade crescente, não estaria disposto a enfrentar.

Teto de gastos

O megapacote Pró-Brasil foi pensado pelo governo como uma tentativa de recuperar a economia dos danos provocados pela pandemia, construir uma marca própria da atual gestão Bolsonaro e pavimentar o caminho para uma possível reeleição do presidente em 2022. O evento para o lançamento do megapacote, que seria realizado hoje, vem sendo chamado por Paulo Guedes de “Big Bang Day” do governo. Além do Renda Brasil, estão previstas medidas para geração de empregos, novos marcos legais e ações para corte de gastos. Todas as ações estarão sob o guarda-chuva do programa batizado pelo governo de Pró-Brasil.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) falou sobre a inclusão do auxílio emergencial em um programa social permanente, no caso o Renda Brasil. Sem tratar de valores, ele destacou que outros programas possivelmente terão de serem extintos e que não sabe como o Executivo faria para comportar os R$ 600 dentro do espaço orçamentário previsto para 2021.

“O governo está fazendo as contas. Vamos aguardar o governo apresentar a proposta, para ver o que acha que é possível baseado no orçamento primário de 2021, para ver se consegue manter os R$ 600, ou qual valor vai propor”, afirmou Maia.Para o parlamentar, o importante é debater a pauta dentro do orçamento, sem ferir a emenda constitucional do teto de gastos. “Vamos debater baseado no espaço fiscal do orçamento. Quem defende o teto de gastos não pode defender qualquer valor, apesar da importância que isso tem para milhões de brasileiros. E se a gente quer fazer o debate baseado na proposta do governo, temos que estar preparados para cortar despesa em algum lugar, para que de fato o orçamento toque nas pessoas mais vulneráveis”, acrescentou o presidente da Câmara.

O líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), minimizou o adiamento do lançamento do megapacote de bondades do Executivo. Segundo o parlamentar, o governo está nos “últimos arranjos”, e remarcar o anúncio faz parte.

O líder governista ressaltou que o pacote faz parte dos planos de recuperação econômica para lidar com a crise causada pela pandemia do coronavírus. “Todos sabem que o Brasil vai ter que desenhar uma recuperação econômica no pós-pandemia. E a decisão começa a partir da discussão do governo, o que considero muito bom. Há boa vontade e estratégia para atender as necessidades e o governo tem pautas a oferecer”, argumentou o emedebista.

O vice-líder do PCdoB na Câmara, deputado Márcio Jerry (MA), vê com desconfiança o anúncio das medidas pelo governo. “Bolsonaro quer diminuir o alcance de programas sociais instituídos nos governos Lula, fantasiando ampliação com maquiagem, mascarando cortes. Eleito com fake news, governa irresponsavelmente com elas”, disse o oposicionista.

Frase

"Se a gente quer fazer o debate baseado na proposta do governo, temos que estar preparados para cortar despesa em algum lugar, para que de fato o orçamento toque nas pessoas mais vulneráveis"

Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados

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Tentação de romper o teto orçamentário

Rosana Hessel 

25/08/2020

 

 

Além das razões orçamentárias, há cálculo político presente nas razões para o adiamento do pacotaço de programas sociais do governo. O presidente Jair Bolsonaro gostou do aumento da popularidade dele no Nordeste, tradicional reduto petista, em função do do auxílio emergencial. E pretende ampliar a simpatia do eleitor. Inicialmente, o benefício custaria R$ 98 bilhões, em três meses. Passou para R$ 150 bilhões e, depois com a prorrogação para cinco meses, ficará em R$ 254,4 bilhões. Esse benefício também deve ser prorrogado até o fim do ano, mas em um valor menor do que o atual. Se for para R$ 300, o custo médio mensal será de R$ 25 bilhões.

“Bolsonaro está, claramente, tentando pavimentar o caminho para a reeleição em 2022 com esse pacote, com obras e um novo programa de auxílio emergencial. O benefício ajudou a aumentar a popularidade do presidente, principalmente, onde Lula tinha voto”, avalia Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas. O especialista alerta, no entanto, para um problema: com que dinheiro o presidente fará isso. “O que vemos é o governo caminhando para romper o teto de gatos. Não tem espaço para comprimir as despesas discricionárias e criar remanejamento de programas. Não há espaço para sair tocando obra e aumentando o gasto social. O papel aceita tudo, mas, na prática, a realidade é outra”, explica.

Sem espaço

O Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2021 prevê R$ 103 bilhões de despesas discricionárias, as não obrigatórias e que podem ser cortadas. Desse montante, os investimentos previstos serão menos de R$ 10 bilhões. Como o Orçamento é engessado com despesas obrigatórias em mais de 90%, para estourar o teto no ano que vem, basta o governo gastar mais R$ 15 bilhões, pelos cálculos do BTG Pactual.

O Pró-Brasil deverá ter uma carteira de 166 projetos de obras de infraestrutura para atrair R$ 1 trilhão de investimentos privados. O pacote de investimentos que Bolsonaro pretendia lançar é visto como um Programa de Participação de Investimentos (PPI) remodelado. Não à toa, está sendo chamado de “Novo PAC”, ou “PAC do Bolsonaro”.

De acordo com as apresentações feitas por técnicos do Ministério da Infraestrutura a investidores, os projetos são os mesmos do PPI e a previsão de investimento público é de R$ 40,4 bilhões até 2023, sendo R$ 17,4 bilhões em 2021, o que estouraria o teto. O governo vem tentando negociar uma antecipação de R$ 5 bilhões desse montante neste ano. Mas os gastos não param por aí.

Segundo as estimativas de um especialista em contas públicas, feitas a pedido do Correio, se o Renda Brasil fosse de R$ 300, ele custaria aos cofres públicos R$ 97 bilhões por ano para uma base ampliada de 27 milhões de pessoas. O ministro Paulo Guedes tem afirmado que, com remanejamento de alguns programas assistenciais, conseguiria R$ 53 bilhões. Portanto, ainda faltariam R$ 44 bilhões para cobrir o buraco.

Mas o grande desafio será atrair investidores para o país com as contas públicas em frangalhos. A dívida pública está explodindo, devendo encostar em 100% do Produto Interno Bruto (PIB), patamar insustentável para países emergentes e praticamente o dobro da média das nações em desenvolvimento estimada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). “Só que ninguém investe em um país que pode desrespeitar as regras de responsabilidade fiscal. Só louco investe em um país com o Estado quebrado”, afirmou Castello Branco.

Felipe Salto, diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado, alerta para um cenário de dívida pública bruta chegando a 100% do PIB em 2022 e as contas do governo federal no vermelho até 2030.  Apesar de ser um crítico do teto de gastos quando ele foi aprovado, em 2016, ele defende mais prudência na tentativa de flexibilizar a atual âncora fiscal. “É importante que se apresente um plano fiscal coeso para o pós-crise. De nossa parte, na IFI, vamos seguir aguardando os números”, ponderou.