Correio braziliense, n. 20912 25/08/2020. Mundo, p. 10

 

Trump põe a lisura da eleição em xeque

Rodrigo Craveiro 

25/08/2020

 

 

A Convenção Nacional Republicana começou, ontem, em Charlotte (Carolina do Norte), com a indicação oficial da candidatura de Donald Trump à reeleição. Em um discurso não programado, de pouco mais de uma hora, o presidente dos Estados Unidos voltou a colocar sob suspeição a lisura da votação em 3 de novembro. Dessa vez, no entanto, o magnata associou a pandemia do novo coronavírus a supostas fraudes no voto pelo sistema postal. “O que eles estão fazendo é usar a covid para roubar uma eleição. Eles estão usando a covid para fraudar o povo americano, todo o nosso povo, de uma eleição livre e justa. Não podemos fazer isso”, afirmou o chefe de Estado. “Eles trabalham para enviar 80 milhões de cédulas eleitorais pelos correios a pessoas que não pediram por isso. (…) Na minha opinião, não será possível tabular os votos. (…) Temos de ser muito cautelosos”, acrescentou. “Nós temos de ganhar. Esta é a eleição mais importante na história de nosso país”. Especialistas consideram as acusações de Trump sobre o voto a distância sem fundamento.

A largada da convenção deu-se em meio a três notícias desalentadoras para a Casa Branca: 27 ex-congressistas do Partido Republicano endossaram a chapa democrata de Joe Biden e Kamala Harris; assessora de Trump, Kellyanne Conway anunciou que deixará o posto para cuidar da família; e a procuradora-geral de Nova York, Letitia James, pediu a um juiz que obrigue Eric Trump, filho do presidente, a depor sobre transações duvidosas da Organização Trump, o conglomerado empresarial pertencente ao magnata. Os 330 delegados do Grand Old Party, como é chamado o Partido Republicano, confirmaram o apoio ao presidente. Assim que subiu ao púlpito, Trump foi ovacionado e saudado aos gritos de “Mais quatro anos!”. Ele advertiu que, caso Biden vença as eleições, os EUA serão varridos pela violência, e os democratas tirarão as armas, a religião e a produção de energia norte-americana. “A única maneira de tirarem essa eleição de nós é se for uma eleição fraudada. Não os deixem tirar isso de vocês”, declarou.

Trump planeja discursar em todas as quatro noites da Convenção Nacional Republicana, algo sem precedentes. O evento do partido governista ocorre quatro dias depois da convenção dos democratas, que oficializou a candidatura de Biden e foi considerada histórica por analistas. “De certa forma, as convenções importam menos em um país politicamente polarizado. Seu objetivo nunca foi conquistar eleitores indecisos, mas entusiasmar as bases do próprio partido”, explicou ao Correio Jason Matthew Roberts, professor de ciência política da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill.

Ao ser questionado sobre a associação da covid-19 como risco de fraude eleitoral, o estudioso disse não ter ideia do que Trump quis dizer com a ilação. “O partido que está fora do poder sempre tenta usar as falhas percebidas da legenda governista durante uma campanha eleitoral. Um problema é que Trump jamais ocupou um cargo político antes; então, não tem experiência sobre como as campanhas funcionam”, acrescentou Roberts. A gestão da Casa Branca no combate à pandemia é vista por analistas como um dos pontos vulneráveis de Trump, além da crise econômica. Até o fechamento desta edição, os Estados Unidos registravam 5,7 milhões de casos da covid-19 (24% do total no mundo) e 177 mil mortes (21%). Apesar dos números, o chefe de Estado republicano disse que os país tem se saído “muito bem”.

Democratas

Presidente da Câmara dos Representantes, a democrata Nancy Pelosi classificou Trump e os republicanos de “inimigos do Estado” e aconselhou os norte-americanos a ignorarem o magnata. “Nós juramos proteger e defender a Constituição de todos os inimigos, externos e domésticos. Infelizmente, os inimigos de nosso sistema de votação e da Constituição estão na Avenida Pensilvânia, número 1600, com seus aliados do Congresso dos Estados Unidos”, disse Pelosi, referindo-se ao endereço da Casa Branca. Ela acusou Trump de suprimir o voto a distância, amedrontar as pessoas, convocar forças de segurança e reduzir os votos no sistema postal.

Eu acho...

“As frequentes alegações de Trump sobre o risco de fraude representado pelo voto a distância são falsas. Ele próprio vota pelo correio, por exemplo. Não há evidências para qualquer acusação desse tipo. Acho que esta é uma afirmação perigosa, pois pode induzir os norte-americanos a não confiarem no resultado das eleições.”

Jason Matthew Roberts, professor de ciência política da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill