Título: O ovo do dragão
Autor: Ribas, Sílvio
Fonte: Correio Braziliense, 10/02/2013, Economia, p. 9

Disparada da inflação assusta analistas e governo, mas as suas causas têm raízes muito além da política econômica »

Está tudo caro. A sensação de que as altas de preços dispararam e avançam sobre todos os produtos e os serviços está sendo confirmada pelos indicadores oficiais e assustando donas de casa, trabalhadores, empresários e a própria presidente Dilma Rousseff. Depois de sofrer décadas com a inflação elevada, o Brasil parecia ter domado, há 18 anos, o dragão. Mas os constantes e cada vez mais intensos aumentos, ao lado de seguidas reações improvisadas do governo para tentar conter a sanha das remarcações, revelam uma resistência ímpar da velha criatura.

Para compreender as razões da atual carestia brasileira, é preciso conhecer a sua anatomia, com raízes no passado distante, quando taxas mensais acima de 50% eram rotina. Até hoje, contratos diversos, como aluguéis, são atrelados a índices que sobem e descem conforme a produção agrícola e a extração de minerais. A cesta básica continua carregando alimentos antes batizados de vilões e hoje menos presentes à mesa, mas que criam pressões sobre tabelas gerais a cada excesso ou falta de chuva. Preços regulados pelo Estado, como tarifas de água, luz e telefone, carregam a memória de desordem monetária, autorizando reajustes com base em variações passadas.

Em complemento ao grupo de fatores autônomos da escalada inflacionária, estão ainda presentes na cultura nacional os nefastos aumentos preventivos, um reflexo do medo de pagar custos maiores no futuro próximo. Para piorar esse cenário, nem a presidente da República, nem o ministro da Fazenda, Guido Mantega, nem o presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, mostram o desejo de assumir publicamente o papel de São Jorge, com disposição para matar o dragão. Isso porque o calendário eleitoral e a atividade econômica fraca, reunidos, deixaram o fogo nas ventas do monstro mais desafiador.

A inflação oficial de janeiro, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), é a maior desde abril de 2005, encurralando os esforços do Executivo para tirar a economia do atoleiro. O indicador de referência calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) subiu para 0,86% no mês passado, ante uma alta de 0,79% em dezembro. Essa elevação vem desde junho. Com o maior aumento para meses de janeiro em 10 anos, o IPCA atingiu 6,15% em 12 meses, o pior nível nessa base de comparação em três anos, e ficou longe do centro da meta anual do governo (4,5%) e mais perto do teto (6,5%).

Expectativas

"O governo está colhendo o que plantou ao manter uma visão ideológica de que inflação anual na casa de 4,5% é razoável para sustentar o crescimento econômico. Essa tolerância só faz piorar as projeções", analisa o consultor e ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega. Ele não acredita em descontrole maior dos índices de preços, mas ressalta que o quadro atual está minando a eficiência econômica do país e impedindo o Produto Interno Bruto (PIB) de crescer acima de 3% de forma sustentável. "Prova disso é que vizinhos nossos da América do Sul, como Chile, Colômbia e Peru, estão se expandindo com o dobro da taxa brasileira e a metade da inflação", sublinha.

O BC, que reduziu a taxa básica de juros (Selic) ao patamar mínimo histórico de 7,25% ao ano para estimular a economia, tem sido cada vez mais criticado por prometer manter o percentual a longo prazo, mesmo com a corrosão no poder de compra da população, sobretudo a de menor renda. As expectativas do mercado para o IPCA já estão acima do centro da meta do governo até 2017. Ainda assim, o governo insiste que a inflação vai desacelerar ao longo do ano, a partir deste mês, graças ao corte das tarifas de energia e à manutenção mais estável da cotação do dólar.

As dificuldades crescem sob um pano de fundo político. Tanto inflação em alta quanto a estagnação do PIB ameaçam a popularidade de Dilma, além de tirar credibilidade de Mantega. Isso explica por que a presidente determinou a antecipação do corte nas contas de luz, em vigor desde o último dia 24, de forma a abrir uma janela para reajustar os preços da gasolina e do diesel nas refinarias, represados justamente para não pressionar ainda mais o IPCA.

Heron do Carmo, economista da Universidade de São Paulo (USP) e um dos maiores especialistas em índices inflacionários, afirma que a demora em autorizar o aumento dos combustíveis ignorou uma regra clássica do controle de preços. "Deixar para equacionar situações com grande repercussão no IPCA só acumula distorções e torna as correções mais difíceis", observa. Para ele, o próximo risco a ser enfrentado pelo Ministério da Fazenda é prevenir impactos de quebras de safra, com políticas voltadas ao campo. "Melhor não se descuidar com cotações agrícolas", sugere.

Sem saída

Se as previsões de analistas baterem as do governo e a inflação continuar galgando mais degraus, restará ao BC, como guardião da moeda, recorrer ao velho remédio de elevar a taxa básica de juros e, eventualmente, complementar a medida com aperto nos depósitos dos bancos. Cada vez que o Comitê de Política Monetária (Copom) decide elevar a Selic, o consumidor sente os efeitos no crédito bancário e nas compras a prazo. Esse instrumento serve basicamente para desencorajar o consumo e, assim, forçar a queda da inflação pela via da redução da procura.

O caminho tradicional seria um golpe contra o trunfo pessoal de Dilma obtido com a derrubada de juros e uma virada da estratégia do BC, que, desde 2011, dá importância igual ou maior ao crescimento do PIB e à geração de emprego que ao combate à inflação. A aceleração do IPCA já forçou a presidente Dilma a estudar uma desoneração total dos produtos da cesta básica, contrariando seu próprio veto à proposta no mesmo sentido apresentado ano passado pela oposição.