Correio braziliense, n. 20913, 26/08/2020. Brasil, p. 6

 

País investiga 20 casos de reinfecção

Bruna Lima 

Maria Eduarda Cardim 

26/08/2020

 

 

Após a confirmação do primeiro caso de reinfecção pelo novo coronavírus documentado em uma publicação científica, foi aceso um sinal de alerta no mundo, com a possibilidade de mudar o entendimento da covid-19. Somente no Brasil, que completa seis meses de pandemia, há 20 suspeitas de novas infecções após os pacientes terem sido considerados curados da doença. Cientistas e pesquisadores brasileiros correm contra o tempo para responder a perguntas sobre a conclusão e como ela pode interferir na busca pela vacina.

Os casos brasileiros são investigados pelo Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), e pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), sendo 16 suspeitas em São Paulo e outras quatro, no Rio de Janeiro. A primeira apuração teve início em agosto, quando um estudo baseado no caso de uma enfermeira de 24 anos, feito pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP), concluiu que, apesar de raros, os casos de reinfecção trazem “implicações clínicas e epidemiológicas que precisam ser analisadas com cuidado pelas autoridades em saúde.”

O caso de Hong Kong foi o primeiro a ser publicado em uma revista científica, na segunda, registrando a ocorrência de uma reinfecção por diferentes tipos de linhagem pela covid-19. Ontem, casos semelhantes começaram a aparecer em outros países.

Amostra descartada

No caso da técnica de enfermagem brasileira, “não tivemos a oportunidade de fazer o mapeamento genético no primeiro teste positivo porque a amostra foi descartada. Isso nos impediu de comparar as cepas”, explica o professor da USP que anunciou o estudo nacional, Fernando Bellissimo. A partir da confirmação de reinfecção pelo mundo, a ciência tentará explicar se são casos motivados por uma mutação do vírus que engana o sistema imune das pessoas que já contraíram a doença ou se a reinfecção ocorre porque a imunidade produzida pelo novo coronavírus não dura muito tempo e o mesmo vírus pode infectar a mesma pessoa mais de uma vez. “Possivelmente, as duas coisas estão acontecendo, mas essa é uma pergunta importante que precisa ser respondida nos próximos meses”, ressalta Fernando.

Para o professor da USP, a possibilidade de reinfecção, seja por uma imunidade passageira adquirida pelos pacientes já infectados ou por uma mudança no vírus, é uma ameaça à vacina. “Se o vírus estiver sofrendo mutações pode ser que uma vacina aplicada hoje não seja efetiva daqui a seis meses. Por outro lado, se a imunidade produzida pela infecção natural não for duradoura, possivelmente, a imunidade produzida pela vacina também não vai ser”, analisa, reforçando a necessidade de testagens dos imunizantes a longo prazo.

Imunização

Na avaliação do diretor-adjunto do departamento de Emergências de Saúde da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), Sylvain Aldighieri, ainda é cedo para avaliar as consequências da reinfecção nas pesquisas em busca de uma imunização. “Não sabemos que impacto (a reinfecção) poderia ter nos planos de vacina”, afirmou, ontem, em coletiva da organização. Vice-diretor da Opas, o epidemiologista Jarbas Barbosa destacou que “temos mais de 33 milhões de casos da covid-19 e dois ou três casos de reinfecção. É preciso entender o que aconteceu e se é uma mudança no vírus ou no sistema imunológico dessas pessoas”.

O infectologista do Laboratório Exame David Urbaez, por outro lado, defendeu que a reinfecção não é um comportamento surpreendente, já que o mundo está acostumado a lidar com outros coronavírus com caráter endêmico. “É algo que poderia acontecer com qualquer doença viral nova. A reinfecção pode ser precoce, tardia, e são essas características que precisam ser explicadas. Isso traz para vigilância epidemiológica a necessidade de avaliar as reinfecções e caracterizá-las: como é a clínica, o quadro, se a reinfecção tem capacidade de transmissão. Terá de ser montada, então, toda uma máquina de epidemiologia, com dados e capacidade de sequenciamento viral.”

Apesar de as reinfecções aparentemente se manifestarem em uma incidência pequena, abre-se uma nova demanda para os pesquisadores. Em nota, a Fiocruz afirmou estar desenvolvendo pesquisas referentes à reinfecção por covid-19, “ainda em andamento e sem dados conclusivos. Assim que os resultados forem obtidos e publicados, de forma segura, a instituição irá divulgar os dados”.