Correio braziliense, n. 20913, 26/08/2020. Economia, p. 9

 

Privatização da Eletrobras nos planos do Pró-Brasil

Simone Kafruni 

26/08/2020

 

 

O megapacote de medidas sociais e econômicas Pró-Brasil, que o governo chegou a anunciar que lançaria ontem e depois voltou atrás, poderia trazer um jabuti: a privatização da Eletrobras. Aprovada pelo conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) em 2017, a desestatização da maior companhia de energia elétrica da América Latina patina desde então. No Congresso, a aprovação encontra forte resistência, por isso, entre as estratégias de tentar emplacar a capitalização da Eletrobras até diluir a participação majoritária da União, o governo estuda inverter a tramitação nas casas legislativas e iniciar o processo pelo Senado. Para os especialistas, nenhuma das alternativas será capaz de privatizar a Eletrobras em 2020.

O texto oficial do governo tramita na Câmara dos Deputados. A expectativa do Ministério de Minas e Energia (MME) era de que a capitalização rendesse R$ 16 bilhões aos cofres públicos. Porém, a exigência dos parlamentares, de a União manter uma golden share (ação especial com poder de veto) para aprovação do projeto, reduz o valor da companhia.

Segundo Mário Menel, presidente do Fórum das Associações do Setor Elétrico (Fase), houve um movimento do MME para incluir dispositivos no PL nº 5877/2019, em análise na Câmara, para facilitar sua aprovação. “O que eu temo é que o custo de aprovar seria grande, ao colocar golden share e fundos de recursos hídricos para a região Norte, com resultado pequeno. Porque tudo isso será deduzido dos R$ 16 bilhões”, explicou. O PL não continha a golden share, lembrou Menel. “Mas houve movimento de parlamentares condicionando isso à aprovação e o governo estaria disposto a voltar atrás, mas isso diminui o valor de mercado da empresa.”

Na opinião de Fabio Izidoro, sócio da área de infraestrutura do Miguel Neto Advogados, embora a desestatização da Eletrobras seja aguardada pelo mercado, colocá-la no Pró-Brasil poderia ser um tiro no pé. “As últimas movimentações legislativas nas quais o governo tentou colocar jabuti à força não deram certo. O Congresso sente-se ofendido. Só funcionaria com uma costura política muito perfeita, o que eu acho difícil neste momento”, avaliou.

Segundo Izidoro, o governo quer reduzir o deficit fiscal com a privatização da Eletrobras. “Mas, fazer algo tão delicado com pressa e resistência política, é muito complicado. Além disso, não sei se o governo tem claro o modelo que quer. Precisa definir isso. Já chegou a cogitar privatizar subsidiárias, porque não precisaria de aprovação”, lembrou. O especialista também ressaltou que iniciar a tramitação pelo Senado talvez não seja uma boa estratégia. “Matematicamente pode parecer mais fácil convencer 81 senadores do que centenas de deputados, mas o Senado derrubou o veto presidencial sobre reajuste de servidores”, recordou.

Rebuliço

Maurício Zockun, sócio do Zockun & Fleury Advogados, disse que o governo está requentando o projeto. “No fundo, não tem nada de novo. Lá no início, quando a privatização foi inserida no PPI, em 2017, o governo previa golden share. Em 2018, um pregão chegou a ser iniciado para contratar pessoas e fazer modelagem. O PL 5877 foi uma tentativa de viabilizar a alienação, sem golden share”, enumerou. “Colocar no Pró-Brasil para tentar desestatizar sem autorização legal é só para criar rebuliço”, opinou.

Apesar de não considerarem possível a aprovação ainda em 2020, os especialistas e o presidente do Fase concordam que há necessidade de privatizar a Eletrobras. Alexei Vivan, presidente da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica (ABCE) ressaltou que a empresa precisa de injeção de capital e o governo está sem dinheiro. “O Estado brasileiro não tem mais capacidade de investir, e alguns setores da economia têm condições de financiar isso para que a Eletrobras exerça, na integralidade, a sua função e importância que tem no setor elétrico do país”, disse.