Correio braziliense, n. 20913, 26/08/2020. Cidades, p. 15

 

Suposta fraude leva cúpula da saúde à prisão

Alexandre de Paula 

Ana Maria Campos 

26/08/2020

 

 

Preso preventivamente ontem, o Secretário de Saúde do Distrito Federal, Francisco Araújo Filho, é apontado pelo Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) como chefe de uma organização criminosa com poder letal. Araújo e mais seis pessoas foram alvo da segunda fase da Operação Falso Negativo, que investiga supostas irregularidades na compra de testes rápidos para a detecção da covid-19. Segundo os investigadores, Francisco liderava um esquema de direcionamento de contratos, que envolvia a cúpula da pasta, com “provas contundentes” dos crimes de fraude à licitação, lavagem de dinheiro, contra a ordem econômica (cartel), organização criminosa, corrupção ativa e passiva, com o consequente prejuízo de mais de R$ 18 milhões aos cofres públicos.

Também foram alvo da operação o ex-secretário adjunto de Assistência à Saúde Ricardo Tavares Mendes; o subsecretário de Vigilância à Saúde, Eduardo Hage Carmo; o secretário adjunto de Gestão em Saúde, Eduardo Seara Machado Pojo do Rego; o assessor especial da Secretaria de Saúde Ramon Santana Lopes Azevedo; o diretor do Laboratório Central do DF (Lacen), Jorge Antônio Chamon Júnior; e o subsecretário de administração-geral da Secretaria de Saúde, Iohan Andrade Struck. Todos os investigados foram afastados pelo governador Ibaneis Rocha (MDB) ontem.

Na decisão que atendeu aos pedidos de prisão preventiva feitos pelos promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e a Procuradoria-Geral de Justiça do DF, o desembargador Humberto Adjuto Ulhôa, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), descreveu: “Os elementos de informação dão conta de que os crimes foram praticados de modo coordenado e cada integrante com seu papel bem delineado, típico de organização criminosa, devidamente estruturada e compartimentada”.

Em conluio com empresas previamente escolhidas que ofertaram produtos superfaturados, o grupo usava, de acordo com o MPDFT, as facilidades da nova legislação, que garante agilidade na compra de produtos e serviços do combate à covid-19 para “consolidar a trama de desvio de dinheiro público”. A ação em dois processos de compra de testes rápidos é detalhada pelos promotores.

O primeiro caso refere-se a contrato firmado entre a Secretaria de Saúde e a empresa de brinquedos temáticos Luna Park para a compra de 100 mil testes rápidos para a covid-19, no qual há fortes indícios de direcionamento, com a escolha antecipada da empresa vencedora, que tinha o maior preço, pelo secretário de Saúde Francisco Araújo Filho, de acordo com a investigação do MPDFT. Todo o processo, com dispensa de licitação, tramitou em dois dias, e o prazo fixado para a entrega de mercadoria, considerado irrisório pelos promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e a Procuradoria-geral de Justiça do DF, foi de um dia. Segundo a apuração, o projeto básico foi analisado e aprovado em questão de minutos. As empresas, oficialmente, tiveram acesso a ele com pouco mais de quatro horas para o fim do prazo para entrega de propostas e documentação.

Sem informação

O prazo reduzido para todo o processo restringiu, segundo o MPDFT, a participação de eventuais concorrentes e garantiu o direcionamento do certame. Das cinco propostas apresentadas, em quatro não há referência ao e-mail encaminhado para participação do processo. Conversas de WhatsApp mostram que propostas foram encaminhadas diretamente aos integrantes do suposto esquema, e eles a inseriram no processo administrativo. A empresa vencedora, Luna Park, não informou sequer a marca dos produtos que seriam encaminhados e apresentou o maior preço (R$ 180 por teste). O valor total era de R$ 16,2 milhões.

O outro caso tem relação com o processo de contratação para testagem no formato drive-thru. Em mensagens obtidas pelos investigadores no celular do diretor do Lacen-DF, Jorge Chamon, o secretário de Saúde, Francisco Araújo, encaminhou o projeto básico para a contratação. O arquivo, segundo a apuração, teria sido encaminhado ao secretário pela coordenadora de licitações da própria empresa. Assim como no caso da Luna Park, foram fixados prazos curtos, o que possibilitaria o direcionamento do certame. Depois, houve um aditivo contratual, que, afirma o MPDFT, foi feito sem avaliação da qualidade dos testes e sem informação que comprovasse a eficácia dos testes.

Os acusados

» Francisco Araújo, secretário de Saúde

» Ricardo Tavares Mendes, ex-secretário adjunto de Assistência à Saúde

» Eduardo Hage Carmo, subsecretário de Vigilância à Saúde

» Eduardo Seara Machado Pojo do Rego, secretário adjunto de Gestão em Saúde

» Ramon Santana Lopes Azevedo, assessor especial da Secretaria de Saúde

» Jorge Antônio Chamon Júnior, diretor do Laboratório Central do DF (Lacen)

» Iohan Andrade Struck, subsecretário de administração-geral da Secretaria de Saúde