O Estado de São Paulo, n.46268, 21/06/2020. Política, p.A6

 

Por que eles querem cassar o mandato de Jair Bolsonaro?

Vinícius Valfré

21/06/2020

 

 

Ao todo, 48 pedidos de impeachment foram apresentados; maioria é por participação do presidente em atos antidemocráticos

Uma crise toda semana. Foi com esse argumento que uma economista, uma dona de casa e um servidor público protocolaram na Câmara dos Deputados, no dia 19 de março, um pedido de impeachment do presidente Jair Bolsonaro. Nas 39 páginas da petição são apresentadas notícias e declarações que, para os autores do documento, significam ameaças à democracia e à liberdade de imprensa, abuso de poder e até quebra de decoro do chefe do Executivo.

A petição é assinada pela economista Neide Rabelo de Souza, a mãe dela e o irmão. Neide e sua família integram a lista dos 48 pedidos de impeachment registrados contra Bolsonaro, nos últimos meses, à espera de um despacho do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Desse total, 24 se referem à participação do presidente em manifestações antidemocráticas, ou à defesa feita por ele do golpe de 1964, como atitude passível de enquadramento em crime de responsabilidade.

O Supremo Tribunal Federal (STF) abriu inquérito para investigar quem financia esses protestos, que pregam intervenção militar e fechamento do Congresso e da Corte. O presidente, porém, embora tenha participado de sete manifestações, não é alvo.

Além das 24 solicitações de afastamento que têm como alvo o envolvimento de Bolsonaro em atos contrários aos alicerces da democracia, outras 20 sustentam que ele cometeu crime de responsabilidade por pregar o descumprimento da quarentena na pandemia do coronavírus, tratando com descaso a doença que já matou quase 50 mil pessoas no País. O número de pedidos de impeachment disparou com o início da pandemia. Até fevereiro deste ano foram sete. Depois disso, quando começam as manifestações e a crise na saúde, outros 41 foram protocolados, o que dá um pedido a cada dois dias e meio de março até hoje.

“O mandato do presidente Bolsonaro está sendo atípico. É notável que em sua gestão ocorrem percalços significantes e crises no âmbito nacional e internacional, toda semana, seja pela forma como o presidente e sua equipe se relacionam entre si (como) com integrantes dos poderes Legislativo e Judiciário e a sociedade”, diz a peça subscrita pela economista Neide.

Nos escaninhos da Câmara, chama a atenção, ainda, um pedido de impeachment escrito a mão por um detento de São Paulo. Em quatro páginas, João Pedro Bória Caiado de Castro diz que o comportamento do presidente no tocante à pandemia, deixou de ser tão somente “hilário”, mas passou a ser “criminoso e ofensivo” à vida de milhares de cidadãos. “As ‘piadinhas’ infames e omissões, bem como comportamentos absurdos e criminosos, precisam de resposta”, insistiu.

Freud. Nem mesmo Sigmund Freud, o pai da psicanálise, foi esquecido nas petições para afastar Bolsonaro. Em uma denúncia também protocolada em março, quatro advogados liderados por Bruno Espiñeira – um criminalista da Bahia – argumentam que a circulação do presidente por Brasília, na condição de caso suspeito de infecção pelo coronavírus, é uma “ameaça à segurança do Brasil”, algo também previsto na lei de crimes de responsabilidade.

“Em rasa leitura de Freud, como parece não ter resolvido suas fases oral e anal, se apresenta carregado de pulsões de morte. Adora e incentiva o confronto e o conflito, jamais trazendo um minuto de paz que seja à sociedade, permanentemente tensa com a nova asneira do dia seguinte”, descreve a petição.

Até agora, o pedido de impeachment mais robusto foi apresentado no fim de maio por partidos de oposição. Assinam a peça líderes do PT, PC do B, PSOL, PCB, PCO, PSTU e UP, além de representantes de mais de 400 entidades e movimentos sociais críticos a Bolsonaro, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Mesmo assim, nos bastidores, adversários do presidente avaliam que somente após o fim da pandemia um processo dessa envergadura poderá sair do papel.

Rodrigo Maia tem dito, por sua vez, que é preciso cautela para não agravar a crise política e criar mais conflitos. “Não podemos por mais lenha na fogueira”, afirmou ele, recentemente.

Na prática, o número de pedidos de impeachment contra Bolsonaro teve aumento expressivo a partir de março, quando a Câmara adotou o atendimento virtual, por causa da covid-19. Das 48 petições pela deposição do presidente, 85% foram protocoladas pela internet.

Com 998 páginas, um documento do Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero exibiu um compêndio do que classifica como atuação contra a honra e o decoro. “A conduta de Jair Messias Bolsonaro na condição de presidente da República despreza limites vitais do exercício de seu cargo, mediante sua verborragia injuriosa sem filtro”, diz o texto.

Até hoje, um único pedido de impeachment contra Bolsonaro – o primeiro de todos, em fevereiro de 2019 – foi arquivado. Escrito a mão pelo autônomo Antonio Jocelio, acusava o presidente de manter o País “refém da dívida pública”. Detalhe: Jocelio estendia o pedido de afastamento aos chefes dos outros Poderes. Por “omissão”.