O Estado de São Paulo, n.46268, 21/06/2020. Política, p.A10

 

Bolsonarismo consegue resistir ao coronavírus?

Carlos pereira

Amanda Medeiros

Frederico Bertholini

21/06/2020

 

 

Eventos como a pandemia podem estremecer apoio ao presidente, principalmente, nos eleitores que perderam parentes ou amigos

Já se passaram quase 90 dias desde que as medidas de isolamento social tiveram início. Após esses três meses distante de amigos, familiares, trabalho e escola, seria mais do que natural observar sinais de cansaço com o distanciamento social.

Para piorar a situação, muitos brasileiros perderam o emprego e vários empresários têm sofrido enormes prejuízos financeiros, com riscos reais de quebra de seus negócios. O IBRE FGV estima uma redução em torno de 10% da atividade econômica nesse período. A projeção para o PIB deste ano é de -6,4% e do desemprego é de 18,7%.

Diante deste cenário, era de se esperar redução drástica do apoio da população às medidas de isolamento social. Entretanto, de forma muito similar aos resultados obtidos na primeira rodada da pesquisa de opinião (realizada entre 28/3 e 4/4), a segunda rodada da pesquisa, também realizada com o apoio do Estadão entre 28/5 a 5/6, mostrou que a maioria dos brasileiros (82% da nossa amostra de 7.020 pessoas em todos os estados brasileiros) continua a dar apoio total ou parcial ao isolamento social.

A maior parte dos respondentes de esquerda, centro-esquerda e centro continuam sendo favoráveis ao isolamento social. A avaliação do desempenho do presidente na pandemia foi ainda mais negativa entre esses eleitores. Os respondentes de centro-direita também aumentaram o apoio ao isolamento e passaram a avaliar ainda mais negativamente o desempenho de Bolsonaro. Por outro lado, os eleitores de direita reduziram expressivamente o apoio ao isolamento e reduziram a avaliação negativa da performance de Bolsonaro.

Com exceção de uma parcela dos eleitores de direita, a polarização política parece ter enfraquecido no Brasil com a covid-19. A maioria dos eleitores da centro-direita e segmentos expressivos da direita apoiam o isolamento social e têm um posicionamento crítico à performance de Bolsonaro durante a pandemia.

Que “direita” é essa?. Sugerimos a existência de dois grupos principais de eleitores de Bolsonaro. Um grupo, que denominamos de identitários, seria mais orgânico/coeso e ofertaria suporte ao governo porque acredita no projeto político e nos valores conservadores do presidente. O outro grupo, denominado pragmático, ofertaria um apoio mais circunstancial ao governo na medida em que Bolsonaro fosse capaz de proporcionar o que lhes interessa: políticas econômicas liberais, combate à corrupção e contenção do petismo.

Para examinar mais de perto as diferenças nesses, convidamos os respondentes a escolher entre quatro pares de candidatos hipotéticos à Presidência em 2022, cada um deles representando agendas polares: 1. Visão de mundo (conservadora com apego a valores morais e da família vs. Progressista com ênfase nos direitos das minorias); 2. Pauta (inclusão social vs. combate à corrupção); 3. Política econômica (desenvolvimentista vs. liberal); e 4. Partidos (proposta de governar com ou sem aliança com os partidos políticos).

Os eleitores de centro-direita e de direita que avaliam positivamente a performance do presidente valorizam mais a pauta de costumes e são bastante conservadores. Preferem que seu candidato à Presidência em 2022 governe sem alianças com os partidos, priorize a luta contra a corrupção, defenda uma menor participação do estado na economia e lute a favor de valores conservadores baseados na moral e na família. Aqueles que o avaliam mal são menos extremos em todas as dimensões e valorizam as políticas econômicas liberais acima de qualquer outro aspecto.

Como seria o comportamento eleitoral dos respondentes que se autodenominam de centro-direita e direita na eleição em 2022? Consolidamos as respostas em três grupos: 1. Com certeza ou muito provavelmente votaria em Bolsonaro; 2. Reelegeria o presidente para evitar a vitória o PT ou de outro candidato de esquerda; e 3. Não votaria em Bolsonaro de jeito nenhum.

A maioria dos eleitores votaria em Bolsonaro seja por convicção identitária (38%), seja por pragmatismo estratégico para evitar a vitória da esquerda (40%). O maior contingente desses eleitores, especialmente os identitários convictos, são conservadores nos costumes e a favor de uma menor presença do Estado na economia. Os que votariam em Bolsonaro para evitar a esquerda, respondentes mais progressistas, preferem candidatos que defendam os direitos de minorias a pautas morais e familiares. Já os eleitores de centro-direita e de direita que apresentam uma maior rejeição a Bolsonaro (22%) são majoritariamente progressistas nos valores e costumes e liberais na economia.

“Medo da morte” vs. identidade: quem ganha?. Na primeira rodada da pesquisa identificamos que a proximidade dos respondentes a pessoas contaminadas pelo novo coronavírus (medo da morte) aumentava o apoio de eleitores de centro-direita e de direita ao isolamento social. Além disso, o medo da morte atenuava as expectativas de prejuízos financeiros como decorrência da diminuição da atividade econômica.

A proporção de pessoas que declaram conhecer alguém infectado pela covid-19 aumentou substancialmente em relação aos dados coletados na primeira rodada. Era de aproximadamente 35% (17% desenvolveram a covid-19 no estágio leve e 18% no estágio mais grave, dos quais 7% vieram a óbito). Já na segunda rodada, o medo da morte subiu para 71% (32% no estágio leve e 39% no estágio mais grave, dos quais 20% vieram a falecer).

Será que a maior exposição a casos de covid-19 interfere na decisão de voto dos eleitores de centro-direita e direita para presidente? Estimamos o impacto da proximidade de pessoas contaminadas pela deonça na probabilidade de eleitores conservadores votarem em Bolsonaro nas eleições de 2022.

Os resultados sugerem que a proximidade do “medo da morte” e a expectativa de prejuízo econômico reduzem significativamente as chances desses eleitores votarem em Bolsonaro em 2022. Por outro lado, quanto mais conservador e antipartido forem esses eleitores, maiores serão as chances de votarem na reeleição do presidente. Embora essas variáveis tenham efeitos opostos, o impacto substantivo de ser conservador é muito maior do que o medo da morte. Em outras palavras, ter proximidade com alguém que morreu de covid-19 reduz em torno de 20% as chances do eleitor de direita e centro-direita votar em Bolsonaro. Contudo, possuir a identidade conservadora com o presidente pode garantir quase 90% de apoio desse eleitor à reeleição do capitão reformado do Exército.

Esses resultados sugerem que a identidade que as pessoas desenvolvem com um determinado grupo gera um senso de pertencimento e de segurança para os membros do grupo. Por esse motivo, as pessoas tendem a usar suas identidades como lentes protetoras que reduzem as chances de os valores do grupo serem reavaliados. Como já amplamente documentado na literatura de psicologia social, fortes vínculos identitários ativam os igualmente fortes mecanismos psicológicos de defesa, distorcendo, evitando e/ou negando informações factuais que ameaçam a identidade social do indivíduo, e nesse caso, do eleitor.

Contudo, alguns eventos, como a pandemia, exercem tamanha influência sobre a vida dos indivíduos, que membros do grupo, especialmente os menos identitários, podem ver suas crenças abaladas. Ou seja, conexões identitárias podem não ser mais suficientes para justificar a aderência do indivíduo ao grupo, tornando-se maleáveis. Nesses momentos, os custos de mudança diminuem e, com isso, aumentam sensivelmente as chances de alguns membros pragmáticos do grupo desgarrarem ao considerar outras alternativas eleitorais.

CARLOS PEREIRA, PROFESSOR TITULAR, FGV EBAPE, RIO DE JANEIRO

AMANDA MEDEIROS, PROFESSORA, FGV EBAPE, RIO DE JANEIRO

FREDERICO BERTHOLINI, PROFESSOR ADJUNTO, DEP. CIÊNCIA POLÍTICA UNB