Correio braziliense, n. 20915, 28/08/2020. Economia, p. 6

 

Renda Brasil: custo ainda é impasse

Rosana Hessel 

Marina Barbosa 

28/08/2020

 

 

As dúvidas sobre as fontes de recursos para financiar o Renda Brasil continuam. O presidente Jair Bolsonaro exigiu que o ministro da Economia, Paulo Guedes, apresente, hoje, novas opções de financiamento para o programa que vai substituir o Bolsa Família, sem eliminar o abono salarial. Além disso, quer um valor maior do benefício do que os R$ 247 previstos anteriormente. Até ontem à noite, contudo, a nova proposta não estava concluída pela equipe econômica e não havia certeza entre os técnicos se ficaria pronta hoje.

O ganho de popularidade com o auxílio emergencial de R$ 600 animou Bolsonaro a criar um programa social robusto para pavimentar a reeleição em 2022. Conseguir recursos para o Renda Brasil, no entanto, não está sendo fácil para Guedes. O ministro está caçando migalhas em um Orçamento com a maioria das despesas carimbadas e corre o risco de descumprir o teto de gastos, âncora fiscal que proporcionou a redução dos juros básicos ao menor patamar da história.

O ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, reconheceu, ontem, que o governo “tem uma equação bem difícil para tentar fazer o ajuste” e que, por isso, corre o risco de não apresentar o Renda Brasil tão rápido quanto imaginava. Segundo Onyx, há dois cenários possíveis: aliar o auxílio emergencial e o Renda Brasil em um processo de transição planejado nos próximos meses ou garantir o pagamento do auxílio até o fim do ano e deixar o Renda Brasil para depois, “quando houver consenso sobre o custo e o financiamento do programa”. Ontem, havia uma expectativa de se definir em R$ 300 o auxílio emergencial a ser pago até dezembro. 

O Renda Brasil e o Plano Pró-Brasil, que seriam anunciados na última terça-feira, vão na contramão da promessa de campanha de respeitar a regra do teto e de melhorar a qualidade do gasto público, lembram analistas. Eles reconhecem a necessidade de um programa para socorrer os mais vulneráveis, mas recomendam responsabilidade fiscal na empreitada. Ainda lembram que a suspeita do Tribunal de Contas da União de fraudes de mais de R$ 40 bilhões no auxílio emergencial, por exemplo, só comprova que “o governo gasta muito e mal” e precisa tapar os ralos.

Deduções do IR

Há risco, porém, de que o contribuinte seja novamente chamado para pagar a conta. “Há duas alternativas: aumento de receita, ou seja, de imposto, ou corte de despesa, de preferência, as permanentes, para não comprometer o teto de gastos”, afirmou Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado.

A equipe econômica passou o dia fazendo cálculos ontem. Entre as opções avaliadas está o fim das deduções do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF), como saúde e educação. As estimativas iniciais para este ano eram de R$ 56,6 bilhões de renúncia nessa rubrica, mas o valor não é totalmente garantido. Salto, da IFI, lembrou que o fim das deduções do IR pode ajudar o governo a encontrar recursos para o programa, “mas não resolve o problema do teto, pois é um gasto que não está sujeito à regra”.

Conforme cálculos feitos pelo economista Fábio Klein, da Tendências Consultoria, se o benefício do Renda Brasil passar de R$ 247 para R$ 350, considerando um universo de 21 milhões de famílias, o custo total do programa passará de R$ 73,5 bilhões para R$ 88,2 bilhões por ano. Excluindo o Bolsa Família, a necessidade de financiamento será de R$ 31,1 bilhões e R$ 57 bilhões, respectivamente. “O governo vai estourar o teto de gastos se não houver cortes proporcionais de despesa com o novo programa”, alertou. Segundo ele, o abono salarial custa R$ 17 bilhões por ano e, junto com o salário família, de R$ 3,3 bilhões, gerando recursos que não cobrem a diferença para o Bolsa, mesmo se o benefício for de R$ 247.