Título: Ferrovias monitoradas
Autor: Fonseca, Marcelo da
Fonte: Correio Braziliense, 11/02/2013, Tecnologia, p. 14

Estudo da PUC Minas desenvolve software para monitorar trens durante as viagens. O programa permitirá controlar a velocidade dos comboios, apontar a localização da composição e fazer paradas programadas

O sistema ferroviário brasileiro ficou por muitas décadas esquecido. Espalhados por vários estados, em meio ao mato e ao lixo acumulado com o tempo, estão quilômetros de trilhos abandonados. No entanto, a retomada desse transporte está a todo vapor, movimentando empresários e pesquisadores. A promessa feita no ano passado pelo governo federal, de que em cinco anos serão gastos mais de R$ 50 bilhões para recuperar linhas já existentes e construir novos trechos, reacendeu a expectativa de empresas ligadas ao setor e trouxe à tona a necessidade de incorporar tecnologia de ponta no modal ferroviário. Em busca de avanços para garantir maior segurança e economia no transporte de cargas, estudantes do curso de engenharia de controle e automação da PUC Minas estudam formas de monitorar trens. A pesquisa Condução autônoma de locomotivas reflete bem as demandas por inovações no modelo ferroviário, procurando formas de usar sistemas via satélite para acompanhar cada metro dos trilhos brasileiros.

Ainda que os custos do transporte ferroviário sejam menores em relação ao transporte rodoviário e que o número de acidentes tenha caído quase 80% nos últimos 10 anos — segundo o último relatório da Confederação Nacional do Transporte (CNT), o índice médio de acidentes registrados em 2010 a cada milhão de quilômetros percorridos por locomotivas em território nacional foi de 16,1, contra 75,5 registrados em 1997 —, a busca por estratégias para aprimorar esse tipo de condução se torna cada vez maior entre empresas exportadoras. A ferramenta estudada pelos engenheiros mineiros pretende criar uma forma de otimizar o acompanhamento dos trens e evitar que falhas humanas tenham grande impacto no trajeto.

Em uma viagem simulada, as locomotivas terão a velocidade controlada em função de seu posicionamento global (GPS) e paradas programadas em lugares estratégicos definidos pelo sistema. Por meio de um software que receberá dados sobre as variáveis da condução, serão elaborados gráficos com características do perfil de cada trecho das vias percorridas. Funcionário da empresa Vale, principal exportadora de minério do país, e integrante do grupo que realiza a pesquisa, Luis Gustavo Caixeta explica que é comum aparecerem surpresas para os maquinistas ao longo do caminho, o que faz com que os trens precisem parar rapidamente. “Principalmente em períodos chuvosos, com quedas de barreiras ou outras ações da natureza que não temos como prever, é importante conhecermos as características dos trechos e criar formas mais eficazes de acompanhar a locomotiva”, diz.

A variação da velocidade das máquinas ao longo do percurso também será acompanhada, permitindo que, em alguns trechos, sejam feitas frenagens e alterações na potência de cada motor. “Um dos problemas para empresas que usam o transporte de carga via ferrovias está relacionado à restrição da velocidade ao longo de alguns trechos. Por causa de desníveis, subidas mais fortes ou descidas longas, o maquinista tem sempre que reduzir a velocidade a até 30km/h. Essas mudanças constantes podem causar acidentes”, explica Caixeta. Mas, mesmo que a nova ferramenta seja eficaz no monitoramento via satélite das locomotivas, os maquinistas continuarão com lugar garantido à frente dos comboios. Isso porque casos de emergência ao longo do percurso, como quedas de barreiras e objetos nos trilhos, ainda dependem da prática profissional na condução dos trens.

Mais barato Ao anunciar as pretensões do governo federal de ampliar os investimentos no setor, o presidente executivo da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Rodrigo Vilaça, destacou a necessidade de mais investimentos também na busca por novas opções tecnológicas para o modal.

“Temos um horizonte de 10 anos de execução de obras, em que será necessário formar uma nova geração ferroviária, que saiba trabalhar com as novas tecnologias e equipamentos”, afirmou. E a busca por avanços passa obrigatoriamente por pesquisas acadêmicas, que são aos poucos incorporadas pelo setor privado.

Inicialmente, o projeto da PUC Minas prevê apenas as simulações das viagens, mas o interesse em aplicar tais conhecimentos na prática está movimentando cada vez mais as pesquisas ligadas ao transporte ferroviário. Um dos aspectos que desperta grande interesse do setor privado no estudo é a possibilidade de reduzir os gastos com combustíveis durante as viagens.

“A questão da economia também entra nos objetivos de criar novas tecnologias para o transporte ferroviário. Quando a locomotiva está descendo longos trechos, por exemplo, nem todos os motores precisam estar ligados, mas o maquinista não tem como controlar manualmente esse tipo de função. Dessa forma, desperdiçamos diesel, sem motivo”, exemplifica Caixeta.

Três perguntas para André Mello,Gerente de Análise de Projetos Ferroviários da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT)

As pesquisas para desenvolvimento de novas tecnologias na área do transporte ferroviário vem crescendo no Brasil nos últimos anos. Como a ANTT faz para acompanhar esses estudos? Existe algum apoio do poder público? Só recentemente voltamos a estruturar nossa atuação na área de inovação. Ficávamos sempre esperando a atuação das concessionárias (empresas com licença para usar as linhas), que estão mais à frente nas pesquisas e na busca por melhorias no transporte ferroviário. Agora, temos um foco e, a partir da regulação das regras, podemos acompanhar o que está sendo desenvolvido no setor privado. É uma área de engenharia que precisa ter como objetivo padronizar o que está sendo levado do campo teórico para o prático, sem barrar a criatividade das concessionárias. Hoje, o contrato com as empresas ainda é restrito na questão de regras para investimentos mínimos em pesquisas. Nas próximas concessões, já vigentes para os próximos contratos fechados entre o governo e o setor privado, teremos normas definidas para garantir os gastos com inovação. Será uma forma de incentivar os trabalhos acadêmicos e dos centros de pesquisas.

Que tipo de tecnologia pode ser apontada como mais apropriada para garantir eficiência e segurança no transporte ferroviário? Temos novidades interessantes na aplicação de novas ferramentas de comunicação para acompanhar os trens. O uso de meios via satélite e fibra ótica está avançando cada vez mais. Eles podem ser usados para evitar problemas durante o trajeto. Em alguns países, esses sistemas têm demonstrado bons resultados. Mas é importante ressaltar que o uso dessas inovações precisa ser feito de forma padronizada. Não adianta termos uma ferrovia com tecnologia de ponta em um determinado trecho do país e outros com poucas condições de implementá-las, uma vez que a locomotiva que vai percorrer diferentes trechos será a mesma e precisamos viabilizar também o avanço em várias regiões. Caso contrário, as inovações têm pouca utilidade prática.

Esse tipo de tecnologia será usado também para o transporte de passageiro ou ficará restrito ao transporte de cargas? Estamos focando muito no transporte de cargas, que hoje é o mais usado nas ferrovias nacionais. Mas a tendência é inverter um pouco para atender também o transporte de passageiros. Essa mudança, no entanto, exigirá uma atuação muito intensa do governo, já que o (transporte) de passageiros não é tão rentável como o de carga. Será preciso algum tipo de subsídio por parte do poder público para que as melhorias compensem. O governo já tem tomado a iniciativa de apresentar projetos para novos trechos com trens de passageiros, mas na área técnica sempre alertamos que alguém terá que pagar essa conta. Se não tivermos um veículo ferroviário de alta velocidade, segurança e com preços viáveis para o usuário, as pessoas vão continuar optando pelas estradas.