Correio braziliense, n. 20915, 28/08/2020. Mundo, p. 10

 

Biden acusa Trump de incitar violência

Rodrigo Craveiro 

28/08/2020

 

 

A 68 dias das eleições e a poucas horas do discurso do presidente na Convenção Nacional Republicana, Joe Biden — candidato democrata à Casa Branca — acusou Donald Trump de estimular o medo e o caos a fim de obter ganhos políticos. Em entrevistas às emissoras MSNBC e CNN, ontem, o adversário disse que o magnata “torce” pela violência antirracial que sacudiu Kenosha, no estado de Wisconsin, depois que o cidadão negro Jacob Blake, 29 anos, foi atingido por sete tiros nas costas disparados pelo policial branco Rusten Sheskey, no domingo. “Ele (Trump) torce por mais violência, não por menos. E ele é claro sobre isso. O que faz é colocar mais gasolina no fogo”, afirmou à MSNBC.

Biden sustentou a retórica ao citar uma declaração feita por Kellyanne Conway à TV Fox News. “Quanto mais caos, anarquia e vandalismo reinarem, mais clara será a escolha sobre quem é o melhor sobre segurança pública, lei e ordem”, comentou a assessora demissionária. Pouco depois, Biden repetiu à CNN que “esses caras torcem pela violência”. Ele criticou a estratégia de Trump de desviar o foco. “Se você quer falar sobre segurança, olhe para o maior problema de segurança do país: pessoas morrendo com a covid-19. Mais pessoas morreram sob a supervisão deste presidente do que em qualquer momento da história americana, em uma base diária. E o que ele está fazendo sobre isso?”,  provocou.  

À noite, Biden anunciou que fará campanha presencial nos estados-chave. “Viajarei pelo país. Irei aonde for possível, respeitando as regras dos estados” sobre distanciamento social. O democrata citou Wisconsin, Minnesota, Pensilvânia e Arizona. Na quarta-feira, o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, alertou que “Biden não vai ser outra coisa que um cavalo de Troia da esquerda radical” e advertiu que os americanos correrão perigo, em caso de vitória democrata. Trump insiste em ser o “presidente da lei e da ordem” e, em vez de atacar o racismo, classifica os ativistas como “anarquistas”. Esse foi um dos motes do discurso de encerramento da Convenção Nacional Republicana e de aceitação da indicação à reeleição. 

O vizinho que flagrou a tentativa de assassinato contra Jacob Blake contou ao Correio que a vítima corre risco de morrer. “A coluna vertebral de Jacob foi dividida em duas. Houve fraturas nas costelas e danos aos rins. A maior parte do estômago e do intestino delgado teve de ser removida. Além disso, ele está paraplégico”, disse Raysean White, 22 anos, cujo vídeo viralizou na internet e ampliou a revolta popular. Ele vê as manifestações nos EUA como uma resposta natural. “Os negros, como eu, reagem de acordo com seus sentimentos. O policial que disparou contra Jacob precisa ir para a cadeia. E os policiais têm de parar de atirar em homens negros desarmados. Essa raiva vai se espalhar ainda mais pelo país.” Raysean disse que Trump apoia supremacistas brancos.

Confronto

Pamela E. Oliver (Leia Palavra de especialista), professora emérita de sociologia da Universidade de Wisconsin-Madison, afirmou ao Correio que, apesar da queda no número de participantes desde junho, cada vez mais cidades aderem a protestos contra a polícia. “Isso inclui muitas comunidades predominantemente brancas, onde as pessoas marcham em solidariedade. Há um nível extremamente alto de preocupação com o tema. As imagens de policiais baleando e espancando pessoas tornaram-se comuns.” Segundo a estudiosa, a revolta antirracista atingiu proporções “gigantescas”. “A questão é o que ocorrerá depois. O tema da violência policial, especialmente dirigida aos negros, é muito sério. Os EUA também registram altos índices de abordagem e de detenções de cidadãos negros. As tensões e as privações causadas pela covid-19 e pela crise econômica também influenciam.”

Ela acrescenta que forças policiais adotaram uma postura confrontacional em relação a manifestantes enraivecidos, porém, não violentos, o que potencializou a ira. Pamela culpa supremacistas brancos e simpatizantes de Trump. “Antes do assassinato de George Floyd, houve protestos contra medidas restritivas impostas na pandemia. Tais atos foram encabeçados por brancos armados com fuzis, que buscavam intimidar políticos, encorajados por simpatizantes de Trump. Essas pessoas têm uma agenda ampla de intimidar opositores e, agora, voltaram a atenção contra manifestantes negros antipoliciais”, concluiu a professora de Wisconsin.

Frase

“Ele (Trump) torce por mais violência, não por menos. E ele é claro sobre isso. O que faz é colocar mais gasolina no fogo”

Joe Biden, candidato do Partido Democrata à Presidência dos Estados Unidos

Palavra de especialista

Manipulação da política

“A cura das feridas raciais nos Estados Unidos será algo muito difícil, pois o país tem uma longa história de racismo associada à expropriação de terras indígenas e à escravidão negra. Os EUA nunca fizeram reparações, e a discriminação racial continua, reforçada pelo policiamento agressivo e racista. Estudiosos sabem que o conflito entre grupos étnicos e raciais é frequentemente fomentado pelos políticos, que buscam vantagem em fazer com que um grupo tema outros. Os partidos políticos nos EUA tornaram-se um tanto divididos em linhas raciais. A maioria (55% a 60%) dos cidadãos brancos vota nos republicanos, contra apenas 10% dos negros e talvez um terço dos latinos e asiáticos.

À medida que a composição racial dos EUA muda, os brancos tornam-se, a cada ano, a menor parte do eleitorado. Nas últimas cinco décadas, o Partido Republicano empregou o que é chamado de ‘Estratégia do Sul’ de atrair apenas eleitores brancos e, de forma implícita, encorajar medo e ressentimento contra os negros e outras minorias. O presidente Donald Trump mantém essas políticas e as intensifica, com ataques abertos a imigrantes e a sinalização de apoio a grupos nacionalistas brancos.”

Pamela E. Oliver, professora emérita de sociologia da Universidade de Wisconsin-Madison

Barbárie e indignação

Entenda o que motivou a mais recente onda de protestos contra o racismo nos Estados Unidos

Domingo, 23 de agosto

• Por volta das 17h15 (18h15 em Brasília), Jacob Blake, 29 anos, é baleado sete vezes, nas costas, por um policial de Kenosha (Wisconsin). O atentado ocorre quando Blake tenta entrar no carro, onde seus filhos — de 8, 5 e 3 anos — aguardam-no.

Segunda-feira, 24

• Protestos violentos irrompem pela cidade. Manifestantes incendeiam três caminhões de lixo, usados como barricada. Vários prédios são destruídos e saqueados. Os ativistas também ateiam fogo a outros veículos, nas ruas de Kenosha .

Terça-feira, 25

• Novos confrontos. Pessoas armadas que se identificam como “milícia” vigiam lojas. Kyle Rittenhouse, branco de 17 anos, é flagrado pedindo água à polícia. Também aparece, em vídeo, ao celular: “Atirei em alguém”. Nos incidentes, duas pessoas são mortas a tiros.

Quarta-feira, 26

• Kyle é preso em Antioch (Illinois) e indiciado por homicídio. Blake perde os movimentos da cintura para baixo. Autoridades identificam o policial responsável pelos sete disparos como Rusten Sheskey. A polícia diz ter encontrado uma faca no carro de Blake.