Correio braziliense, n. 20916, 29/08/2020. Colunas, p. 4

 

Nas entrelinhas: Witzel no cadafalso

Carlos Alexandre de Souza

29/08/2020

 

 

Na sexta-feira passada, o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (MDB) foi condenado mais uma vez. Pela décima quarta vez. O juiz federal Marcelo Bretas, da 7ª Vara Criminal do Rio, determinou ao ex-inquilino do Palácio Guanabara uma pena de 11 anos e dez meses de prisão pelo crime de corrupção passiva. Com a decisão, Sérgio Cabral acumula mais de 294 anos de condenação em cárcere, tal a quantidade de ilícitos cometidos na relação com empresários marcada por propinas e a certeza da impunidade. Cabral está preso desde 2016, mas não ficou sozinho. Recebeu a companhia de outros quatro ex-governadores – Luiz Fernando Pezão, Anthony Garotinho, Rosinha Garotinho e Moreira Franco –, encarcerados em diferentes períodos, sob acusação de envolvimento em delitos de ordem penal e eleitoral.

Wilson Witzel caminha para fazer parte dessa galeria pouco ilustre. O afastamento de 180 dias e a autorização para prosseguimento do processo de impeachment praticamente aniquilam qualquer pretensão política do juiz que ganhou o voto dos eleitores fluminenses com o discurso de combate à corrupção. De outsider da política a alvo de uma investigação federal, Witzel viu-se envolvido em uma teia criminosa que insiste em contaminar os Poderes públicos fluminenses. A operação deflagrada, ontem, pela Polícia Federal atinge não apenas o governador, como também o vice-governador e o presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Afora a cúpula do Executivo e do Legislativo, a Polícia Federal investiga a ação do presidente nacional do PSC, partido de Witzel, um ex-prefeito de Volta Redonda e um desembargador do Tribunal Regional do Trabalho. O teor das acusações, descritas pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça Benedito Gonçalves, demonstra a gravidade do nível de corrupção incrustado no estado fluminense. Segundo o magistrado, trata-se de “sofisticada organização criminosa, composta por, pelo menos, três grupos de poder, encabeçada pelo governador Wilson Witzel”.

Independentemente do destino de Witzel, as investigações em curso no Rio de Janeiro indicam que o estado não conseguiu se recuperar da corrupção pandêmica. Para utilizar uma expressão cunhada pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, observa-se um quadro de “metástase institucional” no Rio de Janeiro. Sucessivos administradores fracassaram no dever de conduzir uma gestão transparente, em conformidade com a lei, tornando extremamente frágil a situação política, econômica e social do estado. O Rio de Janeiro tem diversos significados para o país: ex-capital federal, referência internacional da cultura brasileira, polo importante da indústria petroleira, ponto turístico entre os mais admirados do mundo. Mas a cidade maravilhosa também convive com um flagelo devastador: o império do crime, dividido entre facções de traficantes e as milícias. Na quinta-feira, um dia antes de o governador Witzel ser afastado, o país assistiu estarrecido às 24 horas de terror impostas no Complexo do São Carlos, conjunto de favelas subjugado pela guerra entre grupos criminosos. Na tragédia da pandemia do novo coronavírus, o Rio de Janeiro ocupa do segundo lugar em número de mortos por covid — são mais de 15 mil vítimas nos últimos seis meses, atrás, apenas, de São Paulo. A situação torna-se dramática considerando-se que o escândalo que tirou Witzel do governo envolve contratos na área da saúde, para atender às vítimas da maior crise sanitária do país.

A metástase institucional no Rio de Janeiro não é motivo para adversários de Witzel comemorarem. Se há algo positivo a considerar desse episódio, é a expectativa de que a lei prevaleça e os culpados sejam punidos na Justiça. O abismo no qual o estado fluminense se encontra serve de alerta para o país, pois não interessa a ninguém haver uma terra arrasada sob os braços do Cristo Redentor.