Correio braziliense, n. 20917, 30/08/2020. Política, p. 4

 

Bolsonaro dá as cartas no Rio

Sarah Teófilo 

30/08/2020

 

 

O afastamento do governador Wilson Witzel, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), da administração do estado do Rio de Janeiro abriu uma avenida para que o presidente Jair amplie a influência onde fixou sua base eleitoral e política e por onde dois dos seus filhos têm representação legislativa –– Flávio, no Senado, e Carlos, na Câmara dos Vereadores da cidade do Rio, ambos pelo Republicanos.

Além de dar o suporte político pedido pelo governador em exercício, Cláudio Castro, que também é investigado no processo que afastou Witzel do poder, terá que decidir, até a próxima sexta-feira, 4 de setembro, se o Tesouro Nacional estenderá o programa de recuperação fiscal que garantirá a sobrevivência do Rio. Sem o suporte financeiro da União, o estado entrará em processo de falência. Witzel vinha pedindo socorro ao Palácio do Planalto, mas a resistência do presidente em estender a mão a ele era grande. Com Castro, o filme tenderá a ser diferente.

Pelos dados mais recentes do Tesouro, o Rio de Janeiro tem uma dívida consolidada de R$ 167,4 bilhões, representando quase três vezes a receita líquida anual do estado. Com o regime de recuperação fiscal, o Rio conseguiu a suspensão do pagamento de juros dos débitos, mas, ainda assim, não conseguiu se reequilibrar financeiramente. A expectativa é de que, agora, com Witzel fora do circuito e com grande chance de sofrer um processo de impeachment, a União conceda mais três anos de alívio dos juros. , com isso, posará de salvador do estado. É assim que ele já se vê.

Não por acaso, Cláudio Castro deu início às manobras para se aproximar do clã . Na última quinta-feira, mesmo antes da queda de Witzel, ele esteve em Brasília para encontros com pessoas próximas ao presidente. Político de pouca expressão, o governador em exercício precisa reconstruir as pontes com o Planalto. Ele sabe do tamanho da influência da família na Assembleia Legislativa do Estado do Rio (Alerj), por onde passa a sua permanência no cargo. O processo de impeachment de Witzel está avançado e, dificilmente, será revertido.

Vitória completa

O afastamento definitivo do governador –– confinado no Palácio Laranjeiras por 180 dias, a menos que o STJ reveja a decisão dada pelo ministro Benedito Gonçalves –– será a maior vitória da família no estado. Pelo roteiro que já vem sendo traçado, o governador em exercício trocará de partido, saindo do PSC do Pastor Everaldo, que está preso, e pousando no Republicanos. Consolidado esse momento, a legenda que abriga Flávio e Carlos terá o governo do Rio e a prefeitura da capital caso Marcelo Crivella seja reeleito para a prefeitura da capital.

Cientista político e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Geraldo Tadeu explica que Cláudio Castro chegou à vice-governadoria por indicação do Pastor Everaldo, mas é distante da figura de Witzel, com quem não tem ligações pessoais. Ele avalia que não resta a Castro nenhuma outra alternativa a não ser se aproximar mais do presidente da República e dos filhos dele. “Não somente pelas características do vice-governador, mas pela situação do próprio estado. Não há outro caminho para ele. Mesmo na condição de interino, tem que tentar pacificar as relações com o governo federal e com a Alerj, que estavam desgastadas”, explica.

Para a família , o ganho não será pequeno. Primeiramente, terá o bônus de manter, finalmente, uma relação de paz com o ocupante do Palácio Guanabara. Depois, no fim do ano, terá influência na indicação do novo procurador-geral de Justiça do estado, chefe do Ministério Público. Como no MP-RJ está a investigação que apura o esquema das rachadinhas do gabinete de Flávio , quando era deputado estadual, é importante para o clã acompanhar com lupa a sucessão na procuradoria –– que ainda apura a suposta contratação de funcionários fantasmas no gabinete do vereador Carlos .

“Ele () tem todo interesse de manter o Rio sob seu controle, até porque correm processos contra Flávio, e esse cargo (de chefe do MP-RJ) é estratégico”, aponta Tadeu.

Professor de Direito da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-RJ) e cientista político, Michael Mohallem reforça que há mútuo o interesse no bom relacionamento de Castro com a família , sobretudo, por causa da escolha da pessoa que comandará o Ministério Público do Rio. “Para o governador em exercício, um político sem expressão e sobre o qual também recaem suspeitas de envolvimento em esquema de corrupção, é uma forma de se manter e construir uma base. Ele precisa de um padrinho que lhe dê força política, que lhe dê sustentação”, salienta.

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Castro mantém reuniões 

30/08/2020

 

 

Em seu segundo dia como governador em exercício, Cláudio Castro deu expediente ontem no Palácio Guanabara, sede administrativa do governo estadual, quando se reuniu com o secretário de Estado de Saúde, Alex Bousquet. Na sexta-feira, ele ainda estava em Brasília quando foi comunicado da decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de afastar o governador Wilson Witzel do cargo, investigado por suspeitas de integrar um esquema de corrupção.

A primeira reunião de Castro como governador em exercício, na tarde de sexta-feira, foi com a cúpula da segurança pública. Foi decidido que não haverá mudanças na área. Mas, amanhã, está prevista uma reunião dele com todo o secretariado.

Já a defesa de Witzel ainda analisa a melhor estratégia para contrapor decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Segundo o advogado Ricardo Sidi, há tempo para entrar com recurso. O prazo mínimo é de cinco dias, que começam a contar a partir de amanhã –– ou seja, a defesa tem até próxima sexta-feira para fazê-lo. Dependendo da estratégia, o pedido pode ser via Supremo Tribunal Federal (STF) ou STJ. A Procuradoria-Geral da República investiga Witzel por suspeita de corrupção e lavagem de dinheiro.

Witzel, aliás, passou mal na manhã de ontem e procurou o Hospital Copa d’Or, em Copacabana, Zona Sul da capital fluminense. “Após ser atendido e passar por exames, foi diagnosticado com infecção, medicado e liberado em seguida”, disse a nota divulgada pelo PSC.