Correio braziliense, n. 20919, 01/09/2020. Saúde, p. 12

 

O quanto a obesidade agrava a covid 19

Vilhena Soares

01/09/2020

 

 

Um estudo francês detalha como estar acima do peso pode ser impactante quando se tem covid-19. A pesquisa, divulgada ontem durante o Congresso Europeu e Internacional sobre Obesidade (ECOICO 2020), analisou um grupo de pacientes infectados pelo coronavírus tratados em um hospital do país. Dos doentes internados em unidades de tratamento intensivo (UTIs), cerca de metade era obesa, sendo que um quarto apresentava obesidade grave. A maioria dos pacientes restantes (cerca de 40%) estava com sobrepeso. O estudo também mostrou que grande parte dos atendidos que precisavam ser entubados também pesava além do recomendado.

No estudo, os autores explicam que, no início de abril, as internações em terapia geral e intensiva em razão da covid-19 começaram a aumentar drasticamente na França e em outros países europeus. Os pesquisadores resolveram analisar se o peso poderia interferir, de forma negativa, no tratamento dos infectados pelo coronavírus. “A análise optou por esse foco porque as informações sobre as características clínicas de pacientes que requerem cuidados intensivos são limitadas, e a relação entre obesidade e Sars-CoV-2 não é clara”, detalham.

Os cientistas analisaram 124 internações em UTIs em função da covid-19 e compararam com dados de 306 pacientes que haviam sido submetidos ao mesmo tratamento devido a outras complicações. As análises mostraram que, entre os pacientes do primeiro grupo, cerca de metade tinha obesidade (IMC acima de 30), com um quarto apresentando obesidade grave (IMC de 35 ou mais). A maioria dos pacientes restantes, cerca de 40%, estava com sobrepeso, e apenas 10% se encontrava na faixa de peso saudável (IMC 25 ou menos). Entre os pacientes da UTI sem a covid-19, outro perfil foi visto: 25% tinham obesidade ou obesidade grave, 25% estavam acima do peso e 50% estavam na faixa de peso considerada saudável.

Outro dado que chamou a atenção dos cientistas surgiu quando eles analisaram os pacientes com covid-19 que precisaram ser entubados. Quase todos os pacientes com covid-19 em UTI e obesidade grave (87%) precisaram de um ventilador, caindo para 75% para obesidade regular (IMC 30-35), 60% para pacientes com sobrepeso, e 47% para aqueles na faixa de IMC saudável. “A necessidade de ventilação mecânica invasiva estava associada à obesidade grave e era independente de idade,  sexo,  diabetes e hipertensão”, explicaram os autores. Entre os 35 pacientes internados em UTI que não pioraram a ponto de precisar de ventilação mecânica, uma proporção bem menor tinha obesidade ou obesidade grave (menos de 25%), enquanto cerca de metade estava na categoria de sobrepeso e outros 25% dentro da faixa de peso normal.

Riscos claros

Segundo os autores, os dados vistos no trabalho mostram como a covid-19 pode ser mais difícil de ser enfrentada por pessoas com um peso considerado não saudável. “Vários meses após o início da pandemia, o aumento do risco representado por esse vírus para pessoas que vivem com obesidade não poderia ser mais claro. Nossos dados mostram que o risco de essa doença se tornar mais grave aumenta com o IMC, a ponto de quase todos os pacientes de terapia intensiva com covid-19 e  obesidade grave precisarem de ventiladores”, enfatiza, em comunicado, François Pattou, professor de cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de Lille e principal autor do estudo.

Marcio Correa Mancini, endocrinologista da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional São Paulo (SBEM-SP), destaca que os dados obtidos são similares ao que é observado pelos médicos brasileiros. “Conversando com os aqui de São Paulo, quando as internações estavam altas, nós ouvíamos exatamente isso. Eles atendiam mais pessoas com obesidade, e a maioria delas precisava ser entubada”, ilustra. “O mesmo foi mostrado  em outros estudos. Temos pesquisas de Nova Iorque, da Califórnia, que só mudam os parâmetros de análise.”

Mancini ressalta que outro ponto que chama a atenção é a alta taxa de óbito de jovens obesos acometidos pela covid-19. “Isso não é comum. O normal, no caso de outras doenças, é que morram mais idosos obesos. Na covid-19, temos visto pessoas com até 60 anos que acabaram morrendo e tinham como comorbidade a obesidade”, diz. Para o médico, é importante ressaltar a importância desse fator quando informações relacionadas à doença forem divulgadas, pois isso auxilia pesquisadores e, ao mesmo tempo, alerta a população. “Muitas vezes, nem os médicos relatam a obesidade como um fator relacionado à morte dos pacientes. Geralmente, ocorre quando a obesidade é mais grave. Esse tipo de informação é importante justamente para que essas análises possam ser feitas”, justifica.

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OMS: avanços estão comprometidos 

01/09/2020

 

 

A pandemia da covid-19 interrompeu o avanço do combate a outras enfermidades no mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). A instituição divulgou ontem um estudo que mostra que, em função da crise sanitária, mais de 90% dos países enfrentaram ou enfrentam dificuldades em atendimentos na área, como aplicações de vacina e tratamento de tumores, e que os desdobramentos desse problema podem durar muito tempo.

Os especialistas analisaram respostas de mais de 100 países coletadas entre de maio a julho. Entre os serviços mais afetados estão  imunizações de rotina (70%), planejamento familiar (68%) e diagnóstico e tratamento de cânceres (55%). Os serviços de emergência foram afetados em quase um quarto dos países que responderam aos questionamentos.

O estudo também mostra que a região do Mediterrâneo Oriental, que engloba Afeganistão, Síria e Iêmen, foi a mais prejudicada, seguida pela África e pelo sudeste da Ásia. O levantamento não analisou as Américas. “O impacto da pandemia da covid-19 em serviços de saúde essenciais é uma fonte de grande preocupação. Grandes avanços de saúde obtidos ao longo das últimas duas décadas podem ser eliminados em um período de tempo curto”, afirmam as autoridades da OMS, no relatório.

Segundo os especialistas, os óbitos que não estão relacionados ao novo coronavírus também aumentaram em algumas regiões, o que pode ter sido provocado por problemas enfrentados nos serviços de saúde. Porém, eles ressaltam que esses dados são mais difíceis de serem calculados.

A equipe alertou ainda para a possibilidade de os problemas relacionados à saúde persistirem após o fim da crise sanitária. “O impacto pode ser sentido para além da pandemia imediata, já que, ao tentar colocar os serviços em dia, os países podem descobrir que estão sobrecarregados”, destacam os autores do relatório.