Correio braziliense, n. 20920, 02/09/2020. Artigos, p. 9

 

Pandemia do bem

Rubens Menin 

02/09/2020

 

 

Estamos vivendo tempos desafiadores. A crise provocada pela pandemia da covid-19, que atingiu o mundo inteiro de forma inesperada, está incentivando movimentos muito importantes. No plano individual, a solidariedade é a palavra de ordem. É o momento de olharmos para o próximo com mais empatia. O que podemos fazer pelo outro? Não podemos nos acomodar no conforto de casa, enquanto tantos indivíduos sofrem os efeitos nefastos da crise. Creio que o movimento solidário pautará novas atitudes em benefício de uma sociedade melhor.

Devemos reconhecer que, mesmo antes da pandemia ser anunciada, já podia ser notado um (tímido) movimento da elite empresarial visando ao maior engajamento nas grandes causas do país e no enfrentamento das mazelas sociais. Entretanto, a urgência da pandemia acabou acelerando e aumentando o sentimento do coletivo, de cuidar dos que necessitam serem cuidados.

No âmbito das empresas, a situação não é diferente. A definição de nova rota considera critérios alinhados com o tripé ESG — environmental, social and governance (em português, ambiental, social e de governança) —, ou seja, não há mais lugar para as empresas que não estiverem engajadas de forma legítima nas iniciativas voltadas para o bem-estar social, diminuição das desigualdades, preservação do meio ambiente, disseminação de condutas éticas. A visão do lucro pelo lucro não será mais aceita.

Assim, empresas passam a ressignificar os valores e aprendem que precisam interagir e compartilhar mais seus propósitos e com maior transparência. Nesse contexto, as pessoas passam a consumir das companhias que têm propósito verdadeiro.

Voltando aos números da crise, as notícias e informações a que temos acesso diariamente estão nos fazendo conscientes de que a pandemia está produzindo e vai ainda produzir efeitos terríveis no Brasil e no mundo. Considerando os números do Brasil, atingimos 13,3% de desempregados, o que significa mais de 12 milhões de habitantes sem renda formal e já se projeta atingirmos um número de cerca de 20 milhões de desempregados e queda de até 5% no Produto Interno Bruto de 2020.

No entanto, sou otimista. Acredito que a crise potencializou o sentimento de fazer o bem e uma parte muito significativa da sociedade civil respondeu rapidamente com soluções em ato de cidadania e participação social, usando como ferramenta a filantropia. A palavra filantropia vem do grego e significa “amor pela humanidade”.

Assim, cada um de nós, independentemente de origem, crença ou ideologia, pode e deve fazer uso da filantropia não só como forma de solucionar os problemas que hoje enfrentamos, mas também como capacidade de transformar os indivíduos e, como consequência, o mundo.

Agora, também, é o momento de olharmos para o próximo com mais empatia. O que podemos fazer pelo outro? Desde incentivar o pequeno produtor ou comerciante que está fazendo as vendas on-line até ajudar os sistemas nacionais com boas doações, que são ações de empatia. Nós, empresários, estamos fazendo nossa parte?

O Brasil não é adepto à cultura de doação. No World Giving Index, da Charities Aid Foundation (conhecido como Ranking da Solidariedade), o Brasil, a nona economia do mundo e o 12º país em número de bilionários, caiu 47 posições em 2019 — de 75º para 122º, no quesito filantropia. O que já não era bom, ficou pior.

Segundo relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), o investimento social privado na filantropia equivale a 0,2% do PIB do Brasil, muito abaixo do esperado. Para efeito de comparação, nos Estados Unidos, onde a prática é bastante desenvolvida, o valor equivale a 2% do PIB.

Nós, brasileiros, temos de pelo menos dobrar o número de doações nos próximos anos. Essa é a meta do Movimento Bem Maior (MBM), iniciativa criada por cinco empresários com o objetivo de ser agente de mudança fortalecendo a cultura da filantropia.